Rodrigo Queiroz e Melo, Director Executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo
As épocas de crise podem ser períodos de renovação. Esta renovação é o que na teoria se pode designar por destruição criadora: por vezes é necessário que algo desapareça para que em seu lugar surja algo melhor. Neste sentido, a revisão do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo que o Governo levou a cabo poderia ter sido uma ocasião de rever este diploma dos anos 80 à luz dos princípios de hoje. Poderia ter sido uma oportunidade para fazer um grande debate sobre o espaço e a função do ensino privado na sociedade portuguesa do século XXI e, porque não, para a Igreja reflectir sobre o seu papel no sistema de ensino português. No final, algo teria de mudar, mas o objectivo seria que essa mudança fosse o embrião de algo melhor para a sociedade portuguesa, traduzido num sistema educativo mais equilibrado, em que as famílias pudessem ter maior capacidade de decisão quanto à escola para os seus filhos e em que o Estado se definisse, de uma vez, como o garante da qualidade de oferta educativa a que os alunos portugueses têm direito.
Contudo, a revisão do Estatuto foi uma oportunidade perdida. Nada se discutiu, nada se pensou, o Governo limitou-se a fazer contas e a tomar decisões tendo em consideração exclusivamente argumentos financeiros.
Existe no Conselho Nacional de Educação (CNE) uma proposta de revisão do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo. Esta proposta foi pensada, trabalhada e negociada pela Administração Educativa (em representação do Estado), associações sindicais (em representação dos trabalhadores), a CONFAP (em representação dos pais) e a AEEP (em representação dos colégios). Porém, o Governo não a conhecia e, tendo-lhe sido dado conhecimento, não a considerou. Sem ouvir ninguém (nem mesmo o CNE, o que nos parece manifestamente ilegal!), entendeu o Ministério rever o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, assumindo como sua “coutada” um sistema que é de todos.
Nesta revisão, o Governo abordou apenas a questão das relações contratuais entre o ensino privado e o Estado. Trata-se de contratos que o Estado celebra com escolas privadas com dois objectivos principais: nuns casos, apoiar a frequência destas escolas por alunos oriundos de famílias carenciadas. Noutros, permitir a frequência dos colégios em condições de gratuitidade, constituindo-se estes colégios como oferta educativa pública perfeitamente equiparada à oferta das escolas do Estado. No primeiro caso, contratos simples, temos 20 mil alunos. No segundo, contratos de associação, 55 mil.
Em ambos os casos, pretendia o Governo acabar com os contratos existentes no final do ano lectivo em curso e recomeçar tudo de novo mas, desta vez, numa base anual. Isto é, todos os anos os contratos cessavam no final do ano lectivo e o Estado decidiria se celebrava, ou não, novo contrato para o ano seguinte. A adicionar a isto, os valores em causa em cada contrato seriam diminuídos chegando, no caso dos contratos de associação, a haver um corte de 30%.
A gravidade e as consequências desta alteração que o Governo aprovou em Conselho de Ministros eram de tal monta que escolas, pais e professores de todo o país, bem como as suas organizações representativas iniciaram a denúncia pública desta intenção. Em Dezembro, a Assembleia da República iniciou o processo de aprovação de uma Lei em sentido contrário à vontade do Governo e o Presidente da República anunciou que, salvo alterações de fundo ao diploma do Governo, a iria vetar.
Perante esta situação, o Governo recuou e alterou o seu Decreto: os contratos passaram a ser plurianuais garantindo-se que, uma vez iniciado um ciclo de estudos no colégio, os alunos poderão prosseguir até ao final desse ciclo beneficiando do contrato.
Com estas alterações, o Decreto-lei foi promulgado e publicado em Diário da República. Contudo, em vez de uma revisão do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo com vista à sua actualização e melhoria, tivemos uma alteração de pormenor, apenas fixada em questões contratuais e que diminui a segurança jurídica dos estabelecimentos de ensino privado. E que, como já se viu, trouxe uma enorme instabilidade às escolas.
Após a publicação deste novo Decreto-Lei, o Governo publicou, nos últimos dias de Dezembro, uma Portaria que regulamenta os novos princípios contratuais e estipula os montantes de financiamento destas escolas. Uma vez mais, o Governo ignorou o sector e a fundamental importância que tem para o sistema educativo nacional e estipulou um corte de 30%, que irá inviabilizar muitos projectos educativos e que poderá abrir as portas do desemprego a milhares de professores e de pessoal não-docente.
O Governo, com esta revisão unilateral do EPC, ignorando o verdadeiro interesse público, desperdiçou uma oportunidade para renovar e trazer algo de melhor ao sector.
Rodrigo Queiroz e Melo,
Director Executivo da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo