Antigo ministro critica falta de «decência» do Parlamento no debate sobre a eutanásia, em plena pandemia
Lisboa, 21 fev 2021 (Ecclesia) – António Bagão Félix, antigo ministro das Finanças e da Segurança Social, defendeu que as políticas públicas promovam respostas familiares e domiciliárias para os mais velhos, evitando a sua “institucionalização”.
“O que é desejável é que, pelo menos, as políticas públicas não fomentem a ‘betonização’, a institucionalização dos mais velhos, em detrimento da opção de natural de continuar – na medida das possibilidades – dentro das famílias. Ou seja, o lar, a instituição de acolhimento é o último recurso, mas não deve ser o primeiro recurso facilitado por políticas públicas”, referiu o convidado da entrevista conjunta Renascença/Ecclesia, emitida e publicada semanalmente ao domingo.
O também antigo presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz mostrou-se muito crítico do processo legislativo sobre a eutanásia, na Assembleia da República, lamentando “não ter havido a decência de não discutir e aprovar no Parlamento português” esta proposta num momento “em que estavam a morrer muitos idosos e não só”
“A possibilidade da eutanásia em situação de grande dor e sofrimento vem apenas fazer invadir o campo da vida de uma cultura de morte”, advertiu.
Bagão Félix elogiou, por outro lado, o recente documento da Academia Pontifícia para Vida (Santa Sé), ‘A velhice: o nosso futuro. A situação dos idosos após a pandemia’.
Para o entrevistado, em causa está a preocupação de “reconduzir as pessoas mais velhas a um ambiente tendencialmente familiar, de vizinhança” para lhes garantir “uma humanização completa, ou tão completa quanto possível”.
“Esta viragem cultural de que fala a Academia Pontifícia para a Vida é também uma forma de lutar contra a cultura dominante, do descarte, como tem referido insistentemente o Papa Francisco”, acrescenta.
O antigo ministro questiona uma cultura em que “os velhos estão, muitas vezes, num ambiente em que se sentem como um peso”.
“Não podemos ver a questão da velhice como formas fragmentárias e formas brutalmente injustas de eutanásia social, de eutanásia familiar, de eutanásia relacional, para além daquela que, infelizmente, está na ordem do dia, a eutanásia propriamente dita. O desafio reside em nós”, aponta.
Bagão Félix fala numa “ética utilitarista” que descarta as pessoas mais velhas e convida a uma alteração de mentalidades.
Nesse sentido, defende que “durante o dia, os idosos deviam estar o mais perto possível das suas famílias e, durante a noite, podiam estar numa situação de segurança e de tratamento junto de instituições”.
O entrevistado elogia o papel dos cuidadores informais e lamenta o impacto do confinamento sobre a vida social e económica.
“Tudo está feito para quem usa smartphones, quem usa iPad, quem tem computadores, quem tem telefones notáveis e quem tem capacidade de locomoção normal. Se nós formos dissecar muitas das medidas, também aí os velhos estão deslocados; não são considerados como deveriam ser”, conclui.
Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)