Solidariedade: Vida de Catarina Pereira mudou quando viu menina de três anos a brincar com uma beata apanhada do chão

Assistente social no Projeto Barra cresceu com o sentido de justiça, sem saber que a formação em Serviço Social lhe daria ferramentas que queria para intervir no mundo

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 16 ago 2023 (Ecclesia) – Catarina Pereira, assistente social no Projeto Barra, da paróquia de São Julião da Barra, em Oeiras, conta à Agência ECCLESIA que a transformação na vida e nas relações acontece quando, quem ajuda, “se expõe” e sai do “pedestal”.

“Eu não sou mais do que ninguém e para acolher o outro é preciso que eu me deixe acolher. O mais importante e o que muda a relação é a exposição; quando eles percebem que eu tenho problemas, que preciso de abraços, que preciso que olhem para mim da mesma forma como eles precisam de abraços. Esse é o caminho para sermos pessoas melhores – quando eles perceberem que eu não estou num pedestal, tal como eles não são inferiores apenas porque existe uma condição na sua vida que os levou a determinado caminho”, conta a jovem de 26 anos, que descobriu a sua vocação quando viu uma menina de três anos a brincar com um beata no chão.

O projeto Barra, nascido há quatro anos na paróquia de São Julião da Barra, no Patriarcado de Lisboa, dirige-se a crianças entre os seis e os 18 anos, prestando apoio no estudo, mas essencialmente com o objetivo de “quebrar o ciclo de pobreza das famílias e dar mundo às crianças”.

Com o objetivo de quebrar o “padrão” que levava pais e filhos a procurar ajuda alimentar junto da mercearia social da paróquia, o projeto apresenta “um registo parecido mas distante do tradicional Atividades de Tempo Livre”.

“Ajudamos com os trabalhos de casa, mas queríamos dar-lhe mundo, queríamos que conhecessem mais, que conhecessem diferente. Por isso exigimos dos voluntários que partilhem as suas vidas, os seus percursos profissionais, como chegaram a determinada etapa”, indica.

O objetivo é que as crianças deem significado à escola. A maior parte destas crianças eram péssimas alunas, os pais estavam de rastos com problemas de comportamento e tentamos que através da proximidade da criança à comunidade, ajudar os pais também a ter ferramentas para estar com os filhos, evitando as punições como forma de educação”.

Catarina Pereira reconhece que “tantas vezes” funcionam como “advogados” destas crianças junto das escolas, mas, em troca, “elas passam a agradar porque percebem que alguém se preocupa com elas ou ficam desiludidos quando se portam mal”.

“Ganhamos muito nesta partilha e eu confirmo a minha vocação – eu estou onde Deus me quer”, traduz.

Aos 12 anos, Catarina Pereira foi desafiada a participar na organização de uma ceia para as famílias da sua comunidade e a tarefa incumbida seria embrulhar os presentes que seriam entregues às crianças apoiadas pelo Banco Alimentar.

“Ver pessoas que até andavam comigo na escola, se cruzavam comigo, e tinham famílias pobres, que contavam com o apoio da nossa comunidade para conseguir ter uma vida mais digna mexeu muito comigo e lembro-me de pensar que as queria ajudar, queria estudar alguma cosa que as ajudasse”, recorda.

Aos 18 anos, a passar numa rua junto de um bairro social encontrou uma criança de três anos a brincar com beatas que apanhava no chão a fingir que fumava.

“Eu estava no 12.º ano, sem saber o que fazer a seguir, estava numa fase difícil de escolher o que fazer depois, e quando vi aquela menina pensei: «É para aquela menina que eu quero trabalhar». Comentei isso com o meu namorado que me sugeriu pesquisar o curso de serviço social e fez-me muito sentido”, explica.

“É engraçado como Deus deixa sementes e nos vai confirmando os sinais: Eu há muito tempo fazer alguma coisa para as famílias apoiadas pelo banco alimentar da paróquia e aquela menina aparece e confirma o meu caminho”, acrescenta.

Depois da formação em serviço social, e do aprofundamento do estudo com o mestrado em Inovação social e empreendedorismo, Catarina Pereira explica que a ocasião em que falhou na sua vida foi quando não esteve disponível para os outros.

“Vivemos a correr, a passar de mensagem em mensagem e acho que faz falta a disponibilidade. Como assistente social, falta a relação, porque é a partir dela que se pode construir tudo. Servir quem não gosto, que não está nas minhas relações, que pensa diferente, porque esse é o verdadeiro acolhimento”, explica.

A conversa com Catarina Pereira pode ser acompanhada esta noite no programa ECCLESIA na Antena 1, pouco depois da meia-noite, e fica despois disponível no portal da Agência ECCLESIA e no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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