«Somos um povo pascal»

Homilia da Vigília Pascal do Bispo de Aveiro 1.Esta é mais solene e longa Vigília da liturgia da Igreja. Nela se celebra e sintetiza a história da criação e da redenção da Humanidade. Nela se faz a experiência de um abençoado itinerário de misericórdia, de perdão e de fidelidade a Deus para com a humanidade e para com o Povo que Ele escolhe, orienta, conforta, liberta e alimenta. Ao longo desta Vigília deixamo-nos guiar pela Palavra de Deus, iluminar pela luz de Cristo, purificar pela água pura, transformar pela misericórdia divina e alimentar pelo Pão dói Céu como outrora os israelitas o tinham sido pelo maná abundante do deserto. Nesta solene Vigília lembramos que somos um povo de peregrinos, atraídos pela plenitude da vida, da fé e da libertação a exemplo de Abraão, de Moisés, de Isaías e de Ezequiel que nos dão o exemplo de quem ouve a voz de Deus e segue, de quem conhece a vontade do Senhor e cumpre e de quem acolhe a palavra do Omnipotente e a anuncia. Todo o caminho humano e toda a experiência de peregrinação comportam sempre a evocação do memento primeiro e criador da origem do universo e do início da vida, da resposta crente de Abraão na hora do chamamento de Deus e do sacrifício do seu filho, da ordem imperativa dada a Moisés para libertar o Povo da escravidão. Mas esta Vigília da Páscoa revela-nos que a humanidade não evoca apenas esta experiência de criação e de libertação. Não somos apenas um povo criado e livre a viver no Universo que Deus criou, viu e sentiu que “era muito bom” (Gn 1, 23). Somos um povo que aprendeu com os Profetas a olhar para esta presença de exigência mas também de ternura de Deus que nos acompanha com uma solicitude inesgotável e que ama o Povo por ele criado, escolhido e libertado com um amor único, fiel e indestrutível. As águas do Mar Vermelho que Deus separa para que o Povo de Israel atravesse com segurança, o maná dado ao Povo faminto e exasperado, o coração de pedra de insensibilidade, da indiferença e da infidelidade são alguns dos sinais que Deis oferece para nos indicar o caminho da confiança, da misericórdia, do Baptismo e da Eucaristia que com e pelo poder do Ressuscitado nos conduzem à vida nova e à santidade dos filhos de Deus de que nos falava S. Paulo na Carta aos Romanos. 2. Faz-nos bem nesta Vigília da noite recordar um belo texto de Melitão de Sardes, do século II, sobre a Páscoa. “Gerado como Filho, imolado como cordeiro, sepultado como homem, ressuscitou dos mortos como Deus, sendo por natureza Deus e homem. Ele é tudo: enquanto julga é lei; enquanto ensina, Verbo; enquanto salva, graça; enquanto padece, cordeiro; enquanto é sepultado, homem; enquanto ressuscita, Deus. Assim é o mistério da Páscoa tal como o descreve a Lei, tal como foi lido antes”. E continua o mesmo autor nesta homilia pregada em estilo de precónio pascal: “Vinde, portanto, vós todas as nações da terra oprimidas pelo crime e recebei a remissão dos pecados. Eu sou o vosso perdão, a Páscoa da salvação, o cordeiro por vós imolado, a água que vos purifica, a vossa vida, a vossa ressurreição, a vossa luz, a vossa salvação. Eu vos ressuscitarei e vos mostrarei o Pai que está nos Céus.” E que bela síntese nos oferece S. Jerónimo no ano 392 na sua Homilia da Páscoa! “Este é o dia que o Senhor fez: exultemos de alegria e cantemos. Como Maria, a Virgem Mãe do Senhor, é a primeira entre todas as mulheres, assim o dia de hoje é a mãe de todos os dias. O domingo é o dia da Ressurreição, é o dia dos cristãos, é o nosso dia. Hoje nascem d sol da justiça, a luz do mundo, a salvação da humanidade, a fonte da vida eterna”. 3. Este é verdadeiramente o dia que o Senhor fez: exultemos de alegria e cantemos. Somos irmãos e irmãs, portadores desta certeza que os séculos não desvaneceram. Somos mensageiros deste anúncio pascal. Somos fermento de um mundo novo. Somos um povo que pelo Baptismo mergulhou na morte com Cristo e com Ele ressuscitou para a vida. Somos um Povo pascal. A certeza e o anúncio do Ressuscitado centra-nos sempre e celebram-se, por excelência, na Eucaristia. “A Igreja celebra o sacrifício eucarístico obedecendo ao mandato de Cristo, a partir da experiência do Ressuscitado e da efusão do Espírito Santo. Por este motivo, a comunidade cristã, desde os seus primórdios, reúne-se para a fracção do pão (fractio panis) no dia do Senhor. O dia em que Cristo ressuscitou dos mortos, o domingo, é também o primeiro dia da semana, aquele em que a tradição do Antigo Testamento contemplava o início da criação. O dia da criação tornou-se agora o dia da «nova criação », o dia da nossa libertação, no qual fazemos memória de Cristo morto e ressuscitado”. A Eucaristia constitui assim para a Igreja a fonte que sacia a nossa sede e o banquete que alimenta a nossa fome. Na Eucaristia celebramos a morte de Cristo, anunciamos a sua ressurreição enquanto aguardamos a sua vinda. Sem a Eucaristia era impossível vivermos com alegria e com verdade a Páscoa do Senhor. É na Eucaristia e no testemunho eucarístico dos cristãos que este anúncio pascal se torna fermento novo de transformação e salvação para o mundo e sinal de esperança e de optimismo. Recordo com renovada insistência o que afirmei na mensagem pascal que dirigi à Diocese: “Se em alguma época ou circunstância a Igreja for tocada pelo desânimo, pelo medo, ou pelo pessimismo tudo isso se deve desvanecer à luz da Páscoa. Aqui renasce em cada ano e em cada tempo o dinamismo redentor da fé, a certeza inabalável da esperança cristã e a garantia serena de que toda a vida tem sentido indeclinável e valor eterno”.5 A Páscoa que celebramos, que vivemos e que anunciamos às pessoas que procuram Deus não deixa abalar o solo de segurança da fé cristã. Jesus vivo e ressuscitado continua a ser alimento de vida, mestre de verdade, luz de caminho e escultor do mais sagrado e belo que há na alma da humanidade. Lembrar com fascínio e beleza esta verdade ao mundo de hoje e o oferecer-lhe esta arte de pensar e de viver constituem, também, uma forma de anúncio pascal e um indispensável testemunho de fé. 4. Há quarenta anos, precisamente no dia de Páscoa de 1976, o Papa Paulo VI surpreendeu o mundo ao publicar a Encíclica Populorum Progressio, sobre o desenvolvimento dos povos. Lembra-nos Paulo VI que o desenvolvimento é o novo nome da Paz. Todos sabemos que a paz verdadeira, a paz das consciências e a paz entre os povos é sempre um dom recebido de Cristo ressuscitado e uma dádiva de Páscoa. A Encíclica de Paulo VI, historicamente datada, era repassada de um surpreendente optimismo e constituía um inevitável alerta e uma imperiosa urgência, ainda longe de serem plenamente cumpridas. Construir a justiça e a paz, à luz da Páscoa e da vitória de Cristo sobre o mal, sobre o pecado e sobre a morte de tantos pobres e inocentes constitui missão da Igreja e tarefa de todos os povos e seus governantes. Na Via-Sacra de ontem no Coliseu de Roma, o Papa Bento XVI recomendava-nos “que não sejamos insensíveis aos sofrimentos dos outros”. Envio-vos em missão anunciando a Páscoa, construindo a paz, partilhando o pão com os pobres e suavizando a dor dos que sofrem. 5. Que Nossa Senhora, Mãe de Jesus e testemunha da Páscoa, nos faça descobrir “que Cristo, Seu Filho, morto e ressuscitado, Se manifesta como nosso contemporâneo no mistério da Igreja, seu corpo. Deste mistério de amor fomos feitos testemunhas”.6 Uma Santa e Feliz Páscoa. Aleluia! X António Francisco dos Santos, Bispo de Aveiro

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