Ucrânia: «Vemos, ouvimos e lemos. Não podemos ignorar» – padre Hugo Gonçalves (c/vídeo)

Paróquia do Campo Grande trouxe 50 cidadãos ucranianos e pensa em respostas para continuar ato de «coerência de fé», que é ajudar quem foge da guerra

Lisboa, 28 mar 2022 (Ecclesia) – A Paróquia do Campo Grande, em Lisboa, foi responsável por uma organização solidária que trouxe cidadãos ucranianos para Portugal, num gesto que o pároco entendeu ter sido “de coerência de fé” e que mostrou uma “mobilização” para lá das expectativas iniciais.

“Esta solidariedade deriva da coerência de fé. Quando uma comunidade parte em missão, aí se percebe a maturidade da vida, percebe-se o Evangelho a acontecer no concreto. (Esta organização) contou com uma mobilização conjunta, uma união mútua para a concretização deste projeto que não parou quando o autocarro chegou”, explicou à Agência ECCLESIA, o padre Hugo Gonçalves.

A viagem teve início no dia 11 de março e rumou a Varsóvia, num autocarro que levou bens que o centro de refugiados necessitava, acompanhados pelo pároco, dois motoristas, um voluntário e uma intérprete ucraniana, e trouxe, na viagem de regresso, 50 cidadãos ucranianos que tinham pessoas de contacto a residir em Portugal.

Após uma iniciativa de recolha solidária, a paróquia foi contactada por uma associação que integrava cidadãos ucranianos que procurava ajuda para trazer para Portugal alguns familiares, tendo os contactos mas carecendo de meios.

“Pensamos imediatamente que podia ser um caminho mas começamos a trabalhar para que não fosse mais uma iniciativa que vai para a Ucrânia com muitas carrinhas, e talvez potenciar a viagem com a ida de um autocarro, conduzido por profissionais, trazendo já um grupo de pessoas”, deu conta.

Numa angariação de fundos que neste momento permite o envio de um novo autocarro, e com uma “rápida mobilização”, estabeleceram as pessoas que iriam buscar e que tinham uma “solução de integração, ou seja, uma morada”.

“O trabalho e a escola são um segundo patamar, mas a prioridade era saber onde as pessoas seriam acolhidas em família e num local seguro”, facto que se concretizou.

Foto: Agência ECCLESIA/HM

A partida foi feita com expetativa, numa ligação entre ucranianos residentes em Portugal e portugueses a residir em Varsóvia, local onde o centro de refugiados se situava, que recolheu os bens essenciais, separados, encaixotados e catalogados em inglês para que “o voluntário que abrisse as caixas soubesse onde estavam os medicamentos ou as fraldas”, regista, em entrevista emitida hoje no Programa ECCLESIA (RTP2).

O padre Hugo Gonçalves reconhece a sua apreensão na ida, dando conta de relatos de “alguma confusão no momento de embarcar nos autocarros com pessoas que queriam à força entrar no autocarro”, mas, sublinha, nada disso aconteceu.

“O primeiro encontro, para mim que sou padre e gosto de pessoas, foi estranho porque não falo ucraniano. A maior parte das pessoas não fala inglês e essa foi a primeira barreira. O segundo impacto foi a tensão que encontrei nas pessoas que entravam no autocarro – imagino que talvez o medo da rejeição, à entrada no autocarro, as estivesse a marcar. E uma certa frieza das pessoas que relaciono com a ansiedade pois deviam questionar o que lhes ia acontecer: quem são estas pessoas que nos vão levar. A verdade é que, as pessoas, no limite, não nos conhecem”, constata.

Só quilómetros depois de o autocarro sair da Polónia, “se ouviu uma gargalhada de uma criança ou conversas no autocarro”, explica.

“Praticamente todas deixaram maridos e pais para trás. Muitas dessas histórias só as soubemos quando chegamos a Lisboa, porque as pessoas criam uma proteção e emocionam-se quando falam sobre isso. Estavam a tentar segurar-se e só fomos conhecendo as histórias depois”, conta.

A chegada do autocarro a Lisboa, à paróquia do Campo Grande, foi um momento esperado pela comunidade expetante.

“Antes de irmos para o centro de acolhimento preparado pela autarquia, quisemos parar na paróquia, não só para eles conhecerem a comunidade que tinha organizado a viagem e para um acolhimento mais caloroso. Foi preparado um kit de boas vindas, oferecido a quem chegava para iniciarem a sua vida num local diferente: um saco com roupas, calçado, brinquedos para as crianças, algum material escolar”, indica.

Foto: Agência ECCLESIA/HM

O padre Hugo Gonçalves diz que toda a comunidade se mobilizou numa ajuda que não terminou ainda.

“Recebo telefonemas a disponibilizar casas, a procurar emprego ou a dizer que têm empregos, dentro de uma ou outra área. Há a dificuldade da língua, porque muitas pessoas não falam sequer inglês. E muitas pessoas chegam com a expetativa de que a guerra vai durar um ou dois meses, para poder regressar para junto dos seus, e é necessário acompanhar para que encontrem soluções de estabilidade para si e para os seus”, regista.

Decorrente da angariação de fundos, a paróquia do Campo Grande prevê a ida de um segundo autocarro e o auxílio com “outras respostas e ajudas às pessoas que estão em Portugal e numa situação de dependência, mesmo que de forma transitória”.

“Já temos 50 pessoas pré-inscritas para vir. As listas mudam mas temos segurança de que há pessoas para resgatar e estamos disponíveis para isso”, acentua.

PR/LS

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