Serviço Jesuíta aos Refugiados lança «Livro Branco» sobre os obstáculos que enfrentam os imigrantes e refugiados em Portugal, apresentando 170 recomendações
Lisboa, 18 dez 2023 (Ecclesia) – Leonor Félix da Costa, jurista no Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS – Jesuit Refugee Service), defende que o “grande problema para as pessoas imigrantes e refugiadas em Portugal é a burocracia”, associado ao facto de as “entidades públicas não terem “conhecimento da lei”.
“A lei portuguesa está muito bem desenhada, o problema é a prática. A concretização da lei não está a ser muito bem feita pelas entidades”, afirmou.
Para Leonor Félix da Costa, é necessário dar a volta a esta problemática para a “integração das pessoas imigrantes e refugiadas” no país, sendo esta uma questão presente no “Livro Branco 2023”, do JRS, que é lançado hoje, Dia Internacional dos Migrantes, numa sessão online.
“O que nós fizemos com este ‘Livro Branco’ foi expor todos os problemas e os obstáculos na receção e na integração das pessoas imigrantes e refugiadas, e depois a parte mais interessante ainda é: a cada problema e obstáculo fazemos uma recomendação”, explica a jurista.
Com 10 capítulos e 170 recomendações, a obra aborda várias temáticas nomeadamente a ‘nova lei dos estrangeiros’, a extinção do SEF, a proteção temporária, a rede consular e a regularização, acesso a direitos e detenção administrativa, “a proteção de vítimas”, o acolhimento e a ONG.
Apesar de atualmente realizar um trabalho mais “burocrático” como jurista, Leonor Félix da Costa conheceu de perto a realidade dos refugiados ao desempenhar o papel de voluntária num campo de acolhimento.
“Foi uma experiência intensa, estive lá um mês a dormir todos os dias, foi uma experiência muito mais social do que o que eu faço agora, que é um lado mais jurídico, e é importantíssimo. De facto, fiquei a conhecer o povo afegão de uma forma que não há estudos que me iriam dar a conhecer”, conta.
Embora não tenha acompanhado a chegada dos refugiados afegãos a Portugal, Leonor Félix da Costa partilha algumas das histórias que lhe foram chegando.
“Desde os homens que foram fazer a barba, porque mal chegaram a Portugal, só queriam uma gilete para tirar a barba porque não tinham de fingir ser por causa da sua segurança. E as mulheres, muitas mulheres que tiraram a burca e que já podiam ter o cabelo destapado. Foi uma experiência arrepiante e […] que eu vou levar comigo para sempre”, revela.
A jovem indica que viver num campo de refugiados contribuiu para que o trabalho como jurista se tornasse mais humano.
“No princípio, quando comecei no gabinete jurídico, imaginava a cara das pessoas que eu conheci neste campo de acolhimento e havia problemas que são comuns mesmo a imigrantes e refugiados e eu punha a cara daquela pessoa. ‘Esta pessoa também passou por isso, eu estou a fazer isto para esta pessoa’. E é isto, tira a parte abstrata e torna tudo muito mais concreto”, refere.
As várias recomendações apresentadas no “Livro Branco” encontram-se dividas em duas listas, mudanças da lei e mudanças da prática.
Nesse âmbito, Leonor Félix da Costa afirma que o falta para acabar com a exploração laboral é o reforço da fiscalização: “É preciso um grande reforço de recursos humanos. E quem diz a ACT (Autoridade para as Condições de Trabalho) também diz as polícias, a GNR e a PSP”.
A jovem denuncia que persiste “um medo por parte das vítimas de se chegar à frente e fazer queixa”.
“Há um artigo na lei que diz que se um polícia, um GNR, um PSP, se depara com um imigrante em situação irregular, deve detê-lo para depois proceder à sua deportação. E, portanto, qual é o problema? Se um imigrante é vítima de um crime e tem de fazer queixa às autoridades, tem medo de fazer queixa às autoridades porque senão vai ser deportado”, esclarece.
O Serviço Jesuíta aos Refugiados tem como missão ‘Acompanhar, Servir e Defender’ pessoas imigrantes e refugiadas em situação de particular vulnerabilidade, atualmente presente em 56 países do mundo, sendo que em Portugal iniciou atividade em 1992.
PR/LJ