Fundação AIS organizou conferência com D. Visvaldas Kulbokas e o líder da Igreja Greco-Católica na Ucrânia que descreveram cenário atual do país
O núncio apostólico da Ucrânia afirmou que “a situação na linha da frente [no país] é pior que o purgatório”, numa conferência organizada pela Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), que assinalou os dois anos da invasão da Ucrânia pela Rússia.
“Há muitas pessoas a quem não temos qualquer possibilidade de chegar, nem sequer de dar comida ou água”, denunciou o arcebispo D. Visvaldas Kulbokas, que diz que “para as pessoas no estrangeiro é difícil imaginar o que se passa”.
A iniciativa da AIS, realizada via online, no dia 14 de fevereiro, foi também participada pelo líder da Igreja Greco-Católica na Ucrânia, D. Sviatoslav Shevchuk, e pela presidente executiva internacional da AIS, Regina Lynch.
A “Ucrânia está a viver a sua própria Via-Sacra”, afirmou a responsável.
Desde o início da guerra, a 24 de fevereiro de 2022, já morreram milhares de soldados e, adiantam algumas estimativas, mais de 10 mil civis; além disso, calcula-se que cerca de 10 milhões de pessoas foram forçadas a abandonar as suas casas, as aldeias e vilas onde viviam, adianta a AIS.
“O futuro da Ucrânia e da Igreja depende da forma como formos capazes de responder a esta necessidade de superar o trauma da guerra. Este trauma já afetou o coração da sociedade ucraniana: a família”, defende o arcebispo Sviatoslav Shevchuk.
O líder da Igreja Greco-Católica explica que hoje têm de lidar “com novos grupos de famílias, as famílias dos que foram mortos, as famílias dos que ficaram gravemente feridos, mas também as famílias dos que estão desaparecidos”.
“Segundo a Ucrânia, cerca de 20 mil crianças foram raptadas”, destaca o arcebispo, que acrescenta que há cerca de “35 mil pessoas desaparecidas em combate”.
“A vida destas famílias é uma tortura constante”, lamenta.
O núncio apostólico descreve o estado em que ficam os muitos que estiveram em cativeiro e que foram, entretanto, libertados.
“Quando falamos com as pessoas que regressam à Ucrânia, elas descrevem as condições horríveis em que foram mantidas, especialmente os militares. Alguns não conseguem sequer falar, de tão traumatizados que estão”, relata.
Atualmente, “a maioria das famílias vive separada”, explica D. Sviatoslav, “porque os homens estão no exército e as mulheres que têm filhos deixaram as suas cidades, ou mesmo o país”.
“Em 2023, tivemos 170 mil novas famílias, mas houve 120 mil divórcios. Estes são os números mais elevados de divórcios na história da Ucrânia independente. Ajudar estas pessoas é um grande desafio para a nossa Igreja. Muitas vezes, não se pode fazer nada, a não ser estar presente, chorar com eles, segurar a mão dessa mulher ou desse soldado que está a sofrer… Este é o maior desafio pastoral para mim e para a Igreja de hoje”, revela o arcebispo.
Sobre os desafios que se colocam à Igreja, D. Sviatoslav Shevchuk indica que nos territórios ocupados pelas tropas russas, a Igreja Católica Ucraniana [IGCU] foi obrigada a passar à clandestinidade.
“Não há mais padres católicos nessa parte da Ucrânia. Recebemos informações de que, em Donetsk, o nosso povo ia à igreja rezar todos os domingos, mesmo sem o padre, mas a igreja foi confiscada e as portas estão fechadas”, referiu.
“Nas zonas ocupadas da região de Zaporizhzhia, as autoridades russas emitiram um decreto especial que proíbe a existência da IGCU e confiscaram as nossas propriedades, pelo que as pessoas rezam em casa e, se puderem, seguem os nossos serviços litúrgicos online”, disse ainda.
O apoio da Igreja torna-se ainda mais necessário à medida que as dificuldades das populações crescem e, de acordo com o arcebispo Sviatoslav, durante o ano passado conseguiram “resistir à maior crise humanitária desde a 2ªguerra mundial”, no enanto o cenário agora não é animador.
“A primeira euforia da assistência humanitária à Ucrânia está a diminuir, pelo que temos de desenvolver a nossa própria logística para ajudar os necessitados”, alerta.
A Fundação Ajuda à Igreja que Sofre tem neste momento uma campanha global em favor da Igreja e do povo ucraniano e que, nesta Quaresma, vai mobilizar todos os 23 secretariados da instituição, incluindo Portugal.
A presidente executiva internacional da AIS assegura que a ajuda é para continuar, depois de nos últimos dois anos a Ucrânia ter sido o país que mais beneficiou da Fundação Pontifícia a nível internacional. “Com tantos conflitos e agitação em todo o mundo, corremos o risco real de a Ucrânia ser esquecida, à medida que a atenção mundial se desloca para a próxima crise”, porém “na AIS, estamos determinados a que isso não aconteça, e esta é uma das razões pelas quais estamos a promover a Campanha da Quaresma deste ano para chamar a atenção para a situação na Ucrânia”, garantiu Regina Lynch. |
LJ/OC