Um notável corpo de doutrina – o mais vasto, coerente e humano

Doutrina Social da Igreja Encerrou na Casa de Vilar o Congresso Diocesano sobre a Doutrina Social da Igreja, que reuniu mais de duas centenas de pessoas em torno da reflexão sobre múltiplos aspectos deste tema. Torna-se cada vez mais evidente que a Doutrina Social da Igreja constitui um conjunto doutrinário de valor humano e social muito elevado, e os seus princípios adquirem progressiva actualidade nas condições actuais da economia, sobretudo nas relações entre empresários e trabalhadores.Do largo espectro de conferências e reflexões apresentadas, cujo valor foi reconhecido pelos participantes, apresentamos o resumo de João Porto, da Comissão Executiva deste Congresso, que resume assim as linhas essenciais do seu conteúdo: Enquadramento histórico A expressão “Doutrina Social”, aplicada à Igreja, foi usada pela primeira vez pelo Papa Pio XI na carta encíclica Quadragesimo Anno, para referir a doutrina da Igreja Católica sobre as questões sociais, desenvolvida sobretudo a partir de Leão XIII, com a sua famosa e fundamental encíclica Rerum Novarum. Na verdade, porém, as preocupações da Igreja sobre a justiça e a dignidade da pessoa humana datam logo dos seus primeiros tempos; até porque é nos Evangelhos que se encontram os fundamentos de toda a doutrina social; sem prejuízo dos contributos que, mais tarde, os Padres e Doutores da Igreja deram, ao longo dos séculos. Por isso, a Igreja considera seu direito e seu dever, “anunciar sempre e em toda a parte os princípios morais, mesmo de ordem social, bem como emitir juízo acerca de quaisquer realidades humanas, na medida em que o exijam os direitos fundamentais da pessoa humana ou a salvação das almas” – conforme se pode ler no Cânone 747 do Código de Direito Canónico. Mas foi sobretudo a partir do século XIX, com a “revolução industrial”, que as questões sociais ganharam particular acuidade: a par de importantes progressos técnicos e económicos, gerou-se uma gravíssima rotura social, alterando profundamente a ordem até então estabelecida, da qual resultaram desequilíbrios e injustiças gritantes, designadamente no campo do trabalho, com a chamada “questão operária”. Como é sabido, o Papa Leão XIII, sensível a esses desequilíbrios e injustiças, entendeu assumir uma atitude enérgica, publicando a já referida carta encíclica Rerum Novarum, em 15 de Maio de 1891, onde denunciou as práticas atentatórias da dignidade das pessoas e formulou doutrina sobre os princípios que devem reger uma ordem social mais humana e mais justa. Foi um acto de grande coragem, numa época de enorme instabilidade e de ventos pouco favoráveis à Igreja; em que, a par de inúmeras manifestações de apoio, também houve muitas pessoas, incluindo católicos, que não acolheram benignamente a posição de Sua Santidade. Firmeza doutrinal De todo o modo, a Igreja manteve uma posição de grande firmeza – não apenas através de documentos pontifícios, mas também em inúmeros movimentos eclesiais desenvolvendo e actualizando, ao longo dos anos, a sua doutrina social, na qual foi integrando o tratamento de outros temas, para além das relações de trabalho, que se foram revelando carentes da sua luz, como sejam os problemas da família, da economia, do desenvolvimento, da liberdade, da organização política dos estados, das relações internacionais, da paz, do ambiente, etc. São inúmeros os documentos da Igreja que se ocuparam destes temas, pelo que não caberá aqui – nem seria possível – mencionar todos; mas julgo dever lembrar alguns dos mais importantes. Nas primeiras décadas, parecem-me de destacar, sobretudo, documentos pontifícios que, assinalando aniversários da Rerum Novarum, actualizaram, às respectivas datas, a doutrina social da Igreja: como foi o caso da já citada carta encíclica Quadragesimo Ann, do Papa Pio XI, em 1931; e a Radiomensagem pelo 50.0 Aniversário da “Rerum Novarum”, do Papa Pio XII, em 1941. A década de 61 a 71 foi particularmente activa: com duas cartas encíclicas do Papa João XXIII, a Mater et Magistra”, em 1961, e a Pacem in Terris, em 1963; vários documentos do Concílio Ecuménico Vaticano lI, dos quais se destaca, na área social, a Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Contemporâneo Gaudium et Spes, promulgada em 1965; e duas cartas encíclicas do Papa Paulo VI, a Populorum Progressio, em 1967, e a Octogesima Adveniens, em 1971. Mais recentemente, o Papa João Paulo II, no seu longo e recheado pontificado, voltou a abordar praticamente todos os temas anteriores da doutrina social da Igreja – e alguns em primeira mão – em documentos diversos, dos quais me permito destacar quatro na área social: a carta encíclica Laborem Exercens, em 1981; a exortação apostólica Familiaris Consortio, em 1982; e as cartas encíclicas Solicitudo Rei Socialis, em 1987, e Centesimus Annus, em 1991, no centenário da Rerum Novarum. Um corpo doutrinal único É um notável corpo de doutrina – certamente o mais vasto, coerente e humano que existe sobre a Terra! Não vislumbro nada que se lhe compare, nem noutras religiões, nem em correntes filosóficas ou sociológicas. É um património riquíssimo, que nos cabe cultivar e valorizar. Mas, para quem sobre ele queira debruçar-se, uma dificuldade surge: o enormíssimo volume de documentos que o integram. Certamente por isso, o Papa João Paulo II encarregou o Conselho Pontifício “Justiça e Paz” de elaborar um Compêndio da Doutrina Social da Igreja; o trabalho ficou completo em 2004 e a edição portuguesa saiu em Novembro de 2005. É uma obra à altura do corpo de doutrina que sintetiza! Indispensável na estante de qualquer católico, e até de não católico que tenha interesse pelos assuntos sociais. Assinalando a publicação do Compêndio em Portugal, e “tendo em conta a necessidade da formação na Doutrina Social da Igreja”, D. Armindo Lopes Coelho entendeu convocar este Congresso, admitindo expressamente que, no futuro, ele “dê origem a uma formação nesta área com iniciativas periódicas”. Perante tal mandato – e independentemente de sabermos como serão as futuras “iniciativas periódicas” – a Comissão Executiva considerou que este Congresso, enquanto primeira “iniciativa”, deveria ocupar-se de um vasto conjunto de temas do Manual, para transmitir, na medida do possível, uma panorâmica geral do seu conteúdo. O Manual está estruturado em três partes: na primeira aborda questões gerais, incluindo os princípios da doutrina social da Igreja; na segunda trata dos diversos temas parcelares (ou sectoriais) da doutrina, como a família, o trabalho, etc.; e na terceira fala da acção eclesial. Sendo, obviamente, impossível tratar todos os assuntos do Manual – mas mantendo a preocupação acima expressa – a Comissão Executiva optou basicamente pelos temas da segunda parte. Assim, são tratados, após uma Introdução à Doutrina Social da Igreja, os temas da Família, do Trabalho, da Economia, do Ambiente, do Estado e da Europa. O êxito do Congresso não depende só da qualidade dos oradores e da eficácia da organização. Os seus resultados frutificarão em todos nós, que nele participamos, pela maior capacidade que depois, certamente, teremos de levar a mensagem de Cristo e da Igreja aos meios onde vivemos e trabalhamos. Por isso, o meu apelo final a todos os presentes é que vivamos de forma empenhada e activa estes três dias do Congresso! João Porto, Membro da Comissão Executiva. Palavras pronunciadas na abertura do Congresso

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