Vicentinos ajudam todos

António Correia Saraiva, presidente nacional da Sociedade São Vicente de Paulo

António Correia Saraiva é o presidente nacional da Sociedade São Vicente de Paulo desde Abril de 2010. Natural de uma aldeia do concelho de Penamacor, no distrito de Castelo Branco, António Correia Saraiva faz parte da família vicentina há mais de 40 anos.

Em entrevista à Agência ECCLESIA fala sobre o passado e os desafios para o futuro com que a Sociedade São Vicente de Paulo se depara na atualidade. Uma conversa que teve lugar no dia em que vicentinos de todo o país se reuniram em Lisboa para celebrar o Dia da Sociedade de São Vicente de Paulo, criada em Portugal há 154 anos.

Agência ECCLESIA – 2013 é um ano em que a Sociedade São Vicente de Paulo tem vários motivos para celebrar. Que efemérides se assinalam?

António Correia Saraiva – Dia 31 de Outubro celebra-se o dia que a Sociedade São Vicente de Paulo chegou a Portugal, faz portanto 154 anos que a Sociedade São Vicente de Paulo foi aqui criada. Este dia é, por isso, muito especial para os vicentinos portugueses e para os de todo o mundo porque estamos também a encerrar as comemorações dos 200 anos do nascimento do beato Frederico Ozanam, que foi o nosso fundador.

2013 também é importante porque faz 180 anos que foi criada a primeira conferência vicentina em Paris e, não obstante isso, assinalam-se 160 anos da morreu Frederico Ozanam.

Há ainda outra data importante, foi há 120 anos que foi criado o primeiro Conselho Central em Portugal, mais precisamente no Porto.

Por tudo isto, 2013 é um ano importantíssimo para os vicentinos, é um ano extraordinariamente rico para a Sociedade São Vicente de Paulo e por isso reunimo-nos para festejar e, acima de tudo, para dar eco, união e força ao espírito vicentino que todas essas datas nos trazem.

AE – Este ano continua a estar marcado por uma crise profunda. Enquanto instituição de solidariedade social de que forma tem lidado a Sociedade São Vicente de Paulo com a crise e o aumento dos pedidos de ajuda?

ACS – A Sociedade São Vicente de Paulo dedica-se a ajudar o próximo não só em alturas de crise mas em todas as alturas. Tentamos estar junto dos mais necessitados, dos mais pobres e fazê-lo tanto na vertente espiritual como na vertente material. Atualmente, de fato a vertente material é a que está mais presente e nós estamos a auxiliar cada vez mais famílias que vêm até nós, outras que vamos nós ao encontro delas porque sabemos que algo se passa e precisam de ajuda. Umas estão desempregados e muitas têm carências de todas as ordens porque, nalguns casos, deixaram de ter subsídio de desemprego.

AE– E de que forma têm dado resposta a este crescente número de pedidos de ajuda?

ACS – Com a nossa palavra amiga! Muitas vezes nem os podemos ajudar muito a nível material, mas tentamos apoiar com a nossa presença, falando com eles, acompanhando o seu dia-a-dia e dando-lhes ânimo. Esta vertente é para nós muito importante porque temos como lema a visita domiciliária, ir á casa do pobre, falar e estar com ele sentindo assim as dificuldades com que ele se depara. Na atualidade em que vivemos mantemos essa proximidade e deparamo-nos com muitos, muitos pedidos de bens materiais. E por vezes já temos algumas dificuldades em acudir a todos…

 AE – Que bens materiais são mais solicitados?

ACS – Algumas pessoas vivem com carência extrema, pedem de tudo, como bens alimentares, dinheiro para pagar as faturas da água, luz e gás, pedem roupa para as crianças poderem ir á escola. Pedem-nos tudo isso e muito mais, todos os dias, nas Sociedades de São Vicente de Paulo que estão espalhadas pelo país…

AE – De que forma se gere essa incapacidade que vão tendo em atender todos quantos chegam até vós com pedidos de ajuda?

ACS – Gere-se de uma maneira muito aflitiva. Às vezes é muito angustiante para nós… Passamos noites e dias muito angustiados porque não conseguimos ajudar e estamos a ver que a pessoa está a degradar-se humanamente. Mas nós nunca deixamos chegar a esse ponto! Quando não conseguimos ajudar, fazemos tudo para encaminhar a pessoa para outra conferência vicentina ou para outra instituição de caridade como por exemplo a Cáritas ou outra qualquer que nos ajude a apoiar essa pessoa. Arranjamos sempre solução! Mas vivemos, de fato, com uma preocupação constante por causa dessas pessoas que chegam até nós desesperadas por ajuda.

AE – Um novo orçamento está em discussão, novos cortes foram anunciados. Acha que falta aos políticos conhecerem a realidade que os vicentinos conhecem, no terreno?

ACS – Eu estou atento à política e tenho de dizer que este orçamento e todas estas medidas que estão a ser tomadas são medidas de pessoas que de fato não conhecem a realidade, que não estão a viver no mesmo país onde há pessoas a sofrer tanto! Há pessoas à porta deles ou ao lado da casa dos familiares deles que estão a passar fome, que estão sem água e sem luz, que querem cozinhar e não têm gás para cozinhar e esta realidade eles não conhecem e como não conhecem fazem todas estas leis que de fato humilham as pessoas cada vez mais.

AE – O trabalho das instituições de solidariedade, como a Sociedade de São Vicente de Paulo e outras ligadas à Igreja Católica, tem sido essenciais para manter os níveis de subsistência de algumas pessoas?

ACS – Absolutamente. O trabalho das instituições de solidariedade da Igreja tem sido determinante. Os centros de dia, os lares da 3ª idade, a Sociedade de São Vicente de Paulo, a Cáritas, a Liga Operária Católica/Movimento de Trabalhadores Cristãos (LOC/MTC), a Juventude Operária Católica (JOC), etc. Todas têm sido essenciais e determinantes na ajuda aos mais necessitados e aos mais pobres nestes tempos difíceis que Portugal atravessa.

AE – Numa altura em que celebram os 154 anos da criação da Sociedade São Vicente de Paulo em Portugal que balanço faz do trabalho da instituição nas últimas décadas?

ACS – Nós temos estado a crescer constantemente. Estamos com conferências vicentinas em todo o país. Neste momento somos já 900 conferências a nível nacional com mais de 1500 vicentinos a trabalhar ativamente no terreno para apoiar espiritualmente e materialmente os mais necessitados.

AE – E no futuro que projetos têm em mãos?

 ACS – Queremos continuar a crescer, criando cada vez mais conferências vicentinas. Queremos chamar a nós cada vez mais jovens e por isso temos criado conferências vicentinas mais vocacionadas para os jovens, para estes terem desde novos a noção de que é importante ajudar o próximo, estar junto dos mais desfavorecidos. No geral, é um trabalho que carece de muita paciência, tem de ser muito preparado, contínuo para que chegue de fato a bom porto.

AE – As visitas domiciliárias continuarão a ser a aposta central na vossa forma de intervir?

ACS – Sim é a nossa aposta principal, sempre! O sentir as pessoas na sua casa, no seu meio e forma de viver é a nossa maneira de agir e estar junto dos pobres de forma presente e real.

AE – É também a forma de manter o legado de Frederico Ozanam atual e vivo?

ACS – O legado de Ozanam é a nossa principal inspiração. Frederico Ozanam praticava a caridade inspirado em São Vicente de Paulo, tanto que foi depois eleito como patrono das conferências por isso mesmo. “Bebeu” de onde todos nós “bebemos”, d’Aquele que é o sentido da nossa vida: Cristo. Frederico Ozanam delegou-nos esta vontade que é estar ao serviço do mais pobre porque estando ao serviço do mais pobre estamos ao serviço de Cristo. E tudo o que ele dizia e fazia na altura está ainda hoje absolutamente atual, até porque ele também viveu numa altura de crise em França, no pós-guerra, na revolução industrial uma altura em que também houve muito desemprego.

AE – Para si, enquanto presidente da Sociedade São Vicente de Paulo como vê o futuro do país e das pessoas?

ACS – O país vai ter a força, como sempre tivemos até hoje, para ultrapassar o momento que estamos a viver. Temos que ser sempre otimistas!

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