Um actor franciscano que privilegia o silêncio

O actor Ruy de Carvalho, que entra todos os dias em nossa casa, fala em nome próprio sobre a importância das férias na sua vida. Agência ECCLESIA – Qual a importância do silêncio para a sua vida pessoal e profissional? Ruy Carvalho – Quando tenho oportunidade, gosto muito de isolar-me e de pensar um bocadinho. Sabe-me sempre muito bem quando o faço porque refresca-me por dentro. AE – Onde passa esses momentos de silêncio? RC – Gosto imenso de ver o mar… de estar a olhar para o mar. Quando viajava de barco, normalmente ia na proa a olhar para o mar. Aquele azul repousa-me muito. Gosto muito de não ter limites de horizonte. AE – Prefere um mar revoltado ou calmo? RC – Quando vou ver o mar prefiro um sitio alto onde possa olhar para baixo. AE – Um promontório? RC – Gosto de anfiteatro. Ao contrário sufoca-me… AE – Influências do teatro? Da sua carreira de actor? RC – Talvez… Mas é mais uma ansiedade de repousar o espírito e de sentir-me livre. AE – Quando olha para o mar busca o futuro ou recorda o passado? RC – Lembro-me da paz… mesmo com temporal. O mar dá-me paz apesar de ele nunca estar quieto. AE – Sente-se pequeno perante aquela imensidão? RC – É a minha pequenez perante a grandeza da natureza, a criação de Deus. AE – Uma busca do transcendente? RC – Sim. Quando estou em paz de espírito é fácil entrar em contacto com o transcendente. Mesmo no meu jardim, quando olho para uma planta, vejo ali a presença de Deus. AE – Então bebeu a espiritualidade de S. Francisco de Assis? RC – Sou muito franciscano. Quando fiz a personagem de S. Francisco de Assis, no teatro, consegui entrar na sua espiritualidade. Este santo toca-me muito. Quando estive em Assis, em Itália, tinha a sensação que conhecia tudo, eram sítios familiares para mim. AE – Uma vivência da leitura e encarnação do personagem? RC – Sim. Tenho pena que os animais não ouçam os meus sermões. AE – De Santo António? Do Pe. António Vieira? RC – Não. O Pe. António Vieira era muito culto ao contrário da simplicidade S. Francisco. Ele até dizia que era Deus que o inspirava quando falava. Acho que acontece o mesmo comigo. Tudo isto porque peço a Deus para me ajudar. AE – Pede e oferece? RC – Ofereço as minhas capacidades e qualidades no trabalho. Defino-me muito como franciscano… AE – A figura de S. Francisco está muito presente no seu pensamento? RC – Até mesmo nos meus isolamentos… no meu olhar. AE – Podemos dizer que não era o actor que é hoje se a sua vida não tivesse estes momentos de ausência? RC – É verdade. Eu não gosto de viver na «montra». Gosto mais de procurar na loja… AE – Gosta de entrar na floresta e não nas bermas? RC – Exactamente… Esse é outro dos meus passatempos. AE – Costuma fazer caminhadas nas serras? RC – Se gosto… Mas infelizmente não tenho feito muitas. Antigamente, com a minha mulher, fazia esses percursos. AE – E parava junto às árvores? RC – Parava e falava com as plantas. Estes períodos são muito importantes para mim. Adoro que os meus olhos andem… AE – Esses momentos ganham uma importância extrema nas férias? RC – Fico totalmente rejuvenescido. AE – Apesar deste rejuvenescimento notório, o que falta fazer a uma pessoa com tantas décadas de palco? RC – Agora falta-me viver todos os dias até que Deus me chame. AE – Nostalgia? Saudosismo? RC – Fiz coisas que me satisfizeram muito… Algumas pessoas também gostaram de me ver interpretar. AE – Esse dom de interpretar foi dado por Deus? RC – Sem dúvida nenhuma. Eu falo com Deus todos os dias porque sou um homem de fé e de esperança. Para além deste aspecto, encaro o trabalho como um serviço ao nosso semelhante. AE – Será que podemos dizer que a sua vida tem dois momentos: o silêncio e o contacto? RC – Vou buscar forças ao silêncio para o contacto com as pessoas. Normalmente, estudo de noite porque estou mais sozinho, mais só comigo. Como sou muito distraído e gosto de olhar para as coisas, de noite estudo com mais facilidade. AE – Uma distracção silenciosa? RC – É um silêncio um bocado esquisito. Por exemplo a música facilita-me o silêncio, essencialmente a música clássica. AE – A música também o eleva ao transcendente? RC – Sim. Gosto imenso de Beethoven. Os românticos tocam-me muito… AE – Ainda é uma pessoa romântica? RC – Pelo menos vibro. O romantismo acompanha os homens até ao fim. AE – Silêncio, mar, serra, romantismo. Conceitos em estreita ligação com o actor ou o homem? RC – Com os dois. E ainda faltam os jardins e os parques. Gosto imenso de ver crianças em parques infantis. AE – Nessa altura sente-se criança com elas ou avô? RC – Criança e avô, em simultâneo. Nós temos sempre uma criança dentro de nós. AE – Quando passeia nesses parques e jardins leva algum livro debaixo do braço? RC – Costumo levar mais trabalho para decorar do que livros. AE – E na praia? Não leva livros? RC – Na praia não consigo ler. Gosto muito de caminhar nos areais, nunca estou quieto, raramente me sento. AE – Com um percurso tão longo não pensa escrever um livro de memórias? RC – Estão a escrever por mim. AE – Uma biografia «Franciscana»? RC – É a parte essencial da minha vida. Nunca abdiquei dos meus princípios cristãos. AE – Um cristão de Ressurreição ou de Paixão? RC – Sou um cristão da Ressurreição.

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top