«Osservatore Romano» promoveu encontro entre portugueses
Cidade do Vaticano, 05 abr 2022 (Ecclesia) – O cardeal D. José Tolentino Mendonça e o treinador José Mourinho encontraram-se na Biblioteca Apostólica do Vaticano para uma conversa sobre desporto e transcendência, publicada hoje pelo ‘Osservatore Romano’.
“A palavra certa é transcendência, que é uma palavra muito mais ampla, que tem a ver com superação, sem dúvida, é a saída de nós mesmos, num movimento intencional de trabalho, de projeção, de confiança, mas ao mesmo tempo é uma abertura ao mistério, à plenitude, ao divino”, refere o cardeal português, aludindo ao trabalho do professor Manuel Sérgio, uma referência na carreira de Mourinho.
Já o treinador da Roma, do campeonato italiano de futebol, fala da sua carreira, com várias décadas, e admite que o desporto de alta competição tem “uma faceta cruel”.
“Pagas pelos teus erros. Se eu cometo um erro, pago-o com o despedimento. Se um jogador comete um erro, paga deixando de jogar. Há algo cruel nisso, mas não podemos deixar que a natureza do nosso trabalho se sobreponha ao que somos como pessoas”, assinala, numa conversa conduzida pelo cardeal madeirense, arquivista e bibliotecário da Santa Sé.
José Mourinho sublinha que o desempenho em alta competição tem fatores que ultrapassam dimensões táticas ou de preparação física, ligando alguns desses aspetos à espiritualidade.
“Na preparação de uma competição ao mais alto nível, que implica uma pressão e uma responsabilidade, tens de pôr algo mais do que o treinado e creio que esse algo mais está muito ligado à tua espiritualidade”, indica.
A conversa aborda temas ligados à devoção a Fátima do treinador português – que diz gostar de visitar a Cova da Iria à noite, em silêncio, tal como faz na Praça de São Pedro – e à figura do Papa, que Mourinho considera uma referência de proximidade.
Citando Francisco, o treinador português diz que “a guerra na Ucrânia é um fracasso humano antes de o ser político”.
É um fracasso brutal, é a perda de princípios ou o não desenvolvimento dos mesmos, é a evolução do pensamento na direção errada. É algo difícil de explicar. É um fracasso a todos os níveis da humanidade: é o nosso fracasso”.
D. José Tolentino Mendonça afirma que a saída desta situação deve ser “uma humanidade mais unida, capaz de criar formas de fraternidade, inclusão, ajuda mútua”, superando “a lógica da guerra que, infelizmente, acompanha a história da humanidade há tantos séculos”.
O colaborador do Papa manifesta a sua “grande felicidade este encontro” e elogia Manuel Sérgio como um dos “pensadores mais originais” de Portugal, criando “uma nova epistemologia” para a motricidade humana, após sublinhar que o jogo é “algo humanamente muito rico”.
“O adepto comum, quando vai ao estádio, não vai lá só para esquecer, comemorar, não está só em busca de um pouco de alegria, mas de alguma forma há a ambição de tocar alguma coisa, de ir mais longe , para compreender o mistério da vida, o seu significado”, sustenta.
O cardeal português destaca, em resposta a Mourinho, a importância de refletir sobre o falhanço, o “fracasso”, como “passo fundamental para poder crescer no conhecimento do outro”.
“De certa forma, os nossos fracassos, as nossas desilusões, a consciência da imperfeição, ajudam-nos a criar essa empatia com os outros, porque nos colocamos no seu lugar e vemos as coisas com outra profundidade”, aponta.
No final da conversa, D. José Tolentino Mendonça mostrou a Mourinho, um cancioneiro dos séculos XV-XVI que recolhe “cantigas” medievais (Vat.lat.4803), mais de 1200 poemas em língua galaico-portuguesa.
OC
Ética/Desporto: «Quem não se transcende, verdadeiramente não vive» – Manuel Sérgio (c/vídeo)