A (lenta) agonia das escolas públicas não estatais

Jorge Cotovio, Secretário Geral da Associação Portuguesa de Escolas Católicas (APEC)

Há muito que o Estado desejava uma oportunidade destas. As mentes pombalinas dos sucessivos governantes continuam a pensar que a Igreja e a sociedade civil não têm o direito de “ensinar” e que os pais não têm o direito de escolher a escola para os seus filhos. Essas mentes, muitas delas defensoras das mais amplas liberdades, continuam a pensar que compete ao Estado, não só garantir o serviço público de educação (que está correcto), como também prestar em exclusivo esse serviço (o que está incorrecto!). Julgam elas que o serviço “público” tem de ser obrigatoriamente executado pelo Estado! Para elas, somos mesmo uma “fraca” sociedade civil!

Se ao longo dos últimos dez anos já tem havido sinais de alguma atrofia às escolas privadas com ensino gratuito, ao abrigo dos chamados “contratos de associação”, com sucessivas diminuições do número de turmas sob este regime, agora, a pretexto da crise, o Estado desfere o maior ataque a estas escolas de que há memória.

Apesar das reacções movidas pelos pais e outros educadores, e mau grado as advertências moderadas do Presidente da República (ele próprio, como Primeiro-Ministro, galvanizador desta parceria que tanto jeito lhe deu), os diplomas que regulam o apoio do Estado aos estabelecimentos do ensino particular e cooperativo foram publicados praticamente sem alterações à proposta inicial do Governo, produzindo mudanças profundas das regras de financiamento.

E agora? Quais os cenários previsíveis para as estas escolas, muitas delas pertencentes às dioceses e a congregações religiosas?

Embora o ano lectivo fosse planeado de acordo com a anterior legislação, a partir deste mês de Janeiro, e até Setembro, as escolas vão ter de governar-se, no máximo, com 90 000€ por turma. Ora se pensarmos que a média do custo/ turma se situa(va) nos 114 000€ temos uma redução de 21%. (E se nos lembrarmos que há escolas cujo custo/ turma é mais oneroso, porque têm maioritariamente professores com muitos anos de serviço, este corte pode atingir os 30%!. Paradoxalmente, neste período, o Estado, para as suas escolas, apenas prevê reduções de 5,5%!!!).

Perante este novo cenário, que injustamente considera todas as escolas privadas “iguais”, como garantir com dignidade a qualidade do serviço de educação, que tem sido apanágio destas escolas? Não se podendo alterar o currículo, há que fazer (mais) poupanças. Sabendo-se, porém, que os maiores encargos são com os vencimentos dos funcionários, as medidas dirigem-se sobretudo aos docentes. Ou seja, quem já está habituado a trabalhar intensamente, terá de habituar-se a não ser remunerado pelas chamadas “horas de cargo” (direcções de turma e coordenações diversas). E se isto não bastar, terá de haver, obrigatoriamente, uma redução efectiva do vencimento. É claro que, perante este cenário, nenhuma escola se atreve a pensar em novos investimentos. Mas quem paga os encargos dos investimentos entretanto realizados, sempre com o objectivo de melhor servir os alunos?

Para as escolas que sobreviverem a este cataclismo, espera-lhes um ano lectivo de 2011/12 ainda com mais aflições. A nova legislação impõe um tecto por turma de 80 000€, ou seja, uma redução de 30% sobre os valores de Setembro de 2010. (Paradoxalmente, para as suas escolas, o Estado prevê um corte de 11%!!! E sabemos como normalmente estas previsões não se cumprem).

É certo que para o próximo ano lectivo vai haver alterações do currículo, com menor carga lectiva para o corpo docente. Mas esta nova situação vai conduzir obrigatoriamente a despedimentos de professores, com os decorrentes encargos. Ademais, novas medidas políticas se adivinham para os próximos meses, que irão condicionar o ano lectivo 2011/12. Refiro-me aos ajustamentos da rede escolar. Aqui, o Estado vai impor mais uma vez as suas regras e asfixiar o mais possível as escolas públicas não estatais. A pretexto da crise e da racionalização dos recursos, as Direcções Regionais de Educação vão procurar encher as escolas estatais e apenas as sobras irão para as escolas privadas, fazendo emergir novamente o estigma da supletividade. Pobre ensino privado que continua a aguentar esta injustiça e prepotência. Esquece-se o Estado que, contrariamente ao estipulado na Lei de Bases, em 1986, continuou a construir escolas em zonas abrangidas por escolas privadas, esbanjando dinheiros públicos. Esquece-se o Estado que subtilmente foi requalificando nos últimos 4 anos centenas de escolas, ampliando a sua lotação, sem necessidade. Esquece-se o Estado que uma hipotética transferência de alunos para as suas escolas vai onerar o erário público, uma vez que vai gastar mais (contas feitas por mim mesmo, há poucos anos, conduziu à conclusão que um aluno que frequentasse uma escola privada custava ao Estado metade de um aluno que frequentasse uma escola estatal equivalente).

O Estado quer, à força, que o ensino privado seja só para os “ricos”. E nestes 100 anos da República, o Estado não se esquece que ao desferir estes duros golpes está a atingir sobremaneira a Igreja Católica, não só pelo peso que tem na arte de (bem) ensinar, como por deixar de ter oportunidade de educar gente carenciada.

Como cristãos, como homens, temos de ter pensamentos positivos. Há 30/40 anos um punhado de combatentes, maioritariamente pertencentes a escolas católicas,  conseguiu superar dificuldades inimagináveis (Reforma Veiga Simão e Revolução de Abril) e construir de raiz um quadro normativo extremamente avançado para a época (e até para o momento actual), possibilitando mais liberdade de ensino e a coexistência pacífica entre ensino estatal e não estatal. Agora, ao invés de fazermos progressos a este nível, regredimos. Perante este quadro nebuloso, estamos na altura de assumirmos as nossas responsabilidades, como escolas católicas, como ensino privado, e de nos afirmarmos, de vez. Exige-se, para tal, muita solidariedade, muita comunhão, muita concertação, muita firmeza, muita luta, muita acção, muita inquietação, muita ética. Se achamos que as escolas católicas são um meio privilegiado de evangelização junto da juventude e das suas famílias, não podemos atirar a toalha ao chão. Temos que provar, em conjunto com o restante ensino privado, que somos uma expressão da liberdade, uma alternativa credível, aceite e desejada pelos pais, e indispensável para o crescimento saudável da sociedade portuguesa.

 

Jorge Cotovio,

Secretário Geral da Associação Portuguesa de Escolas Católicas (APEC)

 

 

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