Instituição católica prossegue ajuda humanitária em locais difíceis e prepara ajuda «psicológica» para traumas de guerra, porque «não basta as pessoas estarem num lugar seguro»
Kiev, 03 mai 2022 (Ecclesia) – O padre Vyacheslav Grynevych, diretor da Caritas-Spes, na Ucrânia, disse hoje ter poucas expetativas sobre um eventual encontro entre o Papa Francisco e Vladimir Putin, considerando que a guerra só terminará “com mais sanções ou mais armas”.
“Na minha opinião, as sanções têm consequências para as pessoas simples na Rússia e as armas matam. Se houvesse sanções que mudassem a cabeça de Vladimir Putin seria melhor do que as armas porque nós queremos proteger as pessoas. É muito difícil perceber como fazer. Há muitas perguntas e poucas respostas”, referiu o sacerdote católico à Agência ECCLESIA.
Sobre um eventual encontro do Papa Francisco, que manifestou hoje a disponibilidade para ir a Moscovo, o diretor da Caritas-Spes alerta para diferentes entendimentos: “Da parte do Vaticano é um sinal de paz para resolver a guerra, mas estou preocupado que a Rússia use isso como um sinal de apoio à guerra. A ideia do encontro pode ser mal entendida”.
O padre Vyacheslav Grynevych acredita que um caminho para alcançar a paz poderia ser aberto junto do patriarca da Igreja Ortodoxa da Rússia, Cirilo.
A Igreja ortodoxa é muito poderosa na Rússia, eles podem mudar isto. Penso que encontros com o patriarca Cirilo podem tornar-nos mais próximos da paz, e talvez possam resolver problemas com a Igreja Ortodoxa. Fazer esforços para que Cirilo mude de ideias, não sei como, mas acredito no instrumento da oração, para tentar que ele mude a opinião”.
O responsável dá conta de um sentimento geral de expetativa em torno do próximo 9 de maio, dia da vitória soviética que marca a capitulação da Alemanha nazi na II Guerra Mundial (1939-1945).
“Putin vai querer mostrar uma vitória nesta guerra e estamos preocupados sobre o que ele vai mostrar à sociedade russa. Sei, entre colegas, que estamos apenas à espera do que vai acontecer”, lamenta.
Desde que o conflito começou, a 24 de fevereiro, a Caritas-Spes não tem cessado de trabalhar, quer na entrega de bens humanitários para quem permanece nas aldeias, como abrigando a população nos 37 abrigos que dispõe em diferentes territórios ucranianos.
“De uma forma geral, podemos dizer que há diferentes níveis da guerra: em alguns locais, ocupados, é muito difícil continuar a trabalhar ai. Mas continuamos. Penso nos trabalhadores da Caritas nesses locais e oferecemos possibilidades de evacuação e apoio, mas eles não querem e optam por continuar a trabalhar e permanecer, apesar de a sua família também ser bombardeada”, indica o entrevistado.
O padre Vyacheslav dá conta que, na Crimeia, a Rússia ofereceu um corredor de evacuação, mas que não era seguro: “Tentamos preparar um plano B, haverá situações muito graves e pensamos numa evacuação, mas as pessoas querem continuar. É muito difícil”.
O responsável dá conta ainda de outra situação que acompanha, consequência das visitas que faz pelas regiões de forma a adequar o trabalho da instituição de ação social às necessidades, e regista, por exemplo em Kiev, o aumento de trânsito, fruto do regresso das pessoas.
No centro da Ucrânia, que foi desocupada, ai vemos outras consequências da guerra: aldeias que foram bombardeadas, pessoas muito pobres e que com a guerra ficaram pior. Estão muito necessitadas. Estamos a organizar ajuda humanitária para eles, estamos a pensar em apoio psicológico para as famílias e para as mães com crianças. Nas visitas que faço percebo como a guerra os está a marcar: estão com sintomas pós traumáticos e não se trata apenas de uma mãe ou de uma família, mas está a acontecer de forma generalizada. Ai percebemos que precisamos continuar a acompanhar as pessoas porque o seu bem-estar não se limita a um lugar seguro”.
O diretor da Caritas-Spes dá conta do apoio que continuam a receber das organizações irmãs mas adianta que nunca sabem o que vai acontecer no momento seguinte.
“Num momento aguardas com esperança – esperávamos que a guerra terminasse mais rápido, porque diziam que a Europa ia resolver a situação, mas noutra altura não tens esperança. Continuamos a nossa vocação e o nosso serviço ao povo, caso contrário é difícil. Já vi as obras de Deus durante a guerra, e acreditamos que somos instrumentos de Deus na guerra, e isso dá-te poder”, explica.
Procurando manter a esperança numa resolução pacífica, o padre Vyacheslav Grynevych carrega, tal como muitos cidadãos ucranianos, o peso da história que, indica, é fruto de um regime, não apenas de uma pessoa.
“Os ucranianos conhecem o sistema e Vladimir Putin não trabalha sozinho: ele está no contexto do regime da União Soviética. Ele continua essa política que vem já de trás. Na minha família e em famílias de amigos, todos têm histórias de vítimas desse regime. O meu avô paterno foi morto porque era polaco, o meu avô materno esteve na Sibéria e veio com traumas e há muitas histórias similares entre amigos. Putin quer continuar o regime político e a responsabilidade é do regime, não apenas dele”, conta.
LS
Rússia/Ucrânia: Papa mostra-se disponível para encontro com Putin em Moscovo