Uma igreja pioneira?

Rui Pedro, Director da Obra Católica Portuguesa de Migrações O último fluxo de imigrantes, sobretudo com origem no Leste da Europa e no Sudoeste do Brasil, que se situa na ordem das 200.000 pessoas em apenas três anos, veio questionar profundamente a identidade e a missão da Igreja em Portugal. Constata-se o despertar de uma nova consciência sobre a intervenção dos cristãos nas questões sociais e políticas do país. As Dioceses, os Movimentos, as Paróquias e as Congregações missio-nárias – que têm “discernido” a mobilidade humana no país como maravilhoso “sinal dos tempos” – têm-se colocado numa atitude de abertura cultural, preocupação evangélica e autêntico espírito missionário. Ainda bem que a Imigração chegou ao Continente e ás Regiões Autónomas para vivermos aqui a fraternidade reencontrada no Ressuscitado e para regressarmos às origens da nossa vida comunitária fundada pelos Apóstolos, tal como insistiu o Concílio Vaticano II! Muitos imigrantes com o seu sofrimento familiar, exclusão sócio-laboral e “ex-comunhão” eclesial de que são ainda alvo – para alguns considerados ainda “gentios” – denunciam quanto as nossas comunidades cristãs se encontram “sedentárias” na pastoral e ocupadas em espiri-tualidades pouco libertadoras; quanto são imediatas e generosas na acção social de emergência, mas mais reservadas na corresponsabilidade pastoral da paróquia e algo xenófobas no diálogo intercultural; quanto são territorialmente “nacionalistas” e excessivamente “clericais” no modo de conceber a dimensão “católica” e “laical”: marca genuína de toda e qualquer Igreja local. A Imigração recorda aos cristãos quanto é importante viver as intuições da Doutrina Social da Igreja no nosso dia-a-dia, sobretudo, na promoção e defesa dos direitos humanos, no compromisso pela justiça e pela paz. Foi durante o Jubileu do ano 2000 que a Igreja sentiu como forte o apelo, embora com poucos recursos e meios ao dispor, a renovar e a reestruturar este sector da Pastoral. Era preciso adaptar-se às rápidas mudanças em acto e dar respostas adequadas às novas questões. Começou-se pelos Secretariados Diocesanos da Pastoral de Migrações (SDPM), solicitando às dioceses que dotassem este serviço com equipa de voluntários, de maneira a reforçar a rede nacional de apoio ao imigrante e minorias culturais estimulada pela OCPM. Solicitou-se ainda às dioceses que não omitam mais esta realidade nas prioridades dos Planos Pastorais Diocesanos. Surgiram, por parte de Dioceses e Congregações religiosas, uma variedade de iniciativas louváveis nas áreas do ensino do português, da solidariedade de emergência, do apoio espiritual através de celebrações e cedência de espaços. Com grande rapidez chegou-se à constituição de quatro capelanias diocesanas para os ucranianos de rito greco-católico. A própria CEP designou, recentemente, um capelão nacional. Pretende-se apoiar espiritualmente os católicos e proporcionar-lhes celebrações na própria língua com sacerdotes que os conheçam bem. Fomos rápidos para com os europeus do Leste, mas continuamos a enfrentar resistências à criação de estruturas semelhantes para que as famílias africanas, brasileiras e outras – sejam trabalhadores, empresários ou estudantes – possam ter por parte da Igreja um “acompanhamento espiritual” específico que facilite a formação na fé, a participação multicul-tural de todos os migrantes na igreja local e a comunidade cristã assuma a postura conciliar da “eclesiologia de comunhão”. Todos sabemos que há pastorais na Igreja que exigem competências próprias e uma pastoral específica. A Migração é uma destas áreas e são poucos os agentes preparados para esta acção da comunidade. Daí o estarmos a qualificar as Jornadas da Pastoral das Migrações (este ano no Funchal, de 14 a 18 de Julho) e o termos decidido estreitar parcerias dentro da Igreja: com a Caritas Portuguesa criámos há 2 anos, o Encontro Nacional de Apoio ao Imigrante que é um importante momento de formação e de troca de experiências concretas entre as dioceses e organizações sócio-caritativas; e, sempre no mesmo ano, pressionado pela desprotecção e violação dos direitos dos migrantes, constituiu-se o Colectivo de Organizações Católicas, hoje composto por 8 entidades, que é uma plataforma de reflexão à luz do Evangelho, fruto da “incarnação” dos cristãos nos problemas “concretos” dos migrantes e refugiados, tudo em permanente diálogo com as Comissões Episcopais implicadas neste âmbito. Continuamos, porém, a sentir a falta de um Departamento de Estudo e Documentação sobre as Migrações. Os cristãos têm sido pioneiros no auxílio de emergência social, mas penúltimos na reflexão e no estudo do fenómeno. Continuamos a trabalhar por uma Igreja que una a caridade à justiça e à paz, que abata o muro entre “circuncisos e incircunsisos” que, fiel à opção preferencial pelos mais vulneráveis, esteja na praça pública a evangelizar pessoas e estruturas. Assistimos a sinais de alguma aproximação e comunhão entre as confissões cristãs (sobretudo com os evangélicos e ortodoxos), assim como no âmbito do diálogo inter-religioso (com os muçulmanos e hindus). Contudo, esta comunhão, simbolizada em encontros ecuménicos com alguma mediatização, não é ainda expressão do diálogo franco, nem de uma comunhão efectiva. Neste campo, a imigração é uma mais valia. A defesa dos direitos humanos e das liberdades é uma linguagem por todos entendida, sem dogma-tismos e sem privilégios, que poderá levar o “ecumenismo de base” já existente a um diálogo ecuménico entre comunidades diferentes, mas muito recíproco e aprofundado. Alguém disse que não vale a pena denunciar mais, mas o que fazer quando vemos diminuir o acolhimento e a generosidade na Igreja, quando assistimos a sinais crescentes de xenofobia entre os cristãos, quando acolhemos os injus-tiçados do mundo do trabalho e da discriminação porque os violadores dos direitos continuam impunes e a Igreja, em vez de levantar a sua palavra, perde-se em questões de arqueologia religiosa que a tornam impermeável às mudanças que estão a acontecer no mundo e de que a Imigração é o sinal mais eloquente e o apelo mais premente? Rui Pedro, Director da Obra Católica Portuguesa de Migrações

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top