Ser também Cardeal

Os depoimentos que seguem são do outro Cardeal Português: D. José Saraiva Martins. Por iniciativa da Agência Ecclesia, responde a questões que relacionam ser Bispo com ser Cardeal. Outra dimensão do episcopado de D. José Policarpo. Agência Ecclesia – Ser cardeal acrescenta o quê ao ser bispo? Cardeal Saraiva Martins – Há que distinguir entre sacramentalidade e serviço. Sob o ponto de vista da sacramentalidade, não acrescenta nada; sob o ponto de vista do serviço eclesial, sim. O cardinalado, em si, nada tem a ver com o episcopado. Se muita gente considera o cardinalado como um grau na carreira eclesiástica, acima do arcebispo e imediatamente antes de Papa, um conhecimento mínimo de teologia sacramental mostra que os graus do sacramento da Ordem são três: diaconado, presbiterado e episcopado. Os cónegos e os monsenhores são simples presbíteros: os cónegos são sacerdotes que exercem um determinado serviço de colaboração com o bispo no governo da diocese, e os monsenhores são sacerdotes a quem a Santa Sé, a pedido do respectivo Bispo, concede uma determinada honorificiên-cia. Os cardeais são bispos e, antes do Pontificado de João XXIII, até podiam não sê-lo; havia-os que se mantinham simples diáconos ou presbíteros. O próprio Papa é um bispo, o Bispo de Roma, que, como tal, tem o carisma do ministério petrino, ou seja, o de ser Pastor da Igreja Universal. Com a chamada a Reforma Gregoriana, no século X, o Papa rodeou-se de eclesiásticos eminentes, alguns monges, provenientes de fora de Roma, para o ajudarem na implementação da Reforma. Para tal efeito, não lhe bastavam as normais estruturas diocesanas da Igreja Romana. Esse grupo de colaboradores foi incardinado no clero de Roma, donde o nome de cardeais. Alguns tornaram-se titulares das sedes suburbi-cárias, ou seja, das dioceses dos arredores de Roma; outros tornaram-se titulares de paróquias de Roma e outros de diaconias da mesma. Eis porque o colégio cardinalício ainda hoje mantém os três graus: bispos, presbíteros e diáconos. Dada a importância que o cardinalado foi assumindo através dos tempos, sobretudo na eleição dos Papas, a dignidade e responsabilidade foi estendida a bispos residenciais, ou em virtude da importância da sede ou da benemerência do titular. E assim, apareceram bispos que são ao mesmo tempo cardeais. É o caso, em Portugal, do Patriarca de Lisboa, que desde há muito é elevado à dignidade cardinalícia. Há cardeais, como é o meu caso, que não têm a seu cargo o governo de uma diocese; colaboram com o Papa de forma ordinária no governo da Igreja Universal, em geral presidindo a algum Dicastério da Santa Sé. E há cardeais, como o Senhor Patriarca de Lisboa, cuja responsabilidade imediata e ordinária é a governação de uma diocese, mas que, como cardeais, são chamados, em determinados momentos, a prestar a sua colaboração ao Papa, ou participando em especiais reuniões dos Dicastério da Cúria Romana de que fazem parte, ou noutras para que são, vez por vez, convocados pelo Santo Padre, ou então no conclave de eleição do novo Papa. Portanto, o ser cardeal, por si, nada acrescenta ao ser bispo. Acrescenta sim, seja ele bispo ou não, uma responsabilidade especial de colaboração no exercício do ministério petrino. AE – Sendo Cardeal, o Bispo deixa de ser exclusivamente de uma diocese? Tem que olhar também a Igreja Universal? CSM – É uma pergunta que tem resposta na precedente. Vamos ao caso concreto do Senhor Patriarca de Lisboa. Nas responsabilidades de bispo da diocese, nada mudou com a sua elevação ao cardinalado. Era Bispo de Lisboa e como tal continuou. Os seus colegas no episcopado, os bispos das dioceses portuguesas, não alteraram em nada as suas relações e situações com o novo cardeal. Se alguma dependência existia e continua a existir é enquanto metropolita, pois Lisboa é sede metropolita, como Braga e Évora, de que dependem em certas atribuições as dioceses sufragâneas. Como cardeal, o Senhor Patriarca passou a assumir uma nova responsabilidade de respiro universal, que é a de colaborar com o sucessor de Pedro no pastoreio da Igreja Universal, e nas formas estabelecidas pelas normas canónicas. A comparação pode ser imprópria, mas serve para dar uma ideia: é como um professor de uma disciplina, que acumula outra; a primeira deixou de ser exclusiva. AE – Qual a sua opinião acerca destes 25 anos de Episcopado do Cardeal Patriarca de Lisboa? CSM – É uma efeméride digna de ser celebrada, bem como o seu serviço episcopal de 25 anos, todos eles dedicados ao Patriarcado de Lisboa, primeiro como bispo auxiliar e, de há uns anos a esta parte, como Patriarca. Os jubileus são marcos muito significativos na vida das pessoas e das instituições. Já vêm dos tempos bíblicos. Celebram-se os aniversários e dá-se particular relevo a alguns deles: 25, 50, 75, 100 anos… Celebram os consagrados os seus jubileus de profissão religiosa, os sacerdotes os da ordenação sacerdotal, os casados os de matrimónio. Estas comemorações são ricas de significado; não só servem para homenagear o festejado, mas também para revitalizar o acontecimento assinalado: a vida consagrada, o sacerdócio ou o episcopado, a vida matrimonial, etc. Procura-se evocar a graça que se celebra. Assim, o jubileu torna-se um acontecimento enriquecedor para o homenageado e, em certo sentido, também para os homenageantes. No caso concreto dos 25 anos de episcopado do Senhor Cardeal Patriarca, a celebração jubilar serve também para realçar a figura e o múnus do bispo na Igreja local. Consta-me que as diversas forças vivas do Patriarcado têm procurado celebrar o acontecimento de forma eclesial. Certamente não faltarão frutos de vitalidade para a Igreja diocesana. Nesse sentido, o jubileu episcopal do Senhor D. José Policarpo, como o do Santo Padre no próximo Outubro, são graças bem-vindas, que se tem de aproveitar. AE – Que sintonia e cumplicidades existem entre os dois Cardeais portugueses? CSM – A pergunta parece ter um quê de sindicato, como se os cardeais estivessem ao serviço das próprias nações ou fossem os garantes dos interesses destas junto do Santo Padre ou no governo da Igreja Universal. Houve tempos em que havia os chamados cardeais da coroa; tempos em que os inspiradores e solicitadores de muitas criações cardinalícias eram os soberanos. Graças a Deus que esses tempos passaram. O Senhor Cardeal Patriarca tem a sua personalidade, a sua riqueza intelectual e de experiência pastoral, e são dessas de que o Santo Padre e a Santa Sé se servem. Da minha parte, também tenho alguma experiência, o meu modo de ser, que ponho ao serviço dos mesmos. Portanto cumplicidades, no sentido acima dito, propriamente não as há. Sintonias, deixo aos outros descobri-las e apreciá-las. É evidente que existem pontos comuns entre nós dois: somo ambos portugueses, filhos e intérpretes da lusitanidade e da nossa rica História, também eclesiástica. Somos ambos especializados em Teologia e no nosso curriculum exercemos em tempos a actividade docente: o Senhor Cardeal Patriarca na Universidade Católica Portuguesa e eu na Pontifícia Universidade Urbaniana. Quando se nos dá a oportunidade de um encontro ou de participarmos nalguma reunião comum, é sempre com prazer que me entretenho com o Senhor Cardeal D. José Policarpo e é com interesse que o escuto. Sinto por ele sincera e profunda estima. Aproveito o ensejo para felicitá-lo pelo seu Jubileu de episcopado, pedindo ao Senhor que lhe dê luz e força para continuar a servir de forma tão digna e frutuosa a Igreja que tem a seu cargo, Portugal e a Igreja Universal.

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