Padre José Melo, Diocese de Lamego
Nos últimos anos a referência à sinodalidade tem tido grande relevo na vida da Igreja. Entre outras razões, porque o Papa Francisco, em ordem à celebração da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, em outubro de 2023, desencadeou um processo sinodal inédito iniciado em outubro de 2021, sob a referência «Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão».
Ao longo da história a dimensão sinodal expressou-se fundamentalmente em sínodos e concílios marcados pela necessidade de resposta, por parte dos responsáveis eclesiais a questões de ordem teológica ou prática. Hoje, sem desvalorizar e apreciar essas expressões sinodais, respira-se uma consciência mais envolvente, já presente no alvorecer da Igreja. A Igreja é chamada a cultivar um estilo de vida sinodal, caraterizado por um caminhar juntos na busca constante de um sentir comum.
Mas tal, dentro de critérios muito concretos e específicos, que podemos referir como eclesiais. E esses encontramo-los na primeira expressão sinodal significativa na história da Igreja, a eleição de Matias. (cf At1,15-26) A comunidade estava reunida, em clima de oração, numa atitude de escuta. Depois do enquadramento que Pedro fez em relação à situação a resolver – a escolha de quem iria ocupar o lugar de Judas no Colégio dos Doze – referiu os critérios a ter em conta para tal: experiência de Jesus Cristo, como discípulo com os outros discípulos, vontade e disponibilidade para a missão nobre de «serem testemunhas da Sua Ressurreição». Perante a dificuldade em optar por um dos dois escolhidos pelos presentes, (At 2,3), veio ao de cima o espírito de oração que perpassava no coração de todos, entregando a Deus a última palavra na decisão: “Senhor, Tu que conheces o coração de todos, indica-nos qual destes dois escolhestes, para ocupar no ministério apostólico, o lugar ocupado por Judas…” (At 1, 24) E a sorte caiu em Matias.
A esta luz percebemos a sinodalidade como dimensão fundamental que perpassa todo o tecido eclesial, comtemplando a envolvência de todos, num processo de escuta, acolhimento e partilha do sentir de Deus em cada coração, em ordem à vida e missão da comunidade eclesial.
A comunidade cristã, hoje, é desafiada a desenvolver e concretizar processos de conversação no Espírito, que permitam articular as sensibilidades de todos e de cada um, num caminho de discernimento em que, pouco a pouco, vão diminuindo ou esbatendo as resistências e motivações pessoais para vir ao de cima o que é essencial e determinante na resposta a Deus: a fidelidade ao amor, numa fraternidade aberta a todos. E esse caminho só pode ser de escuta e obediência ao Espírito, como no-lo testemunham os Atos dos Apóstolos. Na resposta a alguns que queriam impor a circuncisão aos cristãos vindos dos pagãos, “os Apóstolos e os Anciãos reuniram-se para examinarem a questão” (At 15,16) e usaram esta referência: “O Espírito Santo e nós próprios resolvemos não vos impor outras obrigações além das indispensáveis…” (Cf At 15…)
Ao olharmos para dois, de entre outros objetivos referidos no documento preparatório «Para uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão», percebemos a preocupação de renovar o tecido eclesial, na fidelidade ao Evangelho. Ei-los:
– «examinar como são vividos na Igreja a responsabilidade e o poder, e as estruturas mediante as quais são geridos, destacando e procurando converter preconceitos e práticas distorcidas que não estão enraizadas no Evangelho»
– «credenciar a comunidade cristã como sujeito credível e parceiro fiável em percursos de diálogo social, cura, reconciliação, inclusão e participação, reconstrução da democracia, promoção da fraternidade e da amizade social»
Não vislumbramos aqui importantes desafios para reconfigurar o nosso tecido eclesial e tornar mais credíveis, evangelizadas e evangelizadoras as nossas comunidades paroquiais, no testemunho de Jesus Cristo Ressuscitado?
Pe. José Melo
Pároco de Figueira e de Valdigem, membro do Cabido e do Colégio de Consultores