Solenidade da Imaculada Conceição

Homilia de D. António Carrilho, Bispo do Funchal

Maria Imaculada, reflexo da excelsa beleza de Deus

 

A Igreja universal celebra hoje a solenidade da Imaculada Conceição, a singular graça e privilégio da Virgem Maria: desde a sua concepção, em ordem à sua maternidade divina, Maria foi preservada de toda a mancha de pecado e enriquecida com uma plenitude de graça incomparável. Ela é, por isso, a mais santa de todas as criaturas.

A Virgem de Nazaré, a “Cheia de Graça”, como lhe disse o Anjo, é modelo de santidade para todos os filhos da Igreja, que a honram e a invocam em suas necessidades, louvando a Deus, origem e Fonte de toda a santidade. Convocados desde sempre, para sermos “santos e irrepreensíveis, em caridade…” (Ef 1,4), encontramos em Maria o reflexo da beleza infinita de Deus, a concretização do admirável “hino de louvor da Sua glória”, de que nos fala S. Paulo, na segunda leitura.

A liturgia da palavra sublinha, assim, o facto de Nossa Senhora ter sido redimida de uma forma admirável, em atenção aos méritos futuros da Páscoa do seu Filho. Maria é, na verdade, a Aurora que precede o Dia sem fim, Dia que é o próprio Cristo Senhor, o Redentor da Humanidade.

 

Viver em santidade

A primeira leitura é a narração simbólica da dramática experiência do mal e do pecado do homem e da mulher, com todas as consequências lamentáveis do abuso de liberdade: ruptura livre e responsável com o Amor e o Bem total, ruptura da harmonia universal. Eles que eram felizes, beneficiando da presença e familiaridade com Deus, uma vez despojados da sua dignidade, por terem “comido do fruto proibido” (Gen 3,10), quebraram as relações com o seu Criador e, cheios de medo e de vergonha, esconderam-se. Deus, porém, em Sua Bondade infinita, continua a amar e a chamar o homem e a mulher à felicidade e não os abandona no seu pecado. Daí a promessa de um Salvador, como se referia no final do texto.

S. Paulo, na segunda leitura, fala-nos deste admirável e extraordinário Amor do nosso Deus que, apesar do pecado e do mal, “escolheu-nos, antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, em caridade, na sua presença” (Ef 1, 3). Em Cristo, Deus abraça a nossa fragilidade e dá-nos sabedoria e discernimento, para sermos fiéis à vocação de santidade, na vivência do amor, cada um de acordo com a situação concreta da sua vida pessoal.

 

O “Sim” que transfigurou a história

O importantíssimo evento da história da salvação, narrado por Lucas no texto do Evangelho, acontece numa humilde aldeia de Nazaré. A destinatária da inesperada mensagem é uma jovem chamada Maria. A Palavra perturbadora de Deus, dialogada na obediência da fé, é traduzida no “Sim” dessa Jovem de Nazaré, que mudou completamente o coração da história da Humanidade. Deus intervém e revela-Se na plenitude do Seu Amor: “O Espírito Santo descerá sobre ti… Darás à luz um Filho, ao qual porás o nome de Jesus” (Lc 1, 35-36). Desde então, o mundo ficou iluminado com uma nova Luz. Surge a nova Aurora da Redenção, a grande Esperança, porque Maria, a nova Eva, nos oferece o novo Adão, Jesus Cristo, o Salvador da Humanidade. No “Sim” de Maria reatou-se a harmonia cósmica, a beleza perdida no paraíso. “A beleza é esta presença de Deus entre nós” (Simone Weil).

A propósito da beleza, apraz-me recordar o recente encontro do Papa Bento XVI com artistas de todo o mundo, em Roma. Então, ele reafirmou as boas relações, a amizade da Igreja com o mundo da arte, e pediu-lhes que fossem “os guardiães da beleza”. Sublinhou a importância e o desejo de um diálogo renovado e permanente, tendo em conta as inevitáveis mudanças culturais e sociais. E afirmou, ainda, que “a beleza pode tornar-se um caminho para a transcendência, para o mistério final”. Há que redescobrir, de facto, o caminho da beleza e da santidade, como caminho de sentido e felicidade, para a vida dos homens e mulheres do nosso tempo!

 

Beleza interior, caminho de libertação

O homem moderno, secularizado, envolvido em preocupações científicas, tem dificuldade, muitas vezes, em aceitar as intervenções sobrenaturais de Deus, porque escapam aos seus limitados saberes. Maria, porém, iluminada pelo Espírito Santo, abre-se totalmente a Deus e entrega-se, por inteiro, à realização do Seu desígnio de Salvação: “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim, segundo a Tua Palavra”(Lc 1,38).

À luz da Palavra revelada, compreendemos mais profundamente a grandeza e a dignidade de cada homem e de cada mulher, criados à imagem e semelhança de Deus. De facto, a Encarnação do Verbo de Deus realiza e revela a mais alta dignidade da vida e do corpo humano. É que o corpo humano não é apenas um suporte biológico da existência, nem pode ser idolatrado, maltratado ou menosprezado, como acontece, tantas vezes, na sociedade contemporânea hedonista. Infelizmente, não faltam vítimas desta exaltação desmesurada, bem como da violência, menosprezo e aviltamento de tanta gente indefesa, que, por força de certas circunstâncias, se vê enredada em situações indesejáveis.

A cultura laica ocidental, aliciada pelo culto da imagem, explora e sobrevaloriza a beleza física da mulher, em detrimento da beleza interior e dos seus verdadeiros valores. Maria Imaculada é expressão da excelsa beleza de Deus, a única Beleza que liberta, transfigura e salva. Bernardete Soubirous, a vidente de Lourdes,  jamais esqueceu aquela jovem e bela Senhora, “mais bela que todas as criaturas do mundo”, a suavidade do seu sorriso e a mensagem nunca dantes escutada: “Eu sou a Imaculada Conceição”.

 

A dignidade da mulher

Ao longo dos séculos, a Igreja, fiel a Cristo e à humanidade, valorizou e defendeu a dignidade da mulher e a sua insubstituível missão. No início da Carta Apostólica Mulieris Dignitatem, sobre a dignidade e a vocação da mulher, João Paulo II recorda-nos, citando o Concílio Vaticano II, que “a hora vem, a hora chegou, em que a vocação da mulher se realiza em plenitude, a hora em que a mulher adquire no mundo uma influência, um alcance, um poder jamais alcançados até agora. Por isso, no momento em que a humanidade conhece uma mudança tão profunda, as mulheres iluminadas pelo espírito do Evangelho muito podem ajudar a humanidade a não decair” (n.1), muito podem contribuir para a sua elevação.

Na verdade, a autêntica perfeição feminina está na sua harmonia interior, na sua santidade, que se reflecte exteriormente e confere aos seus gestos dignidade e beleza. Diz-nos Bento XVI: “em Maria brilha a dignidade de cada ser humano, que é sempre precioso aos olhos do Criador”. A ética da responsabilidade  comum, na defesa da vida e no respeito pelo corpo, nunca poderá ser negligenciada pela sociedade.

 

Mulher da Esperança e da Alegria

Maria é a figura principal do tempo litúrgico do Advento, que estamos a viver. A Santa Mãe de Deus é portadora da grande Esperança e da Alegria, porque nos traz o Filho do Altíssimo, a Palavra feita Menino. O Advento é o tempo favorável para escutar e percorrer o caminho da Palavra, uma Palavra sempre nova e bela, que cria intimidade com Deus e com os outros. Palavra que perturba e interpela o nosso comodismo e deve encarnar na nossa vida, em gestos concretos de amor e solidariedade.

Como Bispo desta Diocese, sinto grande alegria pela ressonância, que me tem chegado, da visita da Imagem Peregrina da Virgem de Fátima, às nossas comunidades paroquiais. Esta presença de Nossa Senhora entre nós, acolhida na riqueza da sua mensagem de fé e de amor, incentiva e estimula, sem dúvida, a vivência do Advento.

Também as tradicionais “Missas do Parto” nos introduzem, mais intimamente, no mistério de Maria e de Jesus. Participar nelas ajudar-nos-á a corresponder com mais empenho e fidelidade às exigências do lema escolhido para a visita da Imagem Peregrina: “Com Maria, ser Igreja no mundo actual”.

Guiados pela “Estrela da Manhã”, a Senhora do Advento, e conduzidos pela sua mão maternal, sentimo-nos em segurança e, juntos, fazemos o mesmo percurso para Belém, ao encontro de Jesus que ali nasceu e há-de nascer, hoje, no presépio do nosso coração, no presépio da nossa vida.

Imaculada Conceição, Senhora do Advento, Virgem Peregrina, Senhora do Monte, rogai por nós!

Sé do Funchal, 8 de Dezembro de 2009

† António Carrilho, Bispo do Funchal

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