Um vulcão que nunca se extinguiu

Mensagem de Natal do Pe. António Rego, Director do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais O Natal perde-se no dealbar dos tempos. Como é sabido, existem literaturas míticas do Oriente que têm uma história da criação do Mundo, com dados semelhantes aos que o livro das origens, o ‘Génesis’, nos oferece. Mas é também verdade que a Bíblia constitui um avanço em todas as narrativas pagãs da criação. A concepção de Deus e do homem ultrapassa todos os velhos mitos, segundo os quais, os deuses criaram os homens para terem escravos em abundância de que pudessem dispor a seu bel-prazer. O Natal é a chegada desse Messias que nos alimenta a esperança que o mundo não corre ao acaso Para além da maneira como os biblistas possam interpretar a narrativa da criação do mundo e do homem, há dados fundamentais que ressaltam de toda a imagética do primeiro livro da Bíblia: A criação do mundo é Deus. Como é dele o projecto de felicidade para o homem. Perante a árvore da vida o homem, livremente, pôde escolher. Escolheu mal. Ficou salva a sua liberdade mas teve de assumir o preço do seu gesto. Expulso do paraíso, logo surgiu um sinal de uma vitória sobre a serpente que o havia enganado. Esse sinal é o Messias desejado, que há dentro de cada um de nós. A nostalgia do eterno, do perfeito, sem mancha nem dor, sem lágrimas na morte. Um vulcão dentro de cada ser humano. Para os cristãos tudo isso tem um nome: Jesus. O Natal é a festa da sua chegada. O povo judeu dá passos muito semelhantes aos cristãos e alimenta o mesmo sonho messiânico. Reconhe-cendo a figura de Jesus, apenas lhe nega o carácter de Messias enviado para remir os primeiros passos do homem. O Islão reconhece Jesus como profeta e Maria (muito venerada) como a sua mãe. Mas Maomé, segundo o islamismo, é o Profeta que ultrapassou Jesus Cristo. Mas as três grandes religiões monoteístas têm muitos pontos em comum acerca da pessoa de Jesus. Obviamente que, para os cristãos, Jesus é o Filho de Deus, consubstancial ao Pai e ao Espírito Santo. Tudo isto parece não passar de um complicação bíblica ou teológica. Mas importa colocar as peças no devido lugar para não andarmos estonteados numa doce embriaguês de festa sem sabermos exactamente o que estamos a fazer. Se a cultura faz as religiões, as religiões fazem cultura. E tanto no mundo hebraico, numericamente menos expressivo, como no islâmico ou cristão, notamos uma marca profunda no tempo, no rito, na arte, na literatura, na história. O religioso acabou por se atravessar no todo do seu povo e, segundo a sua capacidade de expansão, no todo de muitos povos de muitos quadrantes do planeta. Poderíamos visitar áreas de hin-duísmo, budismo, religiões naturais da África ou Américas, e estaríamos perante uma grande profusão de expressões interligadas a povos, lugares e sentimentos. Neste calei-doscópio surgiram concepções diferentes de Moral, Ética, Justiça, Poder, Repartição dos bens. Mas o que se torna cada vez mais verdade é que a base de tudo isto é o Homem, e a sua conduta não pode mudar substancialmente no Oriente ou no Ocidente, porque na sua natureza estão inscritos valores universais, sem tempo nem espaço. Por isso, elementos comuns como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, mesmo laica e por vezes de candeias às avessas com as religiões, é uma forma da expressão do sagrado inscrito em toda a natureza humana. Chegados aqui, com as cidades iluminadas, as pessoas em atropelo permanente, numa febre de comprar e vender, parece que adulteraram todo o Natal que existe, ainda que em expressões diferentes, dentro de cada pessoa. Eu não penso assim. Creio que esta época exprime anseios que estão escondidos noutros rituais do ano (ano novo, Carnaval, férias, festivais, jogos, etc. )O Natal, mesmo correndo o risco de se tornar melífluo e artificialmente enternecido, é uma oportunidade de dizermos e expressarmos uns aos outros, o melhor de nós próprios. O nosso tempo é desconcertantemente bom.O Homem tem saudades de Deus e do melhor de si próprio. E por isso, mesmo que desajeitamente diz-se no Natal, para si ou para os outros, o que não se ousa dizer no resto do ano. Há muita gente assustada com a comercialização do Natal. Tenho mais medo do culto do esbanjamento. Mas não esqueço os muitos gestos de solidariedade e partilha, o novo olhar sobre as crianças e os idosos, uma espécie de remorso das distracções repetidas no resto do ano. O Natal é a chegada desse Messias que nos alimenta a esperança que o mundo não corre ao acaso mas tem inscrita, no íntimo do coração, uma história sublime que é o encontro e a redenção do próprio Homem. P. António Rego In Correio da Manhã

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