Padre Manuel Ribeiro, Diocese de Bragança-Miranda
Neste mês tão belo, tocado pelas quentes cores outonais e marcado por uma espiritualidade de grata memória por todos aqueles que nos precederam e nos antecederam na fé e nos fizeram quem nós somos, onde as lareiras nos juntam e nos congregam e onde os Seminários voltam à nossa oração e ao nosso coração, colectiva e emocionalmente, a reflexão sobre a vocação, sobre o nosso propósito e sobre o nosso sentido existencial.
Por isso, a pergunta que se nos coloca é: o que é “vocação”, o que se entende por “vocação”? O étimo “vocação” provém do termo latina “vocare” que significa chamamento, um chamar fora de mim que me projecta para um plano integral e integrante, transformador e edificador. Por outras palavras, é escutar a voz vinda de fora de mim, que me centra e me projecta para além de mim, me conduz a um propósito existencial. É uma Palavra que acompanha sempre uma Promessa.
A escuta desta voz implica sempre que se faça o processo de descoberta do nosso próprio eu, ou seja, saber quem sou, saber o que quero, saber de onde venho e para onde quero ir. Porém, há o risco de ficarmos, apenas e só, pela dimensão humana em detrimento da dimensão divina. Para evitar este risco, devemos recordar sempre que somos criados e projectados para Deus para uma promessa de futuro, de esperança e de felicidade.
Kierkegaard, no seu existencialismo cristão, antecedendo o existencialismo niilista e materialista de Sartre, recorda que o homem não vive do nada nem para o nada, nem que a existência precede a essência (como afirma Sartre), mas antes está empenhado e projectado para o último estágio da existência humana, isto é, o estágio religioso.
Vejamos como alguns, que apesar de terem tudo, viverem tudo e comprarem tudo, chegam ao limite da sua existência completamente vazios de sentido, vivendo numa bolha, numa imagem que não é sua, numa vida que não é sua. Em muitas situações de limite humano e de sentido, o homem perdido em si mesmo e perdido na sua matriz identitária, recorre frequentemente a mecanismos e a meios de alienação que lhe permite esquecer ou fugir do problema que se impõe sobre ele. Só Deus traz sentido, traz paz, traz propósito, traz vida e esperança. É urgente recordar que o sentido da vida não está nas criaturas nem nas coisas criadas. A alma grita pelo seu Criador, grita por se envolver pelas coisas sagradas, grita para se unir hipostaticamente a Deus.
O medo de perder a vida, de não a dar, de não a gastar, de não a oferecer e de não a entregar leva-nos ao risco de não viver e, pior, passar pela vida sem que a vida passe por nós, sem que nos transforme, sem que nos modele no amor pleno e único e sem fazer na vida do outro, do irmão e do próximo, espaço de sentido, de luz e de esperança. Por conseguinte, a obediência e conversão exige sair de nós mesmos, de nos libertarmos da mentalidade mundana e encontrarmos, finalmente, a vocação, isto é, o projecto de felicidade que Deus tem para cada um de nós.
É Deus quem chama, quem nos quer conduzir aos “prados verdejantes” e nos quer levar “à terra onde corre leite e mel”. Deixo como sugestão a leitura do episódio bíblico do Livro dos Génesis, capítulo 22, versículos 1-19. Aqui, veremos uma palavra, uma decisão, uma confiança e uma promessa que implica sempre a obediência. Escutar implica inevitavelmente a obediência. Voltamos à etimologia: obediência provém do latim “oboedire” que significa “escutar com atenção”, isto é, a fusão de “OB” (“atenção”) + AUDIRE (“escutar”).
Neste sentido, a vocação é a obediência, a escuta com atenção a uma palavra que me precede e antecede, que me ama primeiro e, neste primeiro amor, me ensina a amar, a ter um propósito, um sentido, uma razão, que nos conduz à libertação do meu ego, do meu mundo e do meu umbigo. Neste processo de escuta e de obediência à Palavra e à Promessa, inicia-se uma sequência sustentada e alimentada na oração, na relação íntima com Deus, não fora da comunhão da Igreja e da comunidade, mas sempre em comunhão e em união com a comunidade orante e com a Santa Igreja. Só assim haverá conversão, pois vocação será sempre uma conversão, uma mudança ôntica e existencial, em que os “porquês da vida” se assumem e os “comos da vida” se autojustificam.
Manuel Ribeiro, Padre