Tráfico humano: Ajudar os outros é «uma forma de protesto» para «não calar o mal que acontece» – Helena Pina-Vaz

História de Nadege Ilick, jovem dos Camarões, vai ajudar a refletir sobre realidade do tráfico humano na XVII edição do Presépio ao vivo de Priscos

Foto: Agência ECCLESIA/LS

Braga, 09 dez 2023 (Ecclesia) – Helena Pina-Vaz acolheu, em Portugal, Nadege Ilick, jovem dos Camarões que foi vítima de tráfico humano, e explica que a ajuda que presta é uma forma de “protesto pelo que acontece de mal aos outros”.

“O que é que eu posso fazer melhor do meu tempo? É muito indigno que nós estejamos a ver isto acontecendo. E isto acontece à mão dos seres humanos. E nós não podemos permitir isto. Eu não faço só para ajudar. Faço as coisas como protesto pelo mal que eu vejo acontecer, que não pode ser”, conta à Agência ECCLESIA.

Helena Pina-Vaz, que trabalha numa instituição de ensino em Braga, conta que foi contatada pela Plataforma de Apoio aos Refugiados em 2019, questionando se podia acolher uma família com um bebé de seis meses: “Tinham acabado de ser resgatados de um barco, na iminência de um afogamento, porque estavam a ser perseguidos pelos barcos líbios, que os tentavam abalroar”, recorda.

Quatro anos depois Nadege Ilick está a residir em Braga, tem emprego e conseguiu que os seus três filhos, que tinham ficado nos Camarões, viessem para Portugal – “A filha mais velha já não ia à escola e estava escondida porque, à semelhança da mãe, seria dada em casamento”, explica.

“Muitas pessoas criticam e dizem que a Nadege deve estar com uma casa de Segurança Social, deve estar com subsídios. Não. Ela trabalha desde que chegou cá, ela tem a sua própria casa que ela paga, está agora a contribuir para a construção da sua própria casa – trabalha sábados, feriados, na própria obra da casa, para que a mão-de-obra seja um custo menor. É, portanto, uma pessoa que vive com toda a dignidade, que paga os seus impostos, que contribui para a sociedade, e que está aqui a educar os seus filhos, e que trouxe mais quatro crianças, que é outra riqueza que ela trouxe ao nosso país”, indica.

Helena lamenta que situações como a de Nadege Ilick aconteçam diariamente e nada se faça e dá conta que, já estando em Portugal, muitas vítimas ficam ainda presas a histórias no seu país de origem, com dívidas para pagar as viagens clandestinas sob ameaças a familiares que ficaram para trás.

“Isto acontece todos os dias. E não podemos permitir. Esta realidade do tráfico de pessoas humanas tem de ser trazida de cima, não é? Esta realidade do tráfico. Se não deixarmos estes testemunhos serem partilhados, isto passa, amanhã é outro assunto e nós já esquecemos”, lamenta.

Em Portugal há pouco mais de quatro anos, Nadege Ilick, natural dos Camarões, que este ano é o rosto do tema desta edição do presépio vivo de Priscos, dedicado às vítimas de tráfego humano, recorda que teve a sua primeira filha aos 12 anos.

Dada em casamento, o seu primeiro marido morreu, tendo sido passada para o seu irmão; quando este faleceu, a família queria que Nadege fosse dada a outro familiar, mas a jovem recusou e fugiu para poder ser livre.

No trajeto de fuga, que passou pela Argélia, Líbia e Lampedusa, em Itália, antes de chegar a Portugal, a jovem esteve cativa, enganada e mantida numa casa de prostituição; teve um filho no chão de uma prisão, e atravessou o Mediterrâneo num barco de borracha lotado com o filho, na altura com seis meses, nos braços, prestes a ser abalroado e com água acima das suas cabeças.

“Disseram-me que Portugal é um país pequeno, que é muito acolhedor, mas que o problema era o salário, porque não é muito alto. Eu não olhei para o salário, o dinheiro, disse: se estiver em paz, lá, prefiro ir para lá. Se forem acolhedores, prefiro ir para onde as pessoas me vejam como sou, em vez de ganhar mais dinheiro”, conta.

Na sua vida de 29 anos, Nadege foi recuperando a sua autoestima – “No meu próprio país, onde fui violada pelo meu marido e pelos irmãos do meu marido, já não tinha confiança em mim própria. Achava-me um farrapo” – mas na Europa, encontrou “mulheres com direitos”.

“Na Europa, senti que, finalmente, podia sentir-me igual aos outros e dizer que não, se quisesse. É isso que estou a fazer agora. Agora posso ficar durante muito tempo sem ter nada a ver com um homem. Não me sinto obrigada a fazê-lo. Isso significa que estou a recuperar a minha dignidade de mulher”, explica.

LS

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Agência ECCLESIA

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