Um ministério para gerar esperança

D. Jorge Ortiga presidiu à ordenação de D. António Couto, novo Bispo Auxiliar de Braga O Pontifical Romano, na Ordenação dos Bispos, aconselha a que, neste momento, se fale do ministério do Bispo que o Directório (para o Ministério Pastoral dos Bispos) sintetiza afirmando que «entrar na sucessão apostólica» significa «entrar na luta pelo Evangelho» tornando o Bispo «homem de fé e discernimento» e, particularmente, «de esperança e de real empenho». Nesta perspectiva, começarei por referir que esta ordenação deve ser, para a Igreja em Portugal, uma maior consciencialização pela causa do Evangelho comprometendo-se num autêntico empenho que, nos tempos actuais, deve transparecer como sinal e semente de esperança. As leituras proclamadas, como sempre, apontam-nos este itinerário duma maneira clarividente e inequívoca. Para corresponder aos sinais dos tempos, teremos de ser testemunhas de esperança no nosso «ser» e «agir» quotidiano. O profeta Jeremias sugere-nos uma dupla maneira de encarar o mundo. Aquele tempo, num olhar analítico, realista e humano, mostrava uma época calamitosa repleta de rapinas, ruína e morte. Perante esse mundo, Iavé convida-o a situar-se noutra perspectiva, interpelando o sobre o que, na fé, estava a descortinar. Surge uma resposta espontânea e imediata que é programática para o D. António Couto e interpelativa para cada um de nós e para a Igreja em Portugal. «Vejo um ramo de amendoeira» (Jo, 1,11). Dois modos de ver o mesmo mundo e duas atitudes totalmente opostas; a destruição e o início de algo que importa ver com outros olhos. Que nos diz esta simbologia? A amendoeira começa a florir em pleno Inverno como que anunciando que este está prestes a ser ultrapassado. Daí que a grande lição a extrair seja que importa estar no presente da história com olhos de serenidade. O diagnóstico da sociedade portuguesa, para não nos situarmos numa escala mundial, não permite ingenuidades como alguém que caminha de olhos fechados teimando em não querer ver um mundo de desigualdades económicas, culturais e sociais que não garantem uma alimentação condigna, acesso à educação e cuidados de saúde; uma cultura de morte a atingir indivíduos, grupos e povos através dum terrorismo organizado e com atitudes racistas, violentas e provocadoras da eutanásia, do aborto, de insegurança; uma mentalidade de massificação e anonimato onde se cresce sem um relacionamento humano verdadeiramente fraterno, com experiências de solidão nos idosos e vazio existencial nos jovens que procuram outras experiências sem conteúdo. Quase que apetece procurar outro mundo e emigrar para o campo do sonho que nunca acontecerá. Não podemos olhar só para estes ambientes exógenos à Igreja. Dentro desta e para ela, o Espírito delineou, em Assembleia conciliar, um projecto de mistério, comunhão e corresponsabilidade. Em muitos ambientes, este projecto parece que já perdeu a actualidade e encanto. A Boa Notícia vai-se alheando dos mundos da política, economia, educação e saúde. A coerência e a fidelidade perdem-se e refugiamo-nos, de novo, em conservar em vez de ousar, com energia e arrojo, a única alternativa dos valores evangélicos. Estes e outros sinais inquietantes deveriam desafiar a Igreja a tornar-se profecia viva da esperança, acreditando que nestes contrastes é possível descortinar uma aurora desde que não caminhemos em adaptações fáceis mas ousemos apostar na exigência e coerência evangélica. A Igreja pode parecer que está debaixo da pressão de nuvens terríveis que a tempestade ameaça sempre. Urge que reconheçamos o arco-íris anunciador de tempos novos e que acreditamos que a «torcida que fumega», se não for calcada, provocará novos tempos. Nunca iguais aos do passado e que podem não coincidir com os nossos esquemas. A época da cristandade não voltará e é nesta época totalmente diferente que podemos recuperar o encanto e o entusiasmo do discípulo fiel. Sejamos, por isso, homens e mulheres da esperança. Para a Igreja, por outro lado, existe um mandato/expressão da vontade divina. Deus quer que todos os homens se salvem, por intermédio dum único mediador, Jesus Cristo, que iniciou este caminho de libertação «entregando-se à morte pela redenção de todos». (2.ª leitura) Se urge a esperança, ela não está só nas Palavras mas passa por esta capacidade de abnegação e entrega pessoal. Somos «arautos e apóstolos» e, como tal, teremos de mergulhar nas estruturas do mal que parecem considerar utópica a libertação cristã. Como Igreja teremos de ser resposta à noite da humanidade para com ela lhe anunciar Cristo Ressuscitado sabendo que, para isso, teremos de carregar, como o mesmo Cristo, as chagas, as trevas, as angústias do homem contemporâneo e fazer com que destas experiências negativas surja uma humanidade nova que brilhe com mais intensidade do que as trevas que sempre nos acompanharão. Somos imprescindíveis e necessitamos de acreditar na mensagem que anunciamos. Esta aventura de esperança – dentro e fora da Igreja – passa por uma opção capaz de, no exercício da liberdade, acolher Deus na Sua autenticidade. «Nenhum servo pode servir a dois senhores, porque, ou não gosta de um e estima o outro ou se dedicará a um e desprezará o outro» (Lc. 16,12. Não se trata de contrapor. Deus é o caminho e percorrendo-O estamos num compromisso real com a humanidade. Enviados para esta, levamos uma marca que não nos confunde mas dá originalidade. Tudo nos interessa como criação de Deus e a todos servimos como expressão dum Amor oferecido pelo mesmo Deus. Sim a esperança do mundo é Cristo e a Igreja terá futuro se for Seu sacramento. Atenuar compromissos ou mitigar convicções significa trair a fé e comprometer-se, quase sempre sem critérios, com a mentalidade corrente. A Igreja aperceber-se-á que um mundo novo pode nascer, quando não viver dum passado, fechando-se sobre si mesma e contemplando as maravilhas que já foram realizadas. Ela deve sair de si e ser missionária deste amor que fala pouco mas realiza muito e testemunha toda uma história de Salvação que a Palavra de Deus semeou e continua a desafiar-nos para prosseguir a sementeira. Somos missionários, enviados para dentro das nossas comunidades ou para fora, no mundo profano ou religioso, no país ou no estrangeiro. Para o cristão a globalização não é de agora; ela torna-o solidário e sabe que o mundo é o terreno onde semear o anúncio profícuo dum amor que intervém para que a Vida seja vida no encontro com a fé e com a dignidade humana. A esperança é universal e o seu horizonte são os confins do mundo onde a Boa Nova de Cristo deve continuar a chegar. A amendoeira floresce no Inverno. Deus poderá parecer que se refugiou no mundo do silêncio. Se estivermos, com ousadia e coragem, do Seu lado e do lado da Igreja continuaremos a luta pelo Evangelho que será sempre Boa Nova a edificar um mundo de igualdade, fraternidade e liberdade. A história da Igreja mostra que vale a pena oferecer-se para gerar esperança nas crianças, nos jovens, nas famílias, sempre, em todos e em qualquer lugar. Apoiados em Deus que se fez Palavra, vivendo e anunciando o amor, gritaremos que, apesar de tudo e – sobretudo – em tudo, a esperança floresce e desponta mesmo que a noite pareça impor os seus critérios. O arco-íris lançará os seus braços e abraçará a humanidade e Cristo será «tudo em todos» e a cada um dará o encanto e a serenidade de viver no meio de tantas intempéries e contrastes. Seguindo o conselho de S. Paulo a Timóteo: «façamos preces, orações, súplicas e acções de graças por todos os homens, pelos reis e por todas as autoridades para que possam levar uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade» (1 Tim.21) e continuemos a nossa celebração na certeza de que caminharemos com o D. António Couto através duma oração constante e duma unidade permanente para que a sua vida, no meio de diversos desafios e perplexidades seja «tranquila» e para que, rodeado por tantos conflitos e confrontos, tenha uma vida «pacífica». Deste modo será para a Igreja e para o mundo o anúncio duma Primavera que pode despontar, ajudando-nos, no emaralhado da vida, a descobrir Ramos de amendoeira a florir na Igreja e na Sociedade. Cucujães, 23-09-07 † D.Jorge Ortiga, A. P.

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