“Tu és o que sabes?”

Padre Manuel Ribeiro, Diocese de Bragança-Miranda

Pergunta difícil! “Tu és o que sabes?” foi uma interpelação que pude escutar recentemente a um teólogo num vídeo online. Esta questão é de todo importante. Diria mesmo, essencial. Desde logo porque interpela-nos a perceber se a minha essência e a minha identidade se reflecte e se identifica no que real e verdadeiramente sei e conheço.

Na verdade, eu sei bem mais do que realmente sou. Isto é mau…! E é mau porque sei que tenho de ser aquilo ou aqueloutro e, efectivamente, não sou. Há uma “décalage”, uma diferença enorme entre o que sei e o que sou. É, pois, para mim, e talvez para alguns de nós, simultaneamente, um problema e um desafio. É algo que devo e que tenho de resolver. Cabe- me igualar ambas as realidades numa única e mesma realidade, isto é, o que sou e o que sei.

Vejamos este exemplo: sei que tenho de ser bom, amigo e generoso com todos, “ser santo como Deus é santo”. Porém, teimosamente, não o sou. Sei e sabemos mais do que somos! Isto dói! Dói porque sei e sabemos que tenho e temos de unir a sabedoria à nossa essência, torná-la numa identidade unitária e unitiva.

Posso correr o risco de viver o tempo que me é dado viver sem nunca me aperceber da discrepância entre o sou e o que sei. Confesso que esta mesma pergunta – “tu és o que sabes?”

– me tem feito tão bem, uma vez que me inquire intimamente, me faz perguntar se serei ou não uma fraude, se terei ou não seguido de perto o caminho de Jesus, se sou ou não o que sei e o que devo e/ou estou destinado a ser.

Julgo que se trata de um processo duro e gradual para uma reconfiguração que se deseja e se exige. Só com humildade, com perseverança, com disciplina, com sofrimento e com a graça de Deus poderemos ser o que sabemos, e vice-versa. Não podemos escamotear uma realidade: o sofrimento. “O prémio do amor – como belamente afirma o Padre Paulo Ricardo – é o sofrimento”. Permitam que explique da seguinte maneira: pense na pessoa em que tenha a certeza que o amou incondicionalmente. Talvez a sua resposta seja a sua mãe (ou outra pessoa que lhe seja importante). Mas garanto-lhe que essa pessoa sofreu muito por si. Quem muito sofre por nós, muito nos ama. Assim se compreende o que afirmei acima: o prémio do amor é o sofrimento. Vejamos, em analogia, o caso de Jesus Cristo. Deus, na sua magnificência e omnipotência, por amor inefável e inenarrável ao ser humano quis encarnar a nossa natureza humana, fazer-se um connosco para que, com Ele e n’Ele, pudéssemos ser redimidos e santificados. O seu amor é tão grande que se deixou sofrer às nossas mãos da forma mais vilipendiosa e violenta. Mas, a pergunta coloca-se-nos de imediato: qual a razão? Porquê? Ora, porque muito nos ama, muito sofre por nós. Repito: o preço do amor é o sofrimento. Não quero fazer apologia ao sofrimento por si. Antes, recordar que o acto mais profundo de amor implica, inevitavelmente, o acto de sofrer.

E num tempo marcado por uma nova ‘grande’ ameaça que não vem de fora, mas de dentro, que não “vem das armas, vem do irrealismo e do simplismo das ideias que alguns nos querem autocraticamente impor. E vem também da apatia dos que já não defendem nada nem ninguém e da desistência e da falta de comparência dos muitos que, discordando e dissidindo, se calam, se rendem, se conformam” (Jaime Nogueira Pinto, IN. Observador 15.10.2021).

É, pois, chegada a hora de concretizar o desejo profético do grande poeta na busca por uma existência plena: “Sê todo em cada coisa. Põe quanto és no mínimo que fazes. Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive” (Fernando Pessoa, com o seu heterónimo Ricardo Reis, em “Odes”).

Manuel Ribeiro, Padre

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