Todas as minhas recordações são acção de graças

Homilia de D. António Marto na despedida da Diocese de Viseu A celebração de hoje é de louvor e acção de graças por tudo o que Deus realizou neste caminho comum durante estes dois anos. A vossa presença conforta-me e alegra-me. Não viemos para chorar, nem para manifestar a tristeza da despedida, mas para celebrar e cantar, num coro e em uníssono ao Senhor as maravilhas da sua graça. Por isso permites que comece com um pouco de bom humor, com a parábola de um padre. Era um padre já com trinta anos de sacerdócio, que era professor e falava aos alunos do Céu, do Inferno e do Purgatório e dizia aos alunos que o Céu germina já nesta terra, mesmo se em experiências fragmentárias de felicidade e que o Purgatório é uma experiência de purificação a que vamos sendo submetidos ao longo dos dias e dos anos. Um dia Deus, reuniu a corte celeste e disse aos conselheiros que havia um padre na terra que estava a viver o seu sacerdócio com demasiada alegria e euforia e a falar das realidades celestes. Mas era preciso fazer-lhas experimentar fazer com que passasse por uma experiência de purgatório, ou de purificação. Alguém terá dito ao Senhor: ‘Fá-lo Bispo!’ E o Senhor através do seu Vigário na terra, o Papa, assim fez. Este padre aceitou e começou a sua experiência de purgatório, onde não faltaram as lágrimas de saudade da vida académica…! Foi para Braga, era auxiliar… não tinha a responsabilidade do bispo residencial. Reuniu de novo a corte celeste…; pois aquele bispo auxiliar estava de novo alegre e a pensar que a vida é assim um mar de rosas. Então decidiram mandá-lo para Viseu. Chegou cheio de temor e tremor, pois não sabia se tinha jeito para bispo residencial. Lembrou-se da frase de Santo Agostinho ‘o bom rebanho faz o bom pastor’ e pensou consigo: ‘deixa-me confiar no rebanho’. Encontrou aqui bons colaboradores e um bom rebanho. Foram dois anos de alegria, de encontros e de afectos, mesmo se com fadiga e o Bispo vivia alegre e feliz. De novo reúne a corte celeste e dizem ao Senhor que por este caminho este Bispo sobe ao terceiro Céu e é preciso dar-lhe mais uma prova de purificação, dar-lhe mais responsabilidade, para que sinta o eco dos problemas do mundo e das tensões internacionais, para ver se é capaz. O melhor lugar para isto é a diocese de Leiria-Fátima, onde está o Santuário, onde Maria fez ecoar o grito de dor e de amor pela humanidade que ansiava erguer-se do abismo. O Senhor manda de novo o seu Vigário na terra bater à porta e ele respondeu que não queria fazer a Vontade deste ou daquele, mas a de Deus. Sentiu de novo a experiência do purgatório, lembrando Santo Agostinho: ‘Não se deixa sem dor, o que se possuiu com amor’. Mas este povo soube dar ao Bispo o ânimo e a coragem para não ter medo e agora parte com a confiança e sem medo de ser bispo residencial. Estamos para elevar o nosso coração, deixando-nos iluminar pela Palavra de Deus proclamada. Hoje, Jesus usa uma imagem da natureza, muito eloquente e sugestiva… a imagem da semente. Estamos tão habituados que perdemos o sentido do deslumbramento sobre o que se produz na semente. O agricultor recebe a semente como dom. Esta germina e faz crescer algo a partir da energia própria que a semente tem. O agricultor espera o tempo da colheita, como dom. É o Senhor que nos dá a semente da Sua palavra…, o crescimento e a colheita. Nós somos colaboradores para cuidar do terreno e da semente. Esta parábola sublinha o primado de Deus e da sua graça. Esta semente traz em si uma energia interior e se acolhida faz crescer e frutificar o que de mais belo e nobre há no coração humano, pois Deus ama-nos não porque somos bons e belos, mas somos bons e belos, porque Deus nos ama. A semente tem em si uma energia interior que nos faz descobrir que a lei do crescimento no mundo é de dentro para fora. Não importa ter uma Igreja socialmente poderosa, nem interessam as questões do protocolo …, o que nos interessa é ter cristãos de fé bem convicta e testemunhada, é aqui que está a força da Igreja. Daqui deriva a coragem da fé e alegria da fé. Descobrir esta alegria e coragem é a tarefa dos cristãos actuais e foi isto que contagiou as comunidades cristãos. “Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao Teu nome da glória. Daqui deriva uma tríplice confissão: 1.Confissão de louvor – Eu Te bendigo, ó Deus e Te louvo, pela abertura de coração, pelo acolhimento caloroso, pela colaboração generosa, pelo conforto da fé e da amizade de todo este povo que me acompanhou e ajudou a ser bispo com admiráveis exemplos de generosidade, de entrega, de virtudes cristãs, de autêntica santidade popular. -Eu Te bendigo e louvo, ó Deus, pelos meus padres, pela comunhão de simpatia, amizade e colaboração que estabelecemos; pelo muito que recebi da sua fé, do seu zelo generoso e criativo, da sua paixão pelo Vosso povo que os torna próximos da gente dia e noite e próximos dos mais pobres e de todas as formas de pobreza. -Eu Te bendigo e louvo, ó Deus, pelos meus colaboradores mais próximos (pessoas concretas com rosto e nome e órgãos de co-responsabilidade) pela dedicação e competência e pelo espírito eclesial com que colaboraram no caminho da diocese. -Eu Te bendigo e louvo, ó Deus, por teres agraciado esta Igreja com o dom de um novo bispo que saiu do seu seio, pastor humilde, rico de qualidades humanas e sacerdotais, generoso e promissor. -Eu Te bendigo, ó Deus, pelos servidores do bem público nas várias áreas da vida administrativa, cultural, social, militar… pela estima recíproca e pela colaboração leal e generosa que neles encontrei, sempre desejosa de bem comum. Posso dizer verdadeiramente com Santo Agostinho: “Todas as minhas recordações são acção de graças!”. A Deus e a vós. Graças a todos vós e a quantos representais pude viver o ministério – cujas responsabilidades sempre considerei superiores às minhas forças e capacidades – não gemendo, mas com serenidade e alegria. Confissão da vida: – Pelas minhas faltas, omissões e negligências, peço perdão a Deus e a todos vós. Confissão de fé: – Quero exprimir a confiança na graça e no futuro de Deus com S.Paulo: Confio-vos (toda a Igreja Diocesana) ao Senhor e à Palavra da Sua graça que tem o poder de salvar, de fazer maravilhas, de edificar a Igreja. Não tenhais medo! Tende confiança! Tende sempre sentido nobre e belo da vossa fé! “Todas as vezes que me lembro de vós, dou graças a Deus, sempre, em toda a minha oração por vós. É uma oração que faço com alegria, por causa da vossa participação no anúncio do Evangelho, desde o primeiro dia, até agora. É exactamente nisto que ponho a minha confiança: Aquele que em vós deu início a uma obra excelente há-de levá-la à perfeição, até ao dia de Cristo Jesus. É justo que eu tenho estes sentimentos por vós, pois tenho-vos no coração, a todos vós que participais na graça que me foi dada. Sim, Deus é minha testemunha do quanto vos quero bem a todos com a afeição de Jesus Cristo. É é por isto que eu rezo: para que o vosso amor aumente ainda e cada vez mais em sabedoria e em verdadeira sensibilidade para discernir o que melhor convém” (Fil 1,3-10). “Vós tendes-me no coração; eu levo-vos no coração”! Continuaremos unidos embora na nova modalidade da distância… Ó Maria, Nossa Senhor do Altar Mor! Como haveria de partir sem agradecer, à Tua mão maternal, a protecção que sempre senti ao longo destes anos? E, agora, mais uma vez nos dirigimos a Ti: Do alto do altar-mor vela sobre o nosso caminho de Igreja, torna-nos participantes da Tua fé para podermos ser uma só alma e um só coração em Cristo e contigo. Dá à Diocese um espírito missionário, Torna os nosso corações capazes de acolher o Espírito de amor de Deus; de descobrir a sua beleza, para amá-lo de todo o coração e dar amor aos nossos irmãos. Abençoa, ó Mãe, a nossa Igreja, cidades, vilas e aldeias; guia-nos no caminho do crescimento nos dons, carismas, vocações e ministérios que o Espírito Santo faz florescer entre nós! Abençoa a humanidade inteira que tem necessidade de Ti, porque tem necessidade do Teu Filho, Jesus, Redentor do homem e do mundo. Ámen! Sé de Viseu, 18 de Junho de 2006 +António Marto, Administrador Apostólico

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