Vaticano: Papa pede «coragem» para transformar modelo neoliberal da economia

Em nova entrevista, Francisco fala em crise «terrível», criticando concentração da riqueza

Cidade do Vaticano, 28 fev 2023 (Ecclesia) – O Papa defende, numa entrevista publicada hoje, a necessidade de transformar a economia, pedindo “coragem” para superar o modelo neoliberal.

“Devemos ter a coragem de sonhar, de sonhar inclusive com economias que não sejam puramente liberais. É preciso ser prudente com a economia: se ela se concentrar demasiadamente nas finanças, em meros números que não têm entidades reais por trás, então a economia pulveriza-se e pode levar a uma séria traição”, refere, em conversa a jornalistas do semanário católico belga ‘Tertio’.

A entrevista é citada pelo portal de notícias da Santa Sé, ‘Vatican News’.

“A crise económica é, sem dúvida, grave, a crise é terrível. A maioria das pessoas no mundo – a maioria – não tem o suficiente para comer, não tem o suficiente para viver. A riqueza está nas mãos de poucas pessoas que dirigem grandes empresas, que por vezes são propensas à exploração”, adverte o Papa.

Questionado sobre os limites do “modelo de mercado neoliberal”, Francisco sublinha que as alternativas podem ser inspiradas pela Doutrina Social da Igreja, “a partir do Evangelho”.

“À expressão ‘economia de mercado’, João Paulo II acrescentou ‘social’, uma economia social de mercado. É preciso ter sempre em mente o social”, insistiu.

A conversa evoca o livro ‘Vamos sonhar juntos’, escrito com o jornalista Austen Ivereigh, seu biógrafo, sublinhando que “há pessoas extraordinárias a repensar a economia neste momento, entre elas algumas mulheres”.

“As mulheres são génios da criatividade”, indicou.

Francisco dá como exemplo uma empresa têxtil que conheceu na Argentina, a ‘Flandria’, inspirada pelo pensamento social cristão, na qual “os próprios trabalhadores participavam dos dividendos”.

“A economia deve ser sempre social, a serviço do social”, reforçou.

Numa reflexão sobre a participação dos católicos neste esforço, o Papa sustenta que “a celebração da Eucaristia tem consequências”.

“Há o partir do pão. Isto implica uma obrigação social, a obrigação de cuidar dos outros. Oração e compromisso andam de mãos dadas. A adoração a Deus e o serviço aos irmãos andam de mãos dadas, porque em cada irmão e irmã vemos Jesus Cristo”, precisou.

Estejamos atentos. O compromisso social da Igreja é uma reação, uma consequência do culto. Portanto, este compromisso não deve ser confundido com ação filantrópica que mesmo um não-crente pode realizar. A ação social da Igreja deriva do seu ser, porque nela reconhece Jesus”.

A entrevista aborda ainda a importância do Concílio Vaticano II (1961-1965), do qual, segundo Francisco, saiu o “desafio para tornar a Igreja cada vez mais viva”.

“O Concílio é a voz da Igreja para o nosso tempo e neste momento – por um século – estamos a coloca-lo em prática”, precisou.

A conversa aconteceu no Vaticano, a 19 de dezembro de 2022, e foi divulgada esta terça-feira.

O Papa referiu então que a Santa Sé tem levado “a sério” a guerra na Ucrânia, “desde o primeiro dia”.

“Esta guerra é terrível, é uma imensa atrocidade”, lamentou.

OC

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