«Temos de ser cada vez mais esta Igreja sinodal, uma Igreja em que todos os batizados são chamados a trabalhar em conjunto» – Irmã Nathalie Becquart

Subsecretária do Sínodo dos Bispos, aborda primeira sessão da Assembleia Sinodal e projeta encontro de 2024, elogiando «estilo da fraternidade»

Foto: Ricardo Perna

Entrevista conduzida por Ricardo Perna, em serviço para a Agência ECCLESIA

 

Qual é a sua avaliação desta caminhada de dois anos que levou a esta primeira sessão da assembleia sinodal?

Esta assembleia do Sínodo foi um passo importante e grande, sem ignorar o passado, os frutos destes dois anos a nível local. O que vimos no final destas quatro semanas é uma grande alegria, as pessoas experimentaram uma verdadeira fraternidade, uma relação mútua, muita escuta, e penso que todos os participantes ficaram, de certa forma, muito comovidos com a experiência. É difícil exprimir esta experiência profunda, mas o estarmos todos juntos neste processo, bispos e não-bispos, pessoas de todo o mundo, foi realmente uma experiência de unidade possível entre toda a nossa diversidade.

 

Muitos dos participantes afirmaram publicamente em várias ocasiões que este Sínodo era diferente dos outros em que já tinham participado. Quais foram, na sua opinião, as principais diferenças desta assembleia?

Há muitas, várias pessoas referiram que pela primeira vez começamos o Sínodo com uma vigília ecuménica de oração, que foi um momento importante para a unidade dos cristãos. Depois, três dias de retiro e, de facto, o retiro foi fundamental, ter a possibilidade de estar juntos para rezar, celebrar e iniciar entre nós a metodologia da conversação no Espírito. Criou realmente um clima maravilhoso, um ambiente. Depois, uma grande mudança, que teve realmente impacto nesta assembleia, foi o espaço: foi a primeira vez que não estivemos numa espécie de anfiteatro, como na antiga aula sinodal. No Auditório Paulo VI, vimos mesas redondas, pequenos grupos e isto mudou muito. Gostaria de referir também um elemento-chave que não se vê, mas que já o era: o silêncio. Todos nós vimos que existia, na metodologia um tempo de silêncio, e também a celebração da Eucaristia em conjunto. Assim, temos o que vemos na sala do Sínodo e, depois, também todo o tempo informal, de pausa, foi uma relação muito intensa, caraterizada pela escuta, a humildade, a abertura para ouvir diferentes perspetivas. Eu diria que a confiança foi fomentada e que já experimentamos, de certa forma, este estilo de fraternidade que é o estilo da sinodalidade, estarmos juntos, quer sejamos cardeais, bispos, homens ou mulheres. Estávamos todos juntos, irmãos e irmãs em Cristo, e isso marcou muito esta assembleia, de uma forma nova.

 

Embora em sínodos anteriores, já tivesse havido alguma participação de leigos, esta foi a primeira vez onde eles puderam ter uma presença real. Como é que isso enriqueceu os trabalhos, em comparação com outras experiências?

O que foi uma verdadeira novidade foi o facto de terem participado também como membros votantes, muitos deles. Muitos bispos referiram-se à presença de leigos, religiosos e religiosas, padres, também delegados fraternos, 12 representantes de Igrejas e comunidades cristãs. Portanto, foi muito positivo, muitos sublinharam isso, e eu gostaria também de destacar o papel fundamental dos facilitadores, algo que era novo. Antes, os pequenos grupos elegiam um moderador, que era um membro deste círculo; desta vez tivemos um facilitador ao serviço do processo, não como membro, mas que desempenhou um papel importante para permitir que todos falassem e para animar esta metodologia sinodal.

 

Considera que esta foi uma fórmula de sucesso para futuros Sínodos?

Sim, muitos disseram isso e o feedback foi muito bom, muitos dizem que não podemos voltar atrás. Lembro-me de um cardeal que já esteve 11 sínodos e disse: “Bem, este é o melhor Sínodo de todos aqueles em que participei e temos de continuar assim”. O Papa também esteve presente na mesa-redonda da presidência do Sínodo. Sentimos que sim, globalmente, toda a gente está muito feliz com esta metodologia, que se tem estado a discernir, e é uma forma de trabalhar.

 

Qual foi a importância de ter o Papa tão presente nos trabalhos, cumprimentando, saudando as pessoas à medida que iam chegando? Como é que foi essa experiência?

Penso que muitas pessoas ficaram muito tocadas por ver que o Papa Francisco não estava a chegar apenas para a congregação geral, mas muitas vezes vinha antes, estava disponível durante o intervalo. Por isso, todos os participantes tiveram também oportunidade de o cumprimentar pessoalmente, de passar algum tempo com ele, para tirar fotografias, encontrar-se com grupos e pessoas. O Papa estava lá, na sua cadeira de rodas, muito simples e humilde, mudando a ideia tradicional em relação a esta figura.

Não há Sínodo sem o Papa, ele é o presidente, mas, ao mesmo tempo, é um presidente que está a ouvir a maior parte do tempo e que, por vezes, usa o seu tempo para dar o seu contributo, tal como os outros participantes. Foi uma bela maneira de ver o Papa pronto para estar com toda a gente. E, ao mesmo tempo, desempenhando um papel muito importante.

Ele não tomou parte nos trabalhos de grupo (círculos menores), mas esteve nas reuniões gerais e, sobretudo, esteve lá para ouvir os relatórios dos círculos menores. Ao estar na mesma mesa do que ele, pude ver que toma notas e ouve com atenção. Esteve muito presente.

 

O relatório de síntese do trabalho tem convergências, coisas com as quais todos concordaram, mas também propostas e questões a considerar e refletir. O que levou a publicar o documento desta maneira e como é que isto ajuda a preparar o trabalho do próximo ano?

O objetivo do sínodo era realmente refletir sobre como tornar-se cada vez mais uma Igreja sinodal, uma Igreja comunhão, participação e missão. A Assembleia Sinodal foi muito caracterizada pela escuta e também por uma grande liberdade de expressão. Ao longo das semanas, pudemos ver como cada vez mais pessoas podiam realmente falar a partir do coração, da sua experiência, da sua perspetiva. Sabemos que há muitas perspetivas diferentes, dependendo também da origem das pessoas. Em relação a alguns temas, posso mencionar, por exemplo, o ecumenismo: é muito claro que é um fruto maduro, foi objeto de um forte consenso quanto à necessidade de seguir em frente, como o Concílio e Cristo pedem, para construir o caminho para a unidade dos cristãos. Assim, por exemplo, neste ponto podemos avançar. Noutros tópicos, podemos ver que existem muitas perspetivas diferentes. O que foi muito interessante é que a diversidade de perspetivas não se encontrava entre os bispos, de um lado, e os não-bispos, do outro lado. Era basicamente o mesmo tipo de diversidade, em cada grupo.

Vemos que esta diversidade e as diferentes perspetivas são, por vezes, mais moldadas pelo contexto cultural, pela realidade em que se vive, pela experiência da Igreja – quer se trate de uma Igreja jovem ou de uma Igreja mais antiga. O processo sinodal é, portanto, um processo que permite a todos exprimir os seus pontos de vista e que permite que essas tensões sejam assumidas de forma generativa. É um processo que nos permite identificar o ponto em que nos encontramos.

Em muitos tópicos que podem ser lidos no documento registamos muitas pessoas pensam assim, mas outros estão a pensar assim e nós sentimos que, em relação a este tópico, precisamos de ter mais reflexão teológica.

 

Na sua opinião, quais são os principais desafios que este relatório de síntese aborda?

O que eu gostaria de dizer é que, de certa forma, este Sínodo foi muito afetado pela situação do nosso mundo, com tantos conflitos e violência. Estávamos lá, quando a guerra deflagrou na Terra Santa e temos pessoas dessa região, temos pessoas da Ucrânia e também da Rússia. Por isso, o principal desafio que vemos é, de facto, ser uma Igreja capaz de construir a paz no nosso mundo. E rezamos muito no Sínodo, pela paz por esses conflitos que se verificam em muitas partes do mundo, não ficaram de fora. As pessoas que estavam no Sínodo estavam lá com a sua experiência, os seus nomes, os rostos das pessoas nos seus países. Lembro-me que, numa altura em que estava na mesa redonda, ao meu lado estava um jovem da Síria. Nesse dia, recebeu a notícia de que, na sua região, tinham sido mortas muitas pessoas. Por isso, vemos que o principal desafio para o mundo de hoje, um mundo dividido por tantos conflitos e violência, é ser um sinal de unidade, construir caminhos de reconciliação e trabalhar pela paz.

 

E tornou-se mais claro, pelo menos para alguns dos participantes, que a sinodalidade pode realmente ser esse caminho para a unidade?

Sim, penso que o compreendemos cada vez mais. É essa a vocação da Igreja, ser um instrumento de unidade, de toda a família humana, e também da união íntima com Deus, como está expresso no belo texto da ‘Lumen Gentium’ do Concílio. O facto de termos estado todos juntos, durante essas semanas, não lutando uns contra os outros, mas tentando ouvir-nos mutuamente para compreender a perspetiva de alguém que não tem a mesma visão do que nós, é um sinal muito forte. Experimentamos e vimos como este tipo de caminho é realmente um sinal profético, não só para a Igreja mas também para o mundo.

 

No início do Sínodo, mas também durante os trabalhos, havia algumas vozes no exterior que falavam contra o Sínodo e contra a sua utilidade. Como é que foram vividas e como é que foram percebidas pelos participantes?

Bem, algumas eram do exterior, mas também havia alguns membros que chegaram ao Sínodo com algum tipo de receio. Mas o que foi muito bom, especialmente durante o retiro, foi quando começamos a ter esta conversação no Espírito, esta metodologia, as pessoas foram capazes de nomear e expressar os seus medos. Quando passamos por esta experiência, as pessoas veem realmente os frutos e sentem a alegria de estar juntos. Sabemos também que as pessoas de fora, que ainda não viveram esta experiência, podem ainda ter algum tipo de resistência. Por isso, ficou muito claro – e está nos documentos – que precisamos de proporcionar cada vez mais este tipo de experiência a nível local e de reconquistar os outros. E esse é realmente um desafio para o próximo ano, para que o que vivemos aqui não seja apenas uma experiência de algumas pessoas, mas de todos nós. Regressamos às nossas Igrejas locais com isso em mente, ser missionários da sinodalidade, testemunhar as experiências e ajudar outros a entrar neste estilo sinodal, porque essa foi realmente a convicção profunda no final: é realmente uma forma de ser uma Igreja para hoje e para o futuro. Para sermos fiéis à proclamação do Evangelho, temos de ser cada vez mais esta Igreja sinodal, uma Igreja em que todos os batizados são chamados a trabalhar em conjunto como irmãos e irmãs em Cristo e são chamados a ser protagonistas e a servir a missão da Igreja.

Estamos muito conscientes de que os desafios do mundo atual, como a migração, a ecologia e, como já referi, os problemas dos conflitos e da paz, estamos a viver num mundo de crises, mas não as podemos enfrentar sozinhos. Temos de estar juntos, como Igreja, com todos os cristãos e com todas as pessoas de boa vontade, também de outras religiões, para encontrarmos caminhos para construir um mundo melhor e fazer que esta seja uma casa comum para todos.

 

O que está preparado como caminho para chegar à Assembleia do próximo ano? Como sugestão de trabalho para as paróquias? Como tencionam sensibilizar as pessoas para refletirem, ao longo deste ano?

É claro que houve muita vontade de fazer propostas concretas para continuar o caminho sinodal, as conferências episcopais têm um papel fundamental, na ligação e no diálogo com o Secretariado-Geral, e depois também nas dioceses.

As pessoas já podem ler o documento de síntese. Trata-se de uma espécie de roteiro, que indica o ponto em que nos encontramos atualmente e que nos encoraja. Há muitas coisas que já podem ser implementadas a nível local, por exemplo, há um apelo forte para que todas as paróquias tenham um conselho pastoral, ou nas dioceses. Como sabem, e esse foi um dos tópicos importantes, apelou-se a uma maior participação das mulheres, a uma maior participação das mulheres na liderança da Igreja. E há muitas coisas que podem ser feitas já amanhã ou muito em breve, a nível local. Por isso, tudo o que puder ser feito para implementar este estilo de sinodalidade que é necessário para ter esses conselhos, para ter formas de envolver cada vez mais leigos, deve ser feito a nível local. E depois há alguns temas que precisam de ser mais refletidos. E esperamos que as pessoas nas Igrejas locais possam continuar a dar o seu contributo.

 

No próximo ano, os participantes serão os mesmos deste ano. Considera que ainda há espaço para acolher mais participantes, se necessário? Por exemplo, os jovens ou quaisquer outros grupos que, na vossa opinião, possam ter uma participação mais rica?

Para já, o que foi dito é que, como sabem, este é um Sínodo, uma Assembleia Geral em duas sessões, e os membros são os mesmos para a primeira e para a segunda sessão. Mas o que é muito importante é envolvermo-nos cada vez mais, a nível local. Os bispos que estão no Sínodo não estão lá apenas como bispos, estão lá como a voz do povo na sua Igreja local.

Estamos muito contentes com o facto de os nossos jovens, de todos os continentes, terem estado presentes no Sínodo, o mais novo tinha 19 anos, as vozes dos jovens também estiveram muito presentes. Muitos dos participantes fizeram-se ouvir para apelar à construção deste caminho com a nova geração. Por exemplo, podem ver no documento que há uma parte importante sobre a cultura digital, e isso é realmente algo muito importante para fazer o caminho com os jovens. Por isso, não se trata apenas da necessidade de ter esta diversidade de pessoas dentro do Sínodo, mas também de nos recordar que os bispos estão lá por se tratar de uma assembleia do Sínodo dos Bispos, e estão lá para representar a diversidade do seu povo.

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Agência ECCLESIA

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