O turismo religioso situa-se perante duas fontes. Por um lado, emerge numa tendência de homogeneização com a dinâmica estrutural de todo o turismo; por outro, acrescenta-lhe algo de peculiar e específico que lhe dá um carácter híbrido. Para o compreender nas oportunidades e nos desafios que encerra deve equacionar sempre estas duas vertentes. Acresce, ainda, que numa conjuntura cultural e religiosa que se deixa determinar por coordenadas relativistas, subjectivistas, o fenómeno religioso pode ocultar-se passando para um segundo plano ou desconceitualizando-o. Só uma articulação permite um enquadramento adequado para responder aos objectivos. Tudo nasce das finalidades que presidem à sua concretização e a novidade que este movimento encerra supõe e exige que se sublinhe uma mentalidade correcta através dum verdadeiro projecto que nunca deve ser desvirtuado. O turismo religioso, sendo acontecimento histórico, tem de situar-se no presente num dinamismo de rápida evolução, complexidade profunda e correndo o risco duma fragmentação que o desclassifica. Ele é acontecimento social de movimentação e encontro de culturas mas não se pode resumir a esta caracterização. Para muitos pode encerrar o dinamismo das Peregrinações mas está para além dos tradicionais elementos que as compõem. Diferencia-se e integra-se num turismo cultural. Daí que importa descobrir, compreender e qualificar a sua originalidade. A complexidade desta realidade nova pode partir duma necessidade de mergulhar nas raízes do nosso passado como fonte duma cultura peculiar. O turista, vendo as obras artísticas, históricas, monumentais, apercebe-se duma carga de sentimentos e emoções que mostram os conteúdos duma vida passada que continua a estar muito presente. Perante estes tesouros, com muita naturalidade, reconhecem como corremos o risco de cair numa ignorância da história, no descrédito da memória. Quando acontece esta aventura de entrar no passado, mesmo em tempo de secularização e perante meros desejos de curiosidade, o turismo religioso permite uma aliança com a cultura, a cultura com o religioso, o religioso com o mercado e todo o conjunto com uma imperceptível necessidade interior de algo que estando latente tem de ser despertado. A dimensão económica ou comercial, sem ser desconsiderada, perde a sua importância e coloca-se, através dos investimentos promocionais que os programadores públicos ou privados oferecem, como uma oportunidade onde as expectativas do interior e os anseios do coração se conjugam com as potencialidades turísticas que os espaços marcados pelo sagrado evidenciam. Esta realidade exige, à partida, algo de muito concreto que apelidarei de unidade de produto. Com efeito um “produto” desorganizado ou deficiente onde falta alguma destas dimensões nunca permitirá uma plena satisfação por parte dos promotores e daqueles que usem de algo que se deve oferecer na sua autêntica integridade. Esta “unidade” de produto deve acontecer no âmbito das virtudes humanas da hospitalidade e do acolhimento, como contexto e condimento que responsabiliza quem oferece e sacia quem experimenta estas ofertas. Aqui reside a qualidade diferente do turismo religioso que abre uma perspectiva de inter-actividade e de enriquecimento na reciprocidade. Não se pretende colher vantagens de quem aposta numa experiência de turismo religioso mas integram-se as culturas locais com os problemas e alegrias vividas no quotidiano. Acolhendo e vivendo a hospitalidade teremos pretexto para, no respeito pela diversidade e tolerância, abordar o que motivou a realização dos espaços sagrados, dos cuidados com o ambiente e da arte dispersa. Torna-se espontâneo falar duma fé que é história mas que continua viva no presente das nossas comunidades. Sentimos alegria e manifestamo-lo na qualidade dos nossos serviços e queremos que nos procurem, dando o que de mais íntimo e profundo preenche as nossas existências. Ter muita gente é importante, mostrar com qualidade o que nos foi legado é obrigatório. Só que não basta. Importa que a simplicidade dum encontro não oculte uma fé que professamos e vivemos. Esta proposta resulta duma aposta num discurso, também aqui, unitário, ou seja, cultural e espiritual uma vez que os lugares visitados estão impregnados duma devoção e duma piedade popular que os distingue, para além das qualidades artísticas, por uma harmonia entre a espiritualidade e natureza, santuários e ambiente. Há aqui uma harmonia que deve ser recuperada, promovida, cultivada que os residentes nunca esquecem e que os visitadores merecem que se lhes proporcione. Isto supõe organização e programação inteligente onde ao lado de novas formas de marketing se disponibiliza novas oportunidades de experiência vital em contacto com os antigos caminhos de fé e espaços de tradição. Não é fácil este trabalho. Quem descobre o verdadeiro significado do Turismo religioso tem de o dotar dum acompanhamento permanente com materiais adequados e com guias bem preparados e sempre alegres e felizes por doarem a simples turistas ou peregrinos o outro lado da vida. Aqui uma rede, de âmbito nacional ou internacional, poderá coordenar ou ajudar para mostrar o valor dum dom que oferecemos a que atribuímos idêntica importância àquela das vantagens económicas. Nesta rede os promotores e guias encontram iniciativas, ideias, sugestões que permitem aquela qualidade cultural e religiosa que os tempos actuais exigem e onde não podemos esquecer a caracterização histórica-artística, a verdadeira identidade dos monumentos e a riqueza humana do povo. Aqui conseguimos colocar tudo num plano de importância igual: dar a conhecer o monumento, o ambiente, o silêncio contemplativo, a hospitalidade, uma boa cozinha, a competência das pessoas que servem, a organização até ao mínimo pormenor. Aproximando-me da conclusão, acrescentarei, ainda, que o turismo religioso deve ter uma medida: colocar-se ao serviço do homem. Não sou especialista e quero servir-me de conceitos desenvolvidos por especialistas (Carlo Mazza, Turismo Religioso, um approcio storico-culturale, EDB, Bolonha, 2007). Turismo religioso como “proposta inteligente” Se não podemos ignorar o lugar duma devoção popular, duma apresentação dos monumentos e envolventes, deveríamos ser capazes duma proposta com profundidade e coerência da realidade celebrada naquele local. Deve existir sempre um respeito mútuo pelas crenças e teremos de promover uma verdadeira liberdade religiosa. Isto nunca nos dispensa de dar a conhecer aquilo em que acreditamos. Também aqui a qualidade se impõe. Não satisfazem superficialidades ou descrições sintéticos ou anocráticos de quanto se vive. Só a profundidade duma doutrina em comunidade respeita a opinião dos outros – que poderão colocar as verdades comunidades na linha duma mera cultura – e permite um acto de proposta que poderá obrigar a pensar e – quem sabe – a mudar. Só a inteligência motiva e responsabiliza. Coordenação criteriosa A complexidade do Turismo Religioso não se compadece com dinâmicas de improviso. Só um verdadeiro centro, dinâmico e presente, consegue pensar em todos os pormenores procurando consolidar estratégias e aproveitar sinergias. Há interesses comuns que solicitam uma racionalização dos meios. Já referi que não basta uma mera programação. Com efeito, a especificidade cultural e religiosa exige dos operadores uma acção eficaz o que só se consegue com um trabalho de conjunto. Uma aproximação concreta da comunidade A dimensão viva deste tipo de turismo, como já o referi, só acontece numa inter-acção com a comunidade civil, particularmente, religiosa. Só deste modo se consegue comprometer os residentes e trabalhadores nos espaços turísticos numa atitude de hospitalidade que comunica uma vivência de fé. Como comunidade em caminho terá um Programa Pastoral a recordar através de variadas metodologias. A Igreja ou espaço que acolhe recebe muito de quem a visita e deve corresponsabilizar-se numa oferta do seu projecto. Será, por isso, ousadia supor ou esperar que as “entidades” responsáveis pelos Santuários ou Paróquias se preocupem em dar, também neste aspecto, qualidade nas celebrações no acolhimento que poderá exigir material a oferecer em diversas línguas e na doutrina ou saudação que “marque” quem nos procura? São algumas ideias. São muitas as oportunidades do Turismo Religioso. Se o económico deve ser equacionado, não é suficiente. Só a resposta a variados desafios tornará o Turismo Religioso uma vantagem para a Igreja e para a sociedade. A mais valia deve residir na proposta dum tesouro religioso que não só testemunha o passado como herança, mas torna vivo e apelativo o testemunho que damos mostrando, sem equívocos, a fé católica que emana duma cultura que é beleza porque sinal de Deus. D. Jorge Ortiga