Sinais vivos da vida ressuscitada

Homilia do Bispo do Porto no DOmingo de Pentecostes Amados irmãos e irmãs Aqui nos encontramos de novo, na novidade constante do Espírito de Deus. Aqui nos encontramos decerto, para a experiência legítima e autenticamente cristã da presença do Ressuscitado entre os seus; e seus porque vivem do mesmo Espírito que Ele recebe do Pai e nos comunica a nós. Nenhum de nós, de facto, nenhum de nós, amados irmãos e irmãs estaria hoje aqui, nesta bendita catedral do Porto, se o Espírito Santo de Cristo e do Pai não o trouxesse cá… Claro que poderíamos pensar mais ou menos assim: vim para cumprir o preceito dominical. E estaria certo. Ou também assim: vim porque é Pentecostes, e quero concluir o tempo pascal com o meu bispo, na sua e nossa catedral. E seria louvável. Ou ainda: vim para ser crismado, ou para acompanhar algum familiar ou amigo que o vai ser nesta celebração. E tudo estaria bem e consequente. Ainda que não bastasse. Não bastaria, realmente. Porque nada explicaria que, ano após ano, século após século, quase dois milénios depois, tantos nos reuníssemos por um motivo humanamente tão gratuito e socialmente tão inusitado. Ou seja, para lembrar algo acontecido com um pequeníssimo grupo de discípulos de um jovem rabi judeu, que tinha sido crucificado e sepultado. Nada explicaria esta celebração, pois nunca tal aconteceu com acontecimentos muito mais vistosos e até espectaculares, lembrados durante alguns anos e olvidados depois pela inevitável “lei da morte”. Estamos então aqui, amados irmãos e irmãs, porque a autêntica “atracção universal” do Espírito Santo de Deus nos traz aos sinais vivos da presença de Cristo, vencedor da morte e restaurador de toda a existência da humanidade e do mundo. O Espírito que procede do Pai, para nos conduzir a Cristo; o Espírito que procede de Cristo, para nos reconduzir ao Pai, incluindo-nos assim na comunhão da vida íntima de Deus, de onde tudo parte como dom, aonde tudo se realiza como finalidade e sentido. E porque Deus não é um princípio abstracto e só, mas uma vida partilhada e dinâmica, circulando entre o Pai e o Filho no amor mútuo do Espírito, é que apenas em comunhão O podemos experimentar também, na vida circulante entre todos nós, aí sim, à “imagem e semelhança” de Deus. Quer isto dizer, em Igreja. Oiçamos então, releiamos de novo: “Na tarde daquele dia, o primeiro da semana, estando fechadas as portas da casa onde os discípulos se encontravam, com medo dos judeus, veio Jesus, apresentou-Se no meio deles e disse-lhes: ‘A paz esteja convosco’. Dito isto, mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem o Senhor”. Até aqui a experiência pascal, como nunca mais a deixámos de fazer. E atenção ao evangelista: diz-nos que era o primeiro dia da semana, ou seja, o dia a seguir ao sábado judaico, que para nós passou a ser o Domingo, palavra que quer dizer “Dia do Senhor”; diz-nos também que estavam cheios de medo e de portas fechadas, coisa perfeitamente natural, pois lhes tinham tirado e morto o seu Jesus e era sempre possível fazerem-lhes o mesmo a eles; e ainda – e sobretudo – que, espanto dos espantos, eis que, mesmo continuando as portas fechadas, O viram ali, no meio deles, com os sinais da sua morte, mas pleno de vida e irradiando paz… Foi assim com eles, naquele primeiríssimo dia. É assim connosco, precisamente assim, neste dia de Páscoa e Pentecostes, nesta igreja catedral e sempre e onde, em toda a redondeza do mundo, se reunirem discípulos de Cristo. Conforme a promessa: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, Eu estarei no meio deles”. – Então e os medos, não os temos também? Então e as portas, não as temos trancadas? Não falo dos medos de há dois milénios, falo dos de agora. Não aponto as portas grandes desta catedral, adivinho sim as dos corações… Caríssimos irmãos, estimados crismandos: como são grandes, certas e definitivas a liberdade e a alegria cristãs! Brotam da vitória de Cristo sobre a morte, vitória verdadeira sobre uma morte igualmente real e atroz. O Ressuscitado trazia as chagas que não iludira; eram agora sinais de vitória. Da vitória dum amor total e vitorioso, que enchera de vida um abismo de morte, a que aliás não fugira. E eles ficaram cheios de alegria, vendo-O precisamente assim. Como nunca mais deixaram nem deixamos de ficar, finalmente livres dos últimos medos. Caríssimos irmãos e crismandos, tendes em cada altar imagens de santos e santas, de tempos e lugares tão variados. Une-os a todos – fossem apóstolos, fossem mártires, fossem da sua terra ou de fora, fossem novos fossem velhos -, une-os a todos a vitória de Cristo sobre a morte, que os fez vencê-la também, assim como aos medos reais e imaginários que sempre nos agoiram a vida. Une-os a todos o amor de Cristo, que os tocou e sarou, que os levantou e fez partir, ao encontro do Pai e dos irmãos, na lufada revigorante do Espírito. Do Espírito que aqui nos trouxe, do Espírito que dentro de momentos vos confirmará também. Sendo jovens, sabeis como a liberdade seduz a imaginação e parece justificar tudo e mais alguma coisa. Sabeis até como o abuso dela se torna no seu contrário, fazendo-nos realmente cativos do que a destrói e nos destrói a nós. Falo da liberdade como mera disponibilidade para fazer isto ou aquilo. Fraca liberdade, grande caricatura… Mas, sendo cristãos, sabeis sobretudo da grande alegria que os primeiros tiveram, quando experimentaram a liberdade de Cristo, toda preenchida das vitórias do amor, porque “a felicidade está mais no dar do que no receber”, como Ele fez e disse. A esta descoberta essencial os levou também o Espírito. Ouvimo-lo de seguida: “Jesus disse-lhes de novo: ‘A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós’. Dito isto, soprou sobre eles e disse-lhes: ‘Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos’”. A paz, de novo e sempre. A paz, que unicamente se estabelece no amor que vence a morte. Não chega a dos tratados, se não há a dos corações. E o perdão, igualmente, pois não há paz nos corações que não perdoam. O rancor, o desejo de vingança, os mil pretextos duma justiça demasiado curta, onde não caiba a recuperação do outro, tudo nos envenenaria a alma e nos tiraria inexoravelmente a paz. A paz do Ressuscitado e dos que nele começam a ressuscitar também, é a da reconciliação com Deus e com os outros, ou seja, a do perdão dos pecados. Há no mundo, no grande e no pequeno mundo, da cena internacional às comuns realidades da sociedade, das empresas, das escolas e das famílias, muito conflito de interesses, muita contradição de projectos, muita chaga mal sarada… A Páscoa de Cristo, o Pentecostes do seu Espírito, a vontade salvífica do Pai respondem a tudo isso, comunicando-nos as virtudes teologais da fé, da esperança e da caridade. Por isso o Espírito que recebereis no sacramento vos fortalecerá, caros crismandos, para serdes em cada tempo e circunstância, na vossa comunidade cristã e na vasta sociedade do mundo, sinais vivos da vida ressuscitada, da alegria plena e da reconciliação pacificadora. Não é pequena a missão. Também por isso, a Páscoa de Cristo e o Pentecostes do Espírito não acabam nunca. Serão a vossa força. Como o é agora a nossa oração unânime. Igreja Catedral do Porto, 27 de Maio de 2007 + Manuel Clemente, Bispo do Porto

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