Um ramo de amendoeira

Parece mais fácil semear o terror que a esperança. E o caos pode tornar-se mais sedutor que a harmonia. A dualidade do homem, a aparente cegueira da natureza, a explosão primária de instintos destruidores, a aparente lentidão do avanço do que é bom e belo, conduz a muitas leituras desencantadas do mundo, da história e do homem, tido muitas vezes como um dependente incurável do instinto. Não é preciso vaguear pelos planetas da abstracção. Basta ler os jornais, ver e ouvir as notícias. Não raro se desprende a náusea da onda opaca e sufocante dum mundo que teima em não encontrar o rumo. Aos solavancos, a ciência e a técnica vão revelando e reabrindo sulcos. Mas o homem, o ser humano, parece marcar passo num lamaçal de violências, injustiças e desordens. Ao peso esmagador dum pecado original de que não consegue libertar-se. Talvez não seja tanto assim. O que “vemos ouvimos e lemos”, tem um cenário, um espectáculo narrativo de atracção, um toque de feira onde cada qual grita mais alto pelo seu produto. Daí que facilmente nos perdemos na medição do que é real e do que é fictício, na construção que fazemos de nós mesmos e do mundo. Somos, a um tempo, autores, actores, encenadores e espectadores deste complexo concerto em que nunca estamos de fora. Em alternâncias de ordem e desordem. Assim, facilmente olhamos em volta e vemos em primeiro plano túmulos e lágrimas, como se o mundo começasse e terminasse nesse tom menor que tantas vezes des-mobiliza a acção e desfoca o olhar sobre o hoje e o futuro. O Bispo mais novo de Portugal evocou, no rito da sua Ordenação, o profeta Jeremias. Na época mais trágica da história do seu país, numa espécie de fim do mundo que se avistava de Jerusalém. Quando Deus lhe pergunta o que vê, responde: “vejo um ramo de amendoeira”. Bem traduzido, Jeremias vê o bem, o belo, o bom. E Deus responde: “viste bem, Jeremias, viste bem”. É este o lema e o programa dum novo bispo. Um olhar de esperança radicado na fé, vindo do fundo dos tempos. E bem urgente num planeta que em muitos aspectos parece agonizante. António Rego

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