Sinto-me povo e português porque universal

Ser português hoje não se reduz unicamente ao acto de ter nascido no solo pátrio! – realça o Pe. Rui Pedro Como acontece visivelmente nas sociedades europeias hodiernas também o país se encontra envolvido num rápido, global e diversificado processo de “mestiçagem” cultural, musical, religiosa, social e, mais recentemente também ortográfica! E, a novidade a reter é: o processo em curso não se dá mais apenas e somente fora das fronteiras – como sempre aconteceu, quer nos territórios coloniais, quer nas Comunidades emigradas – mas, nos últimos trinta anos, acontece naturalmente dentro do próprio território nacional: continental e insular. Ser português hoje não se reduz unicamente ao acto de ter nascido no solo pátrio! Com efeito, com a Revolução democrática de Abril – fruto tardio do Maio de 68 – as diásporas portuguesas e crioulas do mundo voltaram fielmente a casa e sentaram-se à mesa comum. Muitas, como o filho pródigo do Evangelho, voltaram ao adro da casa de onde partiram há séculos em busca de um Portugal mais farto, sorridente e livre. Umas retornadas, outras refugiadas, outras ainda violentadas no percurso de felicidade, todas foram acolhidas como irmãs legítimas empobrecidas porque sangue da mesma carne, alma da mesma imortalidade lusa, língua da única história intercultural. Mas, todos considerados portugueses porque filhos e netos daquela mobilidade humana colectiva, fruto da singular expansão marítima, militar e política, produto da nacionalidade global profundamente baseada na ideia de um “povo de muitas raças”. Um povo que, pelo mundo, honra a língua do ilustre Luís de Camões, a cruz libertadora de Cristo, o fado encantado que lamenta destinos e o logotipo das quinas do estandarte luso. Ser português é partilhar uma história de universalidade alimentada por encontros e desencontros com outros povos! Portugal sempre teve portugueses em diáspora! Sempre foi também o Portugal das Comunidades! E, ao que me é dado constatar, nos últimos anos, aumenta o fluxo de saída favorecido pelas novas mobilidades do espaço europeu e pela crise económica e familiar – desemprego, endividamentos e divórcios – que o país atravessa sem estratégias eficazes. Os “novos” emigrantes são sinal do lugar fundamental que as diásporas sempre ocupararam no seio da vida e sustentabilidade nacional ao longo dos vários momentos históricos. O país não se auto-compreende, não se afirma no estrangeiro, nem se auto-sustenta económica e culturalmente como povo sem os portugueses ausentes: sejam emigrantes por razões de trabalho, cultura, diplomacia, solidariedade ou evangelização. Portugal seria, sem dúvida, mais pobre sem as grandes figuras: do cônsul desobediente Aristides de Sousa Mendes; do bispo de Mariana, D. António Ferreira Viçoso, defensor dos direitos dos escravos no Brasil; do desconhecido empresário António F. Pedro, talentoso e honesto homem de negócios assassinado na diáspora, só para citar três nomes pouco conhecidos do grande público. Mas, quantos por esse mundo além honraram e continuam a honrar com o testemunho de vida o nome e a língua do país no maior anonimato, longe das medalhas de mérito que o país vai atribuindo simbolicamente a alguns! Ser português é celebrar Portugal com patriotismo e gratidão pelas façanhas dos homens e mulheres das múltiplas diásporas! Nas minhas itinerâncias missionárias tenho constatado que certos dias “nacionais” são vividos com maior intensidade afectiva e euforia patriótica pelos portugueses das Comunidades do que pelos compatriotas que residem no País. Incomoda-me a indiferença irresponsável e burguesa, assim como a crítica fácil e distante de alguns compatriotas perante certos eventos e decisões históricas do País. Ao não se identificarem com a história e progresso do país buscam, no entanto, um lugar ao sol isentando-se da nova epopeia colectiva na qual Portugal se encontra irmanado com outros parceiros no seio da União Europeia e CPLP. Encontro também pessoas que passam a vida a lamentar-se de ter nascido no lado ocidental da península ibérica. Preferiam ter nascido no vizinho Reino de Espanha para, numa qualquer comunidade autónoma, serem mais ricos e parte de uma nação com poder superior, apesar de menos unida como identidade nacional. O dia de Portugal e das Comunidades, vivido sob a inspiração e lusitanidade do padroeiro Camões, convida todos os portugueses: com passaporte e bilhete de identidade, os portugueses de coração e cultura; os descendentes com nacionalidade ou não, os “novos” portugueses brancos eslavos, negros ou indianos crioulos, mestiços do mundo lusófono, os ciganos; os portugueses com diversificados sotaques e apelidos; os portugueses que pagam impostos e os ainda castigados pela dupla tributação porque emigrantes; os portugueses de credo católico e de outras religiões no pleno uso da liberdade; os portugueses do continente e os das regiões autónomas da Madeira e Açores, a comprometerem-se, de forma colectiva, na construção participada de um país mais justo socialmente, igual economicamente, dialogante culturalmente, inovador tecnologicamente, tolerante religiosamente, acolhedor para quem até nós emigra ou visita, seguro, não violento, e ético a nível da política e da legitima laicidade. Com esta consciência aberta é preciso, portanto, continuar a “desmistificar” nacionalismos, separatismos e laicismos exacerbados, tacanhos, demagógicos e adversários que reinvidicam identidades ressuscitando fantasmas que só alimentam racismo, xenofobia e violência monólogas. Ser português é não aceitar ser encerrado num esteriótipo do passado, mas entender-se como plural, ecuménico, aberto, curioso: pessoa de diversas e contemporâneas pertenças! Quem como eu é português na diáspora – e somos mais de 5 milhões! – sente esta data com grande emoção e orgulho. Na verdade, quando se está longe da pátria por opção, missão ou exílio todos os símbolos da nação amada – a bandeira nacional, a religiosidade popular, o desporto, a gastronomia, a música, as tradições aldeãs, a literatura, entre outros – assumem uma importância incomensurável. De facto, sem eles, a identidade das raízes faz de nós uma árvore ao sabor do vento que não partilha a sombra e frutos com ninguém. A “integração”, exigida pela maioria quando não se vive na própria terra, mais que processo social, administrativo e linguístico é, antes de tudo, viagem simbólica e existencial integrada num processo de participação gradual e biunívoca assente em adequadas pontes de comunicação e interacção de partes iguais que aceitam o diálogo da vida, trabalho, ambição, família, religião, tradições e valores. E, porque “Portugal será o que fizermos dele”, para iluminar o compromisso dos cristãos neste Ano europeu do Diálogo cultural, termino com as palavras ousadas e abrangentes dos nossos bispos que conhecem as diásporas católicas portuguesas porque as visitam e as apoiam com missionários: “ (…) ser português é mais que uma realidade política, étnica, ou geoeconómica; é uma alma que nos identifica, uma maneira de estar no mundo que nos define, um projecto que nos galvaniza, apesar da sua utopia. Portugal é a ousadia de um Povo (…). Um futuro para Portugal há-de medir-se pela capacidade de construir pontes entre as culturas, de pôr os homens em diálogo, de contribuir para o progresso da humanidade concebida como uma única família humana”. (cfr. Carta Pastoral da CEP, Responsabilidade solidária pelo bem comum, 33). Pe. Rui Pedro Missionário Scalabriniano

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