Valores humanos e evangélicos marcam a vida do povo madeirense

Homilia da tomada de posse de D. António Carrilho como Bispo da Diocese do Funchal 1. Chamado e enviado pelo Papa Bento XVI, sucessor de Pedro, para Bispo desta Diocese do Funchal, eis-me aqui como Pastor da parcela da Igreja que sois vós, Povo da Madeira e Porto Santo. E quero dizer-vos, como Santo Agostinho: “Para vós sou Bispo, convosco sou cristão.” É com grande alegria e emoção que estou a viver este acto de tomada de posse e entrada na Diocese, através do qual se concretiza e ganha expressão efectiva o SIM da minha resposta, dada há cerca de dois meses atrás: – Com emoção beijei o Crucifixo, à entrada desta Catedral, contemplando na imagem de Jesus Crucificado o preço do Sim da Sua fidelidade, e lembrando o lema da minha ordenação sacerdotal: “Como Jesus, venho para servir”. É no amor-serviço que o Bom Pastor dá a Sua vida! – Com emoção Tudo me ajudou a interiorizar, mais uma vez, o lema da minha ordenação episcopal: “Faz-te ao largo”, para glória de Deus Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo. – Com emoção me senti e sinto acolhido por vós, queridos Diocesanos e Ex.mas Autoridades da Madeira e Porto Santo, e me sinto acompanhado, numa magnífica expressão de comunhão da Igreja, por tantos Bispos, familiares e amigos vindos de Loulé, minha terra natal, e de todo o Algarve, minha Diocese de origem; do Porto, onde trabalhei, durante oito anos, como Bispo Auxiliar; de Lisboa e de outros pontos do nosso País, pelas relações de amizade criadas em tantas áreas da minha actividade pastoral. O meu bem hajam a todos! Glorificação do Senhor e missão para a Igreja 2. Ocorre a minha tomada de posse no dia em que a Igreja celebra a Solenidade da Ascensão do Senhor. Foi também esta a Liturgia quando, em 12 de Maio de 1991, o saudoso Papa João Paulo II trouxe, como ele próprio disse, o “seu abraço cordial a esta querida Diocese”. Dessa grande celebração fazemos hoje memória, retomando alguns cânticos, e revestindo-me eu do mesmo paramento que o Papa então usou. Partilho agora convosco o sentido e as implicações na nossa vida pessoal e apostólica, da mensagem da Ascensão do Senhor. As leituras hoje proclamadas apresentam-nos a Ascensão de Jesus como o culminar da Sua missão no mundo e a expressão da Sua comunhão infinita com o Pai, no Espírito Santo. Assinala igualmente a entrega da Sua missão aos discípulos, chamados a prolongá-la, incessantemente e criativamente, sem cansaços nem desistências… É a festa da glorificação do Senhor e da entrega da Sua missão à Igreja! Deixando definitivamente este mundo, depois de habituar os Apóstolos a uma nova forma de presença, através das Suas aparições de Ressuscitado, Jesus penetrou na glória do Pai: “Elevou-se à vista deles (apóstolos) e uma nuvem (símbolo da presença divina) escondeu-O a seus olhos” (Act 1,8 – 1.ª Leitura). E como escreve o autor da Carta aos Efésios, Deus que ressuscitou Jesus dos mortos “colocou-O à Sua direita no Céu (…). Tudo submeteu a Seus pés e pô-l’O acima de todas as coisas, como Cabeça de toda a Igreja, que é o Seu Corpo, a plenitude d’Aquele que preenche tudo em todos” (Ef 1, 23 – 2.ª Leitura). Um mandato – o do anúncio do Reino, uma promessa – a do Espírito, uma missão – a do testemunho: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura” (Mc 16,15); “(…) recebereis a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós e sereis minhas testemunhas (…) até aos confins da terra” (Act 1, 8 – 1.ª Leitura). Dar continuidade à obra iniciada por Jesus é a missão da Igreja que urge realizar, sem perdas de tempo nem desvios. “Porque ficais a olhar para o Céu?” Acolhamos como dirigida também a nós a interpelação: “Homens da Galileia, porque ficais a olhar para o Céu? Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado para o Céu, virá do mesmo modo que O vistes ir para o Céu” (Act 1, 11 – 1.ª Leitura). A Ressurreição de Jesus e a Sua Ascensão marcaram, na verdade, os inícios do Reino de Deus, não o fim da história: a construção do mundo novo apenas começou, mas exigirá muito tempo e muito empenho, por parte dos discípulos. De todos – sem que ninguém possa ficar de fora ou considerar-se dispensado. Agora, o importante é descobrir novas formas de presença de Jesus, sabendo encontrá-l’O no mais íntimo de nós próprios, no mais profundo do amor ou da dor, do desejo ou da esperança. Descobri-l’O no sorriso das crianças ou no olhar dorido dos enfermos, no sonho dos jovens ou no cansaço dos idosos, na alegria dos que lutam por um ideal na vida familiar e profissional ou na desesperança dos que sofrem tantas fomes e sedes neste nosso mundo, por vezes tão desfigurado… Importante, agora, é acolhê-l’O na riqueza sempre nova da Sua Palavra, na presença gratuita que na Eucaristia nos oferece, na eficácia dos Sacramentos que alimentam a Igreja. Importante, agora, desafiador mesmo, é ser prolongamento vivo e vivificante do seu dinamismo pascal transformador: passar fazendo o bem, dar a conhecer o amor do Pai, ser fermento do Reino de Deus no coração do mundo, para que haja mais verdade, justiça, amor, paz e fraternidade. Ser esta presença de Igreja no Mundo é fundamental e compete, de modo muito particular aos leigos, individualmente ou em Associações e Movimentos organizados, numa grande variedade de carismas e complementaridade de serviços. Como dizia, ainda não há muito tempo, o Papa Bento XVI: “Para os leigos, este é o tempo da esperança e da audácia!” E acrescentava: “Fazei resplandecer a luz da vossa vida pessoal nas vossas famílias, nos ambientes do trabalho, no mundo da educação, da cultura e da política, em todos os sectores em que trabalhais em benefício da paz e para construir uma ordem social que esteja mais em conformidade com o homem e o respeite mais na sua dignidade inalienável” (Congresso de Leigos da Europa do Leste, na Ucrânia, em 4 de Outubro de 2003). Continuidade e novidade na sucessão apostólica 3. Se esta dimensão da presença cristã na vida quotidiana é básica, ela não esgota toda a acção pastoral da Igreja, antes pressupõe um dinamismo de conhecimento e aprofundamento da fé, que capacite os fiéis nas diversas idades e situações, para assumirem as suas responsabilidades como “pedras vivas”, membros activos da Igreja do Senhor! Conforme afirmava na “Mensagem à Diocese”, aquando da minha nomeação, não é este ainda o momento para apontar qualquer tipo de programa em concreto; há que conhecer e saber acolher os valores e tradições cristãs das gerações passadas, e olhar em frente, discernindo os sinais e exigências do tempo presente. Na sucessão apostólica, “continuidade” e “novidade” são dois princípios que decorrem da comunhão entre as pessoas e da fidelidade à missão comum. A realidade social do nosso tempo, nomeadamente a madeirense, é caracterizada por profundas transformações que apontam, à partida, para algumas necessidades e linhas gerais de acção pastoral. Concretamente, a necessidade de intensificar a (nova) evangelização e a catequese, em linguagem clara, acessível e interpelativa; a necessidade de proporcionar aos jovens a descoberta, o conhecimento e o seguimento de Cristo; a necessidade de apoiar os casais na vivência do ideal do matrimónio cristão e no testemunho convincente de famílias cristãs felizes. Permiti-me uma referência especial aos jovens. Dirigindo-se aos Párocos de Roma, em Fevereiro passado, o Papa Bento XVI dizia-lhes: “A juventude deve ser realmente prioridade do vosso trabalho pastoral, porque vive num mundo longe de Deus. Neste contexto cultural, é muito difícil encontrar-se com Cristo, com a vida cristã, com a vida de fé. Os jovens precisam muito de ser acompanhados para poderem encontrar este caminho (…) Eles devem ver que se pode viver a fé neste nosso tempo, que não se trata duma coisa do passado, mas que é possível viver hoje, como cristãos.” Não queria deixar de dar graças a Deus pelo muito que foi feito, na nossa Diocese, nos últimos anos, no campo da pastoral vocacional. Como dizia o Senhor D. Teodoro, na Homilia da Missa Crismal de Quinta-feira Santa: “Hoje o Senhor concede-me uma alegria espiritual muito rara: sete jovens serão instituídos nos ministérios de leitor e acólito. Eles são a oferta mais bela que entrego ao novo Bispo (…) Estes eleitos são o fruto do trabalho pastoral de várias paróquias, de famílias cristãs, de catequistas com fé, do esforço de educadores do Seminário e também fruto dos meus trabalhos e consolações.” Comunhão e corresponsabilidade pastoral Sei que, nesta hora da Diocese do Funchal, como sempre acontece em tempo de mudança, existe uma certa expectativa e desejo de novos projectos, de novas respostas, de novo dinamismo. É um grande desafio que me tem chegado de diversos modos e que eu aceito. Sim, aceito ser parte dessa esperança, porque o seu “rosto” total teremos de ser todos, em comunhão e corresponsabilidade pastoral – Bispo, Sacerdotes, Religiosas e Religiosos, membros dos Institutos de Vida Consagrada e Leigos! Juntos, procuraremos a melhor forma de corresponder, como Igreja, às necessidades e aspirações do Povo da Madeira e Porto Santo, respeitando os objectivos e finalidades próprias de outras instituições e cooperando com elas naquilo que for serviço ao bem comum. Uma palavra especial a todo o Clero diocesano e religioso, para vos dizer, caros amigos, que aprecio a vossa dedicação e serviço à causa do Reino de Deus e gostaria de poder contar sempre com a vossa generosidade, nomeadamente para as Visitas Pastorais que juntos havemos de programar e realizar, atingindo as paróquias na diversidade das suas instituições, pessoas e actividades. Só um presbitério unido poderá ser gerador de comunhão e força de animação pastoral. Riqueza do património espiritual da Diocese 4. Queridos Diocesanos: ao assumir, hoje, a responsabilidade de Pastor da veneranda Igreja do Funchal, como seu 32.º Bispo, não posso esquecer a riqueza do património desta Diocese, terra de missionários e de santos. Como bem recordou o Papa João Paulo II, na sua visita em 1991, a Diocese do Funchal, criada pelo Papa Leão X, em 12 de Janeiro de 1514, “foi, durante anos, mãe das comunidades cristãs que se iam edificando nos territórios aonde chegavam os missionários portugueses: em África, no Oriente, no Brasil. Da Igreja Catedral do Funchal nasceram, nesses anos, numerosas Igrejas locais que continuaram, ao longo dos séculos, e continuam ainda hoje a proclamar o Evangelho e a tornar Jesus Cristo presente no Mundo”. Na verdade, a Diocese do Funchal foi elevada à dignidade arquidiocesana e, durante 22 anos (de 31 de Janeiro de 1533 a 3 de Julho de 1551), constituiu a maior arquidiocese metropolitana do mundo; dela se desmembrariam as Dioceses de Goa, Angra, Cabo Verde, São Tomé e Salvador da Baía. Na história da Madeira destacam-se figuras notáveis de historiadores, poetas, bispos e missionários. Para recordar apenas os Bispos do Funchal do século XX, lembro os seus nomes e alguns aspectos significativos do seu ministério pastoral: – D. Manuel Agostinho Barreto (1877–1911), que construiu o Seminário Diocesano da Encarnação, o primeiro Seminário feito de raiz, nesta Diocese; – D. António Manuel Pereira Ribeiro (1914–1957), que recuperou aquele Seminário, confiscado pela República, em 1911; – D. David de Sousa (1957–1965), a quem se deve a criação de novas unidades paroquiais bem como a aquisição do edifício do Seminário Maior (de Nossa Senhora de Fátima), separando os estudos humanísticos do curso teológico; – D. João Saraiva (1966–1972), com um episcopado curto, durante o qual o curso teológico passou para a Universidade Católica; – D. Francisco Santana (1974–1982), que prestou especial atenção ao apostolado laical e lançou na Diocese o Movimento dos “Jovens Cristãos da Madeira”; – por fim, D. Teodoro de Faria (1982–2007), a quem saúdo, com muita estima e apreço, felicitando-o pelas Bodas de Prata da sua ordenação episcopal, celebradas há apenas três dias (16 de Maio), e expressando-lhe o meu reconhecimento pessoal e a gratidão da Diocese. O Senhor D. Teodoro deixou a marca da sua personalidade e visão pastoral em áreas importantes da vida diocesana, nomeadamente o Seminário e a pastoral das vocações, a formação e qualificação dos Sacerdotes, a modernização da Cúria Diocesana, o apoio aos Movimentos Laicais, aos Religiosos/as e aos Institutos de Vida Consagrada, e a atenção aos emigrantes madeirenses, que visitava com regularidade. A formação e o apostolado de D. Teodoro fazem dele um dos Bispos marcantes da Diocese do Funchal. Fé e tradições religiosas Dou graças a Deus pelos valores humanos e evangélicos que marcaram e continuam a marcar a vida do povo madeirense. Dou graças a Deus pelas tradições e expressões de fé e religiosidade, que tantos apreciam e admiram: as “Missas do Parto”, na novena preparatória do Natal; a devoção ao Santíssimo Sacramento, com as festas paroquiais do “Domingo do Senhor”, por ocasião da Solenidade do Corpo de Deus; a devoção a Nossa Senhora, que é a Padroeira da Diocese, sob a invocação de Nossa Senhora do Monte, e Padroeira de 48 das 96 paróquias existentes. E outras manifestações de piedade popular, como a peregrinação ao Bom Jesus (Ponta Delgada) e a procissão do Senhor dos Milagres (Machico). Subjacente a todas estas manifestações está uma fé que suscitou exigências de santidade e um grande número de vocações missionárias. No novo contexto social e cultural, marcado pelo turismo e por um notável desenvolvimento, impõe-se agora um aprofundamento da fé, que a torne cada vez mais esclarecida, de maior convicção pessoal e mais comprometida na acção apostólica. Com a bênção de Maria-Mãe 5. Ao terminar, renovo as minhas saudações e agradecimentos iniciais; renovo as saudações da minha primeira Mensagem às diversas Instituições religiosas, civis, militares, culturais e académicas, repetindo o meu grato reconhecimento a todos quantos têm pugnado pelo progresso da Região e desenvolvimento cultural da população e o meu desejo de prosseguir e incentivar, com as Igrejas Irmãs, os caminhos ecuménicos da unidade. Uma vez mais confio a Maria–Mãe todo o meu Episcopado nesta Diocese do Funchal – a Ela, a Mãe Soberana da Piedade, da cidade de Loulé, donde sou natural; a Senhora da Vandoma, da cidade do Porto, donde parti para vir ter convosco; a Senhora do Monte, Padroeira da nossa Diocese. A Maria-Mãe entrego o meu desejo de servir em simplicidade e alegria, fazendo-me ao largo e lançando as redes da missão, para que, correspondendo à recomendação do Papa Bento XVI, na Bula da minha nomeação, os fiéis que me são confiados, alimentados pela Palavra e pela Eucaristia, “sejam fortes na fé, alegres na esperança, solícitos na caridade”, para glória do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Funchal, 19 de Maio de 2007 D. António Carrilho, Bispo do Funchal

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