Ética/Desporto: «Quem não se transcende, verdadeiramente não vive» – Manuel Sérgio (c/vídeo)

Filósofo e professor catedrático de Motricidade Humana sublinha necessidade de superar visão centrada no sucesso e questiona gestos que estimulam a violência

Foto: Joana Bougard (Renascença)

Lisboa, 15 mar 2019 (Ecclesia) – O filósofo português Manuel Sérgio considera que o mundo do desporto inspira uma reflexão sobre a transcendência, apelando à vivência ética desta prática, para rejeitar fenómenos de violência.

“A transcendência é o sentido da vida, quem não se transcende, verdadeiramente não vive”, sustenta o convidado da entrevista semanal conjunta ECCLESIA/Renascença, publicada e emitida hoje.

O especialista inspirou a nova cátedra “Desporto, Ética e Transcendência”, promovida pelo Instituto Português do Desporto e Juventude pela Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa.

Questionado sobre os fenómenos de violência que marcam algumas manifestações desportivas, o entrevistado pede que haja uma clarificação de conceitos.

“Se a sociedade é violenta, é evidente que o desporto tem também violência. Agora, atenção: o desporto tem violência, não é violento. É uma coisa completamente diferente”, afirma.

Manuel Sérgio mostra-se apologista de uma atividade física “com ética, com valores”.

“Não há desporto sem ética. Não há desporto sem aqueles valores sem os quais se torna impossível viver humanamente”, insiste.

Neste contexto, defende que um treinador deve ser, simultaneamente, um “educador”, ensinando o respeito pelo adversário.

O professor catedrático lamenta que o fenómeno desportivo seja visto como “menor”, despojado da sua “complexidade”, dando voz a pessoas menos qualificadas para comentários e debates.

Normalmente, simplifica-se o desporto para qualquer pessoa poder falar dele. Nós reparamos nalgumas estações televisivas, radiofónicas, na realidade qualquer pessoa fala. Se for de cardiologia, se for de direito do trabalho, vão os especialistas, aqui não”.

A entrevista aborda o impacto do atual “tempo do espetáculo”, no desporto e na sociedade.

“O que não é espetáculo, não é, não existe; há necessidade do espetáculo, há necessidade de aparecer como ator. Portanto, temos de ouvir muito o Papa Francisco, aquela frase que ele diz sobre a infraestrutura que nos governa, económica: Esta Economia mata”, observa.

“Pode matar o desporto, esta Economia mata tudo”

O pensador português mostra-se convencido de que alguém com “sentido da vida” é “melhor atleta, está mais confiante”.

“A saúde não depende só do exercício físico, depende de um exercício físico onde há valores, onde eu sou tanto, tão bom do ponto de vista de físico, como do ponto de vista moral. Tudo isso tem a ver com o desporto, tudo isso tem a ver com a vida toda”, precisa.

Manuel Sérgio falou ainda da experiência como deputado do PSN e da reflexão sobre os desafios que o envelhecimento coloca à sociedade.

“A própria sociedade deita fora o que não presta. Deita fora o que está velho. O maior drama, talvez, que encontrei neste país, foram os idosos sós”, lamenta.

Manuel Sérgio Vieira e Cunha é licenciado em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa e doutor e professor agregado, em Motricidade Humana, pela Universidade Técnica de Lisboa (UTL); autor e coautor de 50 livros e de inúmeros artigos e de ensaios, é hoje professor catedrático convidado aposentado da Faculdade de Motricidade Humana.

Ângela Roque (Rádio Renascença) e Octávio Carmo (Agência ECCLESIA)

«Não há desporto sem ética»

“Eu costumo dizer que a vida sem Deus é um absurdo, com Deus é um mistério. Uma pessoa não pode falar destes problemas da transcendência como se pode falar de um fenómenos físico-químico, não é? É uma coisa interessante, que se nós mandarmos uma lágrima para o laboratório, a lágrima é água e cloreto de sódio. Ora, uma lágrima é mais do que isso: este mais do que isso a ciência não consegue explicar”.

 

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