Ver o mundo através dos ouvidos

Imelda Monteiro, jornalista

A palavra, a imagem e o som. Três instrumentos que, há vários anos, tento aperfeiçoar de forma a transmitir fielmente o mundo que me é dado comunicar. Mas televisão, dizia a minha cultura académica, não rima com silêncio. Televisão é som, é palavra, é imagem em movimento … é uma transmissão contínua de estímulos comunicacionais. Será que tem lugar para comunicar o silêncio? Seria uma grave incapacidade, essa, que, nos dias de hoje, rodeados de múltiplas plataformas comunicacionais, não conseguíssemos transmitir aquilo, que à partida, pode parecer uma ausência de comunicação.

Deparei-me com o desafio perante uma reportagem televisiva sobre vida contemplativa. Artilhada com bloco de notas, câmara de filmar e microfone entro num Mosteiro de Clarissas. O objetivo da minha missão era captar e comunicar o silêncio. Acreditem que para quem trabalha em televisão não é uma tarefa fácil. Retenho na memória espaços enormes e vazios onde o que predomina é a ausência: ausência de movimento, ausência de som… Tudo o que tinha à minha frente contrariava as regras da televisão.

Ao ler a mensagem de Bento XVI para este Dia Mundial das Comunicações Sociais deparei-me com a expressão: o silêncio “faz apelo à sensibilidade” e à “capacidade de escuta”. De facto, ao entrar no mosteiro tive de reprogramar o meu modo de ser e agir em reportagem. Habituada a “captar” sons e palavras, tive de pôr à prova a minha sensibilidade e escutar para “captar” o silêncio.

Recordo um episódio num dos Mosteiros. Tinha pedido à Madre Superiora para filmar momentos chave do dia a dia do mosteiro. Um deles era o momento de oração na igreja. O operador de imagem posiciona-se, com câmara e microfone, numa das laterais. À hora marcada as 16 religiosas entram em silêncio na igreja, ajoelham-se e ali ficam. Durante cerca de 10 minutos não se passou nada. Apenas 16 religiosas alinhadas em silêncio. Estava à espera de um cântico de louvor, de uma oração partilhada, de uma leitura proclamada. Mas nada. Apenas silêncio. Sentada ao fundo da Igreja, tive tempo para aprender a admirar o quadro. Escutava o silêncio daquelas mulheres. O operador de imagem ia “captando” a ausência de som, e a ausência de movimento. Apenas prevalecia a imagem que aliada ao silêncio me comunicava o mundo daquelas mulheres. Um mundo onde o silêncio da oração, das preces e da adoração só conseguiria ser comunicado se conseguisse ser ouvido. Nesse dia troquei a função dos meus sentidos e consegui “ver” aquele mundo através dos ouvidos.

Imelda Monteiro, jornalista, Logomédia

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top