Trabalho como realização humana

D. José Policarpo na abertura das Semanas Sociais em Braga 1. É-me grato poder tomar a palavra, ainda que brevemente, na abertura desta Semana Social, dedicada ao problema do desemprego. E a questão que muitos se põem, nestes dias, é esta: como pode a Igreja contribuir para a solução de um problema, socialmente grave, mas que tem a ver com dinamismos e estratégias de desenvolvimento económico, com modelos de sociedade, com políticas governamentais. Pode-se responder a esta questão, pela negativa e pela positiva. Pela negativa, basta dar a palavra a Bento XVI na sua recente Encíclica “Deus é amor”. “A justa ordem da sociedade e do Estado é dever central da Política”1. E mais à frente: “A Igreja não pode, nem deve, tomar nas suas próprias mãos a batalha política para realizar a sociedade mais justa possível. Não pode, nem deve, colocar-se no lugar do Estado. Mas também não pode, nem deve, ficar à margem na luta pela justiça”2. A importância do trabalho na realização plena da pessoa humana e na construção da justiça, não permite que a Igreja fique de fora. Como afirmou João Paulo II, “o trabalho humano é uma chave, provavelmente a chave essencial, de toda a questão social, se procurarmos olhá-la do ponto de vista do bem do homem. E se a solução da questão social, que continuamente se re-apresenta e se vai tornando cada vez mais complexa, deve ser buscada no sentido de tornar a vida humana mais humana, então, por isso mesmo, a chave, que é o trabalho humano, assume uma importância fundamental e decisiva”3. No pensamento de João Paulo II isto é assim, porque o trabalho é, em si mesmo, um bem do homem, que não se justifica apenas por ser meio de subsistência, mas é um meio de realização humana, enquanto expressão da sua criatividade e liberdade. Diz ele: “O trabalho é um bem do homem – é um bem da sua humanidade – porque, mediante o trabalho, o homem não só transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias necessidades, mas também se realiza a si mesmo como homem e até, num certo sentido, se torna mais homem”4. E este é o grande fundamento da dimensão ética do trabalho. A problemática do trabalho alarga-se, assim, para o vasto e complexo horizonte da realização da pessoa humana, individualmente e em sociedade e aí a Igreja tem um contributo muito próprio, a que não pode negar-se em nome da sua missão. 2. O enquadramento deste contributo específico da Igreja é a harmonia da sociedade como um todo, no equilíbrio entre a função do Estado e o contributo da sociedade civil, o que remete a busca de soluções deste problema social para a reflexão sobre os modelos de sociedade. Diz Bento XVI: “Não precisamos de um Estado que regule e domine tudo, mas de um Estado que generosamente reconheça e apoie, segundo o princípio da subsidariedade, as iniciativas que nascem das diversas forças sociais e conjugam espontaneidade e proximidade aos homens carecidos de ajuda. A Igreja é uma destas forças vivas: nela pulsa a dinâmica do amor suscitado pelo Espírito de Cristo”5. De há dois séculos a esta parte a Igreja tem oferecido um contributo importante através da sua doutrina social. A Igreja não pretende, através dela, apresentar soluções concretas. A sua função é profética, no esclarecimento crítico das consciências. Através da doutrina social, a Igreja – e volto a citar o Papa Bento XVI – “quer servir a formação da consciência na política e ajudar a crescer a percepção das verdadeiras exigências da justiça e, simultaneamente, a disponibilidade para agir com base nas mesmas, ainda que tal colidisse com situações de interesse pessoal. Isto significa que a construção de um ordenamento social e estatal justo, pelo qual seja dado a cada um o que lhe compete, é um dever fundamental que deve enfrentar de novo cada geração. Tratando-se de uma tarefa política, não pode ser encargo imediato da Igreja. Mas, como ao mesmo tempo, é uma tarefa humana primária, a Igreja tem o dever de oferecer, por meio da purificação da razão e através da formação ética, a sua contribuição específica para que as exigências da justiça se tornem compreensíveis e politicamente realizáveis”6. Esta presença crítica da doutrina social não se faz, apenas, pelas declarações doutrinais do Magistério, mas pela intervenção dos cristãos na sociedade. Como protagonistas na vida da sociedade, eles devem impregnar do sentido de justiça e de amor as soluções procuradas. Desafio-vos a serdes, durante estes dias, consciência crítica da sociedade em que vivemos. † JOSÉ, Cardeal-Patriarca 1 Bento XVI, “Deus é amor”, n. 28 2 Ibidem, n. 28 3 João Paulo II, Laborem Exercens, n. 3 4 L.E. n. 9 5 Ibidem, n. 28 6 Ibidem, n. 28

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