Fundador da CNIS – Confederação Nacional das Instituições Particulares de Solidariedade Social é o convidado desta semana da Renascença e da Agência Ecclesia
Entrevista conduzida por Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)
Estamos no mês em que há 40 anos, a União das Instituições Particulares de Solidariedade Social elegeu os seus primeiros corpos sociais; e estamos num tempo particular da nossa história, neste contexto atual de pandemia. Quão importante é o setor social para a sociedade, neste momento?
A importância do setor é indiscutível. É agora, como foi sempre. Aliás, a doutrina social da Igreja, toda ela, é um monumento às preocupações sociais da Igreja. Nós temos tantas, tantas reflexões, e escritos de Papas e de muita outra gente.
Mas já agora, uma pequena precisão: Objetivamente eu não fui o fundador da CNIS. Eu era presidente da direção na altura em que se constituiu a CNIS porque nós somos órgãos colegiais. E objetivamente há dois momentos na vida das instituições de solidariedade. Um há 40 anos, quando um conjunto de instituições aqui do Norte, sobretudo, se reuniram e entenderam que deviam organizar-se para melhor poder atuar. E então aí nessa reunião esteve o Padre Marinho, Redentorista, muito acompanhado pelo Padre Orlando, o pároco de Cedofeita; que estiveram na origem da União das Instituições de Solidariedade Social. Depois a vida foi continuando, eu acabei por entrar também para presidente de uma das direções que foi eleita e por lá andei uns anos. E a certa altura vimos que a dimensão dos problemas era muito grande, o número de instituições era muito grande e muito diversificado e entendemos que havia interesse em fazer-se uma confederação, e então nasceu a CNIS.
Por parte das autoridades foi-se registando uma evolução relativamente à importância das IPPSS em Portugal. Hoje esse reconhecimento é cabal?
É. Eu diria que imagina começamos aí com 30 ou 40 e chegamos a 4 mil. Houve de facto um movimento muito grande. Na altura eu lembro-me que falei com o Ministro Silva Peneda – que foi um Ministro que esteve sempre atento a esta realidade – e pedi-lhe que também queríamos um assento no conselho económico e social. E temos lá assento. Portanto, a União e depois a Confederação têm assento onde se fazem as políticas sociais no país. Foi um momento realmente importante, em que as instituições se viram cada mais representativas. Eram tempos difíceis. A maior dos trabalhadores e responsáveis da segurança julgavam-se os donos da massa. Dava a impressão que nos faziam um grande favor, quando nos pagavam parte do muito que nos deviam. E houve muita necessidade de bater o pé, e batê-lo forte.
A constituição da CNIS foi o passo necessário para que as instituições tivessem dimensão mais ampla e ganhassem maior influência política?
Foi necessário, até porque a união faz a força.
Já na altura, o pacote financeiro para apoiar parte dos apoios financeiros que o Estado nunca pagou, nem antes nem agora a totalidade do serviço que era feito, e era necessário termos aquela consciência de instituição representativa. Depois, foi também importante, por um lado, para fortalecer a representação nacional. E por outro, para dar também ao nível de cada distrito uma organização das uniões distritais para que houvesse um crescimento. A força das bases é que depois dá força também a quem as representa e eu gosto que as coisas cresçam para baixo.
A CNIS levou ao pacto de Solidariedade há cerca de 25 anos. Passado este tempo, o sector continua a reclamar por mais apoio e continua a pedir a revisão dos acordos de cooperação, no âmbito das respostas sociais. É um passo decisivo á sobrevivência das instituições?
O pacto foi decisivo, aliás ele foi negociado e falado e autorizado pelo engenheiro Guterres. Foi com ele que nós tivemos longas reuniões. Ele chegou a ir a Fátima, para uma das nossas reuniões, e aí nós entendemos que era necessário – dada a dimensão e a forma de agir de todas as instituições – um instrumento jurídico com muito mais força. O pacto de cooperação veio concretizar uma realidade. Ou seja, em Portugal o Estado não podia mesmo fazer aquilo que era feito e ele (António Guterres) entendeu isso. E, portanto, fez-se esse pacto que não é nenhum favor. Concertaram-se políticas, fizeram-se estudos, em que ficou declarado que o Estado pagaria uma percentagem daquilo que era devido e depois as instituições, as famílias e as comunidades suportariam o resto.
Mas essa percentagem fica aquém das necessidades das instituições?
Na altura, as respostas não eram aquelas que existem hoje. Começamos a fazer progressivamente as respostas em centros de dia, que é uma resposta mais barata. Depois passou-se para lares que é uma resposta com já muito mais custos. E depois passou-se cuidados continuados. Portanto, a natureza e a complexidade e a dimensão das respostas exigiam de facto, para serem bem feitas, mais apoio financeiro. Diriam: as instituições são particulares, o Estado não tem nada que ajudar. Isso é que era doce. O Estado tem de cumprir os compromissos que estabelece e de facto havia uma lógica que era o pagamento até 75 por cento, porque os grandes encargos das instituições são os seus trabalhadores e nós temos a noção de que muitos trabalhadores recebem salários muito aquém daquilo que seria justo pagar-lhes. E essa é uma preocupação que nós temos de ter. Defender quem faz o trabalho social, juntamente com o voluntariado.
Essa tem sido uma preocupação manifestada neste espaço de entrevistas várias vezes. O padre Maia mantém a sua ligação ao setor social. Quais são as suas maiores dificuldades?
Eu vou até dizer-te uma coisa fora da caixa. Nós temos é de encostar o Estado à parede. Eu não gosto de pedir. Encostar o Estado à parede. Por estes dias foi publicado: a União Europeia tem programas de ajuda social aos países como Portugal. Este ano concretamente, o Estado só foi capaz de utilizar 33 por cento das ajudas a que o país que tem direito. Os outros não foram requisitados. Não faz sentido.
Eu encosto o Estado à parede… Não encosto porque eu não tenho essa representação agora. O Estado como Estado, essa gente toda que está em centros distritais… não faz sentido a andar a pedir por esmola, casa a casa; cobertores e coisas, quando o Estado não foi capaz de trazer para Portugal apoios que a União Europeia tem para o país.
E porque é que não se consegue isso, Padre Maia?
Não se consegue porque o Estado é calaceiro. Eu sou um homem livre. O nosso Estado não funciona, não funciona. Ele é muito bom a mandar, a fazer regras, mas não há uma consciência. Eu lamento dizer isso, mas como cidadão livre e atento, digo: o nosso Estado devia empenhar-se muito mais na resposta à ajuda aos mais necessitados. Eu não admito que se ande a pedir por esmolas, aquilo que é devido por justiça social. Nós temos uma lei de bases da segurança social com vários subsistemas e essa lei é da responsabilidade do Estado e da Segurança Social. No meu entender, a Segurança Social é decididamente uma das áreas mais mal servidas no nosso país. Lamento dizê-lo, mas nós poderíamos ter muito melhores serviços sociais. Mas isto que acontece este ano, acontece todos os anos. Fica tanta, tanta coisa por trazer para o país que podia vir.
No combate à pandemia, o sector social e em particular as misericórdias sobretudo através das suas valências na área da saúde podem ajudar a aliviar a pressão que o SNS está a viver. Na sua opinião, ainda não se deram passos mais arrojados, porquê? Por reserva ideológica?
Essa é uma conversa que anda aí na sociedade portuguesa… é evidente que eu sei o que se quer, mas custa-me muito, como cidadão, que neste momento a parte da ideologia ande tão alumiada. Eu sei que há ideologias, sempre as houve, mas vamos lá a ver: a ideologia já acabou com a Educação privada, praticamente, fizeram tudo o que queriam, para a matar; agora, é a saúde…
Eu não tenho partido. Tenho amigos em todos os partidos políticos, mas o meu partido é o humanismo cristão, que é o Evangelho. Na verdade, nem nós fazemos um favor ao Estado, quando ajudamos – é o nosso dever ético -, nem o Estado nos dá nenhuma esmola quando nos faz chegar os pagamentos contratualizados. Esta é a única conversa.
Quem tiver camas e respostas, neste momento, em consciência ética é obrigado a pô-las ao serviço da comunidade. Isto nem é ideologia, faz parte, é ética. Ai de nós se vemos alguém morrer ao nosso lado e não ajudamos. Eu não vou à ideologia, seja o setor privado, social, Igrejas…
Já há casos de igrejas que se ofereceram ao Estado, para que ele possa usar tudo o que for preciso. A tragédia com que o país está confrontado não se compadece com essas coisas ridículas, tacanhas, ideológicas.
Que passo é preciso dar?
O passo a dar é que todos nós, cidadãos portugueses, estejamos devidamente motivados – é preciso ver isso, porque quando se mete a ideologia, de permeio, está-se logo a inquinar uma parte importante do problema -, todos nós, quem tem possibilidade para dar. O Papa Francisco gritou ao mundo e ele foi entendido. O próprio presidente americano (Joe Biden), quando tomou posse, referenciou o Papa e a sua encíclica, somos todos irmãos.
O que precisamos é de ter uma motivação de natureza ética. Eu já estou farto de ver politizar tudo, mas mesmo farto. Politizar tudo…
A ação social da Igreja Católica é, muitas vezes, uma ação assistencial. Falta a consciência cívica para uma maior intervenção nas causas dos problemas socioeconómicos, questionando também o próprio poder político?
Falta. Nós temos na Igreja a dimensão profética, litúrgica e sociocaritativa. Cada comunidade é obrigada, em nome da sua fé, a prestar ajuda àqueles que fazem parte da comunidade, doentes, sobretudo, e outras situações. Isso vai sendo feito, a esse nível, mas depois quando vamos ao nível em que é necessário alargar o horizonte das respostas… Foi por isso que se fez colaboração com o Estado: disponibilizamos recursos, voluntariado, para, com meios do Estado, se poder alargar o âmbito da nossa atuação. Mas é aquilo que eu digo e está muito claro no Evangelho: uma coisa é o anúncio, que nós fazemos; outra coisa, é a denúncia.
No meu entender, há muita coisa a denunciar em Portugal, porque atenta contra a justiça social. E essa denúncia tem de ser feita, por todos os cristãos. A Igreja somos todos, não é só bispos, cardeais ou o Papa. Há aqui uma dimensão de denúncia, que a Igreja terá de fazer, de muitas situações, de certos hábitos, certas práticas, mesmo de quem nos governa. Há aquela frase conhecida, “eles comem tudo e não deixam nada”, isso hoje está a acontecer…
Após a pandemia, a sociedade tem de repensar com mais seriedade a forma como tem tratado os mais velhos, em particular os institucionalizados? Que modelos é possível encontrar?
A situação das pessoas idosas deve merecer-nos uma grande reflexão. Já há muito tempo que isso era necessário, agora é mais. A pandemia tem esse mérito, alguém um dia há de escreve que a pandemia veio deixar algumas lições. Essa coisa de a gente dizer que vai preparar o novo normal… Sim senhor, nós teremos de ir para o novo normal. Sabemos que é graças à ciência que conseguimos dar mais anos à vida e hoje viver até aos 100, 90, é normal. Dar anos à vida tem sido importante, o que nós não estamos a ser capazes é de dar vida aos anos, é de fazer que pessoas mais idosas tenham oportunidades, tenham também uma sociedade organizada. A questão de a reforma ser obrigatória é terrível, a nossa sociedade terá de encontrar outras formas de que as pessoas com mais anos possam não apenas contar com mais anos na sua vida, mas de poder contar com mais vida nos seus anos. É um debate que me parece ser necessário fazer.
Está a decorrer o processo de vacinação contra a Covid. Nos lares a vacinação começou, é um sinal de esperança. Do que conhece, como classificaria todo o processo? Há alguma coisa que poderia ser melhorada?
O que está bem, está bem. Um preito a cientistas. Jesus, na altura, fazia milagres, como Filho de Deus, tinha esse poder de sarar. Ele hoje faz milagres, através da Ciência. A humanidade está a ser abençoada, porque Deus tem pessoas que são as suas mediadoras e a Ciência tem feito essa grande milagre das vacinas.
Agora, é preciso que os homens façam tudo o que depende deles. Eu procuro ser justo e não queria ter a responsabilidade que os Governos têm, é muito difícil.
Estamos no primeiro domingo em que voltam a estar suspensas as Eucaristias públicas. Como olha para a decisão dos bispos portugueses?
Há uma coisa que se chama sentido comum. Esse sentido comum, como diz o povo, ou se tem ou não se tem… Nós, crentes, graças a Deus, temos sentido comum e alguma preparação. É natural que a Igreja queira dar um sinal, ela mesma, de que é bom ter esta precaução e criar todas as condições para que se evitem aglomerações de pessoas.
Anda aí muita gente incomodada com as Missas, mas acho piada, porque eles nem sabem o que é uma Missa. Tive um caso concreto, de alguém, que não ia à Missa, mas tem acompanhado a mulher em casa e perguntou-lhe: ‘Mas a Missa é isto? Afinal não é tão mau’.
Nós não precisamos que nos digam aquilo que nós entendemos como normal fazer.