Um rumo solidário

Padre Lino Maia, presidente da CNIS

Talvez mais do que o “plano de recuperação” traçado pela troika, três ideias se destacaram durante a recente campanha eleitoral: renegociação da dívida, liberalismo e estado social.

Deixando para outros o tema da renegociação ou do pagamento da dívida, importa enfrentar os outros temas porque, indubitavelmente, serão dominantes no futuro, tanto mediato como imediato.

Quantos se opõem ao liberalismo também desejam caminhos de prosperidade, com geração da riqueza que está no potencial de trabalho; porém, temem que a ausência de um estado regulador e interventor seja campo para injustiças e exploração do homem pelo homem, com o abandono de políticas humanistas e o consequente e inevitável agravamento das desigualdades. Quantos põem em causa o “estado social”, tal como se tem vindo a desenhar, anteveem o seu colapso, pelo que, no mínimo, assim pensam, ele tem de ser redimensionado. Para além da sua preocupante sustentabilidade, entre nós o estado social não tem sido suficiente promotor da criação de riqueza, e, provavelmente á custa dele, tem crescido algum alheamento e algum irrealismo e nem sempre ele terá feito um percurso pelas vias da justiça.

Portugal está carecido de um rumo. Liberalizante ou socializante?

De rumo assente em pilares. Definidos, estáveis e envolventes.

O primeiro pilar em que tem de assentar o rumo para Portugal é a pessoa. Não o mercado. A pessoa toda e todas as pessoas. Tudo é movimentado pelas pessoas e tudo deve estar ao serviço das pessoas e da sua plena expressão. Se são as pessoas que sentem a crise, são também as pessoas o elemento determinante para ultrapassar eficazmente momentos menos bons e encontrar caminhos de futuro para todos.

Um outro pilar é o da promoção da autonomia e cidadania das pessoas. A causa comum é construção envolvente de todos. Se um estado solidário tem de estar atento aos mais carenciados e aos de condição diferente e em seu favor canalizar recursos para assegurar a defesa da sua dignidade, à custa do estado social tem-se optado excessivamente pela continuada distribuição de benefícios, muitas vezes fomentadores da habituação e da dependência porque isentos de programas na sua temporalidade para a promoção da autonomia. Isso faz de cada “beneficiado” uma fonte infinda de direitos e um alheado abstencionista de deveres, tanto em relação a si próprio como aos demais. A pessoa só tem plena consciência da sua dignidade de pessoa no exercício da sua autonomia solidária. Também na promoção da cidadania aliada a uma necessária autonomia solidária estará a melhor via de reativação de uma economia ao serviço de um melhor “ordenamento da casa humana”.

Um terceiro pilar, mas não de menor importância, é o da educação. Apesar de quase só se pensar na escola ao falar de educação, inicialmente, todavia, a educação desenvolve-se na família, sem falar desse “meio-termo” que é constituído pela rua, o desporto, os movimentos de juventude, os meios de comunicação, a comunidade e as igrejas. Pensa-se no ensino, como se a educação não fosse simultaneamente física, estética, moral, afetiva, técnica e intelectual. Pensa-se na criança, mas também os adultos estão a educar-se sem cessar, mesmo que não seja senão pela experiência da vida. Como dizia Platão, “são necessários cinquenta anos para fazer um homem”. É necessário utilizar o termo educação no sentido total. Mutilá-lo é mutilar o homem. Educar envolve colocar o educando no meio em que vive, mostrar-lhe as linhas de evolução do que aconteceu antes e provocar-lhe o desejo de ser delas um agente continuador. Começa nos primeiros meses de vida e é, simultaneamente, um processo e o seu resultado. É a ação consciente que permite a um ser humano desenvolver as suas aptidões físicas e intelectuais bem como os seus sentimentos sociais, estéticos e morais, com o objetivo de cumprir, tanto quanto possível, a sua missão como homem ou mulher, que não se limita a um conjuntural e temporal contexto; é também o resultado desta ação. Recorrendo à raiz latina da palavra, a educação é a alimentação ao mesmo tempo espiritual e material de que todo o ser necessita para se afirmar na vida pessoal e social que o espera. Se o Estado tem de assegurar condições de educação para todos, são as famílias os primeiros agentes e também a quem assiste o direito e o dever da escolha.

Um outro pilar é o da saúde. Cuidar da saúde dos cidadãos é uma das primeiras obrigações de qualquer estado. E garantir condições e meios de saúde para todos, desde a conceção à morte natural, é sua indeclinável obrigação, seja num estado liberalizante ou num estado socializante. Universalidade associada indelevelmente a gratuitidade pode gerar consumismos abusivos e despesismos clientelares. Universalidade tanto de meios como de condições e comparticipação ajustada à situação de cada um é uma via de solidariedade e de sustentabilidade.

Um quinto pilar é o da habitação e ambiente. Cada vez mais o homem será o seu ser mas será também a sua circunstância. As circunstâncias deficientes desmotivam enquanto as boas circunstâncias potencializam. Requalificar, quando conveniente e necessário, e valorizar sempre e envolver sempre, cada um e todos, como agentes da requalificação e valorização, serão meios e, simultaneamente, objetivos.

Finalmente, um outro pilar é o da família. Inquestionavelmente, um pilar fundamental. Com a muito honrosa exceção da Igreja, é um facto que a família tem estado bastante afastada dos fóruns e das políticas. Desde sempre, a família acaba por surgir como um lugar onde se aprende a viver, a ser e a estar, e onde se começa o processo de consciencialização dos valores sociais inerentes à sociedade e sem os quais esta não consegue subsistir. Ela é o primeiro espaço onde cada indivíduo se insere e espaço essencial na promoção do ser pessoa. É aí onde tudo começa e para onde tudo deve convergir. É neste contexto que a pessoa se consciencializa, se inicia no processo de socialização primária e é levada à articulação com a comunidade. É no seio familiar que se faz a transmissão de valores, costumes e tradições entre gerações. Não há futuro para Portugal sem o apoio inequívoco à constituição da família e sem a sua determinada e determinante proteção.

Opção liberalizante ou socializante talvez não seja a questão.

Portugal só tem futuro com um rumo solidário assente em bons pilares. Definidos, estáveis e envolventes.

Lino Maia, presidente da CNIS

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