Tradições natalícias

P. José da Cunha Duarte, CSSp

AFIRMAÇÃO DO NATAL. A Páscoa é a festa das festas do cristão. Através dos Padres da Igreja podemos ver como nasceu e cresceu nas comunidades cristãs a festa natalícia. Até ao século IV, o Natal de Jesus não teve grande relevância nas comunidades cristãs. Apesar disso, até ao século VII, os Padres da Igreja legaram-nos textos apologéticos onde se defende a Encarnação no seio virginal de Maria. A partir de então, a pouco e pouco, a festa do Natal surge estruturada com um tempo de preparação – o Advento. Incorporava a celebração do Nascimento, Epifania, Batismo de Cristo no Rio Jordão e as Bodas de Caná.

 

TRADIÇÃO APÓCRIFA. Para se compreender melhor as das tradições natalícias é preciso parar e ler com atenção os evangelhos apócrifos e outros escritos, onde os pregadores medievais foram beber. São livros que estão fora do cânon ou regra da Igreja. Não são autênticos. É a “vox populi”. Estes textos procuram completar (ampliar) as lacunas dos Evangelhos. Satisfazem a curiosidade do povo. Surgem como um conto: «era uma vez…», onde está presente o maravilhoso e a lenda. A distinção entre Evangelho canónico e apócrifo foi estabelecida pelo papa Gelásio I (séc.V). Muitas tradições populares contemporâneas têm por base estes textos apócrifos.

 

REIS MAGOS. Não sabemos a sua origem e os seus nomes. O Evangelho de São Mateus trata-os com deferência e limita-se a dizer que «no tempo do rei Herodes chegaram a Jerusalém uns Magos vindos do Oriente» (Mt 2, 1). Os Padres da Igreja, seguindo a tradição popular ou apócrifa, uns afirmam que são oriundos da Pérsia (S. Basílio), outros da Arábia (Tertuliano), aqueloutros oriundos da Europa, África e Ásia. Afirmam também que eram sacerdotes, astrólogos, adivinhos, mágicos, feiticeiros, reis ou príncipes. Tertuliano (séc. III) e outros Padres da Igreja afirmam que os Magos eram reis. O contexto apresenta-os como oriundos da Caldeia, porém, as ofertas faz-nos pensar que são da Arábia.

A presença dos Magos é a resposta dos povos pagãos à revelação do Evangelho. Santo Ireneu (século II) explica os presentes: como mortal, a mirra; como rei, o ouro; como Deus, o incenso. Os Magos eram irmãos: Melchior reinava sobre os persas, Baltasar sobre os índios e Gaspar sobre os árabes. Beda diz-nos que Melchior era o mais velho, Gaspar, um jovem e Baltasar é negro. Os Magos entraram na gruta, um de cada vez, prostraram-se por terra e adoraram Jesus. Cada um «beijou os pés» do Menino. Todas estas ‘novidades’ são apócrifas e divulgaram-se pela Idade Média.

 

SÃO JOSÉ. Os Evangelhos pouco nos falam do jovem José. A tradição apócrifa, para defender a virgindade de Maria, descreve-o como um homem honestíssimo, carpinteiro, ancião de barbas que fazia arados e jugos. São Justino divulgou a mesma ideia nos seus escritos. José levou para dentro da gruta um boi e um jumentinho que tinha trazido. Foi procurar lume e alimento e, quando voltou, já tinha nascido o Menino e na gruta havia uma nuvem luminosa. Ajoelhou e adorou o Menino. Foi ele quem recebeu os Magos.

 

ANIMAIS. Maria envolveu o Menino em panos e deitou-O numa manjedoura, diz-nos o Evangelho (Mat 2, 7). Mais nada. O imaginário popular legou-nos uma mão cheia de tradições apócrifas. A manjedoura recorda-nos os animais que ali se alimentam. Mas no Evangelho não se fala de animais. Os nossos “eruditos” jornalistas ficaram escandalizados e aproveitaram a ocasião para atacar o Papa revelando uma grande ignorância. Difundiram a “novidade” do presépio de Bento XVI que não tem burro. A campanha contra o Papa e contra a Igreja está patente. O profeta Isaías predisse que «o boi conhece o seu dono, e o jumento o estábulo do seu senhor mas Israel, meu povo, nada entende (Is 1, 3). Orígenes diz-nos que simbolizam o povo judeu e o povo pagão. S. Jerónimo Também afirma que na gruta estava o boi e o burro. A partir do século IV, a tradição popular apresenta a manjedoura ladeada pelos animais. Quando, Jesus nasceu os animais ajoelharam-se. Os animais e outras figuras surgem no presépio para satisfazer a avidez do povo carente de novidades.

 

ANJOS. A tradição popular afirma que foram eles quem guiaram os pastores até à gruta. No dia do nascimento de Jesus, um anjo apareceu em forma de estrela, aos governantes da Pérsia. Eles enviaram os seus filhos ao encontro de Jesus e levaram consigo três libras de ouro, incenso e mirra. Vinham vestidos como reis. O anjo com uma estrela na mão ou o anjo em forma de estrela aparece, frequentemente, nos autos e cantares natalícios. No século V surgem com asas.

 

PRESÉPIO. São Francisco de Assis (séc. XII) pediu licença ao Papa para fazer a representação teatral da cena do nascimento de Jesus (ludi theatrales). Como era costume, as figuras do presépio eram representadas pelos próprios frades. O Menino estava nas palhinhas junto dos animais. É possível que se tenham declamado um texto bíblico da natividade. No século XVI, os conventos começaram a fazer o Menino Jesus em cera e surgiram os primeiros presépios armados. Até ao século XVIII, o presépio tradicional era armado num altar, nas catedrais e algumas igrejas. O Menino estava de pé no seu trono, pois Ele é o Senhor e Rei do Universo. Lentamente o povo começa a armar este presépio em suas casas. O bispo Bérulle, fundador dos Padres do Oratório, mandou colocar laranjas e trigo germinado (searinhas) junto do Menino, para que abençoe as árvores de fruto e as searas que eram a fonte de riqueza do povo.

Após a Revolução Francesa, surgiu o presépio provençal, por oposição ao tradicional. O Menino já não é um Rei no trono, mas deitado nas palhinhas recordando o “Polverello” de Assis. Mais tarde este presépio é popularizado, recebendo muitas figuras do povo.

 

MISSA DO GALO.

Outrora, as festas mais importantes tinham uma vigília e celebravam-se três missas. Era dia de jejum. Desde o pôr do sol, o povo ia para a igreja rezar, cantar e escutar a Palavra de Deus, preparando-se para a festa. A ´missa da vigília´ era à meia-noite. Depois seguiam-se os “mistérios” ou “jogos”, isto é, a representação de peças teatrais, para catequizar o povo e divertir. Antes de nascer o sol, havia a ´missa do Galo´ e, ao meio da manhã, a missa da aurora. Quando as vigílias foram proibidas, o povo continuou a dizer ´missa do galo´ à missa do nascer do dia, porque era a primeira missa.

 

CEPO DO NATAL. Outrora guardava-se um grande tronco de uma árvore de fruto para arder na quadra natalícia. Ficava aceso dia e noite. Era de uma árvore de fruta para que Jesus abençoasse os frutos. O pai de família fazia uma oração, benzia-o com vinho e acendia-se. Aquecia e iluminava a casa. Nos adros das igrejas faziam-se grandes fogueiras para iluminar o espaço e aquecer as pessoas que vinham à festa e missa da vigília.

 

BODO. É secular a tradição dar aos pobres um bodo, nas principais festas do ano. No fim da procissão ou festa corriam-se touros. A carne destes animais era distribuída pelos pobres. O clero e outras pessoas ricas davam um “bodo” aos pobres. Roupas e alimentos. As igrejas colocavam uma árvore na sacristia ou noutro lugar e toda a gente vinha trazer alimentos e roupas que dependurava na árvore. Hoje ainda se diz «oferecer um ramo» quando há uma dádiva numa festa. Em tempos passados, só as crianças tinham prendas no Natal. Hoje a partilha é generalizada. Os pastores e os Reis Magos fizeram ofertas, o povo cristão também assinala o Natal trocando prendas em sinal de amizade e amor.

 

PASTORES. A tradição popular diz-nos que, depois do anúncio dos anjos, os pastores tomaram os mantos, cada um levou o seu cordeiro aos ombros, queijo e lã. Os anjos conduziram-nos até à gruta. Como faziam muito barulho, José saiu da gruta e pediu silêncio, pois lá dentro estava o Salvador. Entrou um de cada vez, ajoelharam e colocaram as ofertas junto da manjedoura. O Menino dormia nas palhinhas.

 

(in Natal no Algarve: Raízes Medievais)

P. José da Cunha Duarte, CSSp

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