Um feminismo católico

As Nações Unidas celebram, desde 28 de Fevereiro até 11 de Março, o décimo aniversário da Conferência de Pequim sobre a mulher. Fazem-no mediante uma sessão especial, com o título “Pequim+10”. Recentemente, a versão inglesa de “L’Osservatore Romano” publicava alguns artigos explicando a posição da Igreja sobre a mulher. Na edição de 5 de Janeiro, Mary Ann Glendon, presidente da Academia Pontifícia para as Ciências Sociais e professora de Direito em Harvard, abordava o tema da discriminação feminina. Observava a articulista que, em 18 de Dezembro de 2004, se comemoraram 25 anos da “Convenção das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a Mulher” (CEDAW, nas siglas inglesas). Reflectindo sobre o acontecimento, Glendon reconhecia o contributo das Nações Unidas ao proclamar a dignidade e igualdade das mulheres, a começar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. No entanto, acrescentava que a aplicação do princípio da igualdade na so-ciedade e no direito levantou difíceis desafios. Glendon anotava que Eleanor Roosevelt, que presidiu à comissão que redigiu a declaração de 1948, defendia a igualdade de oportunidades para as mulheres. «Mas sustentava com igual firmeza que havia certas áreas, como o cuidado dos filhos e o serviço militar, onde deveria atender-se à diferença entre os sexos». Assim, Roosevelt afirmava, lado a lado com a doutrina católica, que o lar familiar é onde «homens e mulheres vivem como homens e mulheres e se complementam mutuamente». Glendon advertia que quando se redigiu o esquema da CEDAW predominava uma outra visão das mulheres. O documento estava marcado pelo feminismo e por atitudes negativas face aos homens, o matrimónio e a maternidade. Por isso, escrevia, «contém algumas questões problemáticas». Proibir o Dia da Mãe Entre os elementos negativos da convenção de 1979 há fragmentos que foram interpretados de modo a desencorajar a especial protecção às mães. Além disso, o texto favorece a promoção da igualdade de uma forma que cria graves tensões com outros direitos básicos, como a liberdade de expressão e de crença. O comité constituído para supervisionar o cumprimento da CEDAW seguiu esta mesma linha. Critica, por exemplo, os países que não proporcionam acesso livre ao aborto e condena que se celebre o Dia da Mãe… Entretanto, a maioria das mulheres abandonou este «feminismo antiquado», afirmava Glendon, no mencionado artigo. As mulheres, mesmo defendendo activamente a campanha pela igualdade, sentem-se agora alheias às atitudes anti-homens e anti-família em voga na primeira geração do feminismo. A doutrina católica tem muito que oferecer às mulheres que buscam um autêntico feminismo, sustentava Glendon. A encíclica de João Paulo II “Laborem exercens” afirma a importância da família e a necessidade de as mulheres progredirem nos seus locais de trabalho, sem terem que sacrificar o seu papel de mães. Noutros escritos, o Papa pediu uma mudança de atitudes da sociedade, para que as mulheres possam usar todos os seus talentos, também em casa. Isto não deveria ser surpresa para ninguém, acrescentava Glendon. Os Evangelhos revelam como Jesus rompe radicalmente com as tradições do seu tempo, confraternizando com as mulheres e confiando-lhes alguns dos seus ensinamentos. E o cristianismo, mediante a promoção da monogamia e da indissolubilidade do matrimónio, «fez provavelmente mais que qualquer outra força na história para libertar as mulheres dos costumes que negavam a sua dignidade», escrevia. Feminismo católico O tema do papel dos homens e mulheres na sociedade foi objecto de um outro artigo de Janne Haaland Matlary, também em “L’Os-servatore Romano”. A professora do Departamento de Ciências Políticas da Universidade de Oslo teve como pano de fundo das suas reflexões a carta da Congregação para a Doutrina da Fé de 31 de Julho de 2004, sobre a “Colaboração de homens e mulheres na Igreja e no Mundo”. Aquela carta — dizia a professora norueguesa — mantém que a diferença entre os sexos ultrapassa o mero nível biológico, pois que abarca os níveis psicológicos e ontológicos. Desta forma, a antropologia católica evita o erro do reducionismo biológico, que limita as mulheres a um papel de criadoras de crianças. Também põe de lado o erro de adoptar uma visão baseada em factores sociais, que reduz as diferenças entre os sexos a uma «construção social». Matlary resumia o que ela considera o quadro de um “feminismo católico” contido no texto da congregação vaticana. A carta procura, sobretudo, pôr o foco na relação entre os sexos baseando-a na imitação de Cristo, mediante o dom de si mesmo e o serviço aos outros. O ideal do dar-se tem especial relevância para as mulheres, que através da maternidade geram e criam os filhos. Sobre o tema do trabalho e vida familiar, Mat-lary explicava que a carta dá maior prioridade à família. Por isso, não basta aprovar leis que assegurem a igualdade às mulheres no seu posto de trabalho. «Permite-se às mulheres que imitem os homens», observava Matlary. «Mas as mulheres não conseguiram políticas que tenham realmente em conta a maternidade e reflictam o facto de as mulheres, se são fiéis ao ideal cristão de serviço, trabalharem e exercitarem a sua liderança de uma forma diferente da dos homens». Mudar as atitudes A carta do Vaticano insiste na importância de mudar as atitudes para obter uma forma correcta de cooperação entre homens e mulheres. Matlary afirmava que as actuais atitudes se opõem muito frequentemente à vida familiar, tal como às mulheres que desejam dedicar-se aos seus lares. O feminismo concentrou-se numa visão individualista dos direitos, reduzindo radicalmente a importância da família como unidade. Neste individualismo baseado em direitos, a família e o papel da mulher nela desempenhado pela mulher não contam para nada, escreve Matlary. No seu lugar, o que se torna importante é que as mulheres tenham pelo menos 50% de todos os postos públicos da sociedade. A partir desta perspectiva, a vida familiar obstaculiza as mulheres que desenvolvem os seus talentos; e ter filhos é um peso… Esta atitude começou a mudar nalguns países, dando-se já maior ênfase no apoio às mulheres, para que possam conseguir o equilíbrio entre trabalho e família, observa Matlary. No entanto, acrescentava que, normal e erradamente, se dá maior prioridade à igualdade das mulheres no posto de trabalho que na família. A perspectiva católica oferece uma visão alternativa. Considera o trabalho como um serviço aos outros e não como uma forma de procurar poder. Na vida familiar, defende a complementa-ridade de homens e mulheres, o que significa dar suficiente valor ao papel da mulher-mãe junto dos filhos pequenos. E o Estado, em vez de assegurar apenas direitos individuais, tem a obrigação de apoiar a família e a maternidade, uma vez que a família é a pedra-base da sociedade. Um feminismo católico — continua Matlary — deve ter como princípio básico a convicção de que a família está em primeiro lugar na ordem da importância pessoal e social. Combinar isto com uma concepção do trabalho como um dar-se a si mesmo num serviço permitirá que se dê ao papel da mulher na família a importância que merece. Acrescentava que aceitar e viver estes princípios, e compreender que «este é o tipo de poder de que falou Nosso Senhor», é o desafio que enfrentam os católicos.

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