D. António Carrilho, presidente da Comissão Episcopal do Laicado e Família Diário do Minho (DM) – Vai realizar-se, em Braga, de 9 a 12 de Março, uma Semana Social nacional, por iniciativa e da responsabilidade da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), através da Comissão Episcopal do Laicado e Família (CELF). Uma iniciativa da Igreja, porquê? D. António Carrilho (AC) – Semana Social insere-se na tradição das Semanas Sociais Portuguesas, que tiveram, até esta data, duas séries de realizações: a primeira de 1940 a 1952, a segunda desde 1991, tendo-se realizado a última em Novembro de 2001. A nossa experiência insere-se, por sua vez, numa experiência da Igreja noutros países, nomeadamente na França, onde as primeiras Semanas Sociais se realizaram em 1904, tendo-se comemorado já o seu centenário. Porquê estas iniciativas da Igreja? – Uma questão de consciência das suas próprias responsabilidades sociais, tanto mais quanto os documentos dos Papas, de Leão XIII a João Paulo II, foram desenvolvendo uma doutrina social católica, que aponta, desde a formação da sociedade industrial no século XIV, para a necessidade de uma nova ordem social, de uma estrutura de sociedade em moldes novos. O compromisso social é uma exigência da vida cristã dos leigos, acentuada pelo Concílio Vaticano II e em documentos posteriores do Magistério da Igreja. Ainda muito recentemente, o Papa Bento XVI recorda, na Carta Encíclica “Deus é Amor”, que «o dever imediato de trabalhar por uma ordem justa na sociedade é próprio dos fiéis leigos. Estes, como cidadãos do Estado, são chamados a participar pessoalmente na vida pública. Não podem, pois, abdicar “da múltipla e variada acção económica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover, orgânica e institucionalmente, o bem comum!” Por conseguinte, é missão dos fiéis leigos configurar rectamente a vida social, respeitando a sua legítima autonomia e cooperando, segundo a respectiva competência e sob a própria responsabilidade, com os outros cidadãos». O Papa Paulo VI dizia que os documentos do Concílio Vaticano II constituem o Catecismo do Nosso Tempo… Agora dispomos, também, do Compêndio da Doutrina Social da Igreja, redigido pelo Conselho Pontifício Justiça e Paz e publicado em 2004. São dois instrumentos indispensáveis na formação dos leigos, para que eles se assumam como tais na Igreja e no mundo de hoje. Uma formação que a CELF não pode deixar de promover e apoiar. DM – As Semanas Sociais anteriores foram, de facto, bem sucedidas e tiveram o impacto desejado na vida da Igreja e na Sociedade portuguesa? AC – Creio que sim: um bom impacto, se não em todas as Dioceses, em muitas delas. Até pelo método seguido, associando as comissões diocesanas à escolha do tema, à dinamização do debate prévio, ao recrutamento dos participantes, ao trabalho da Semana, ao “retorno” às Dioceses das “conclusões” ou linhas de orientação encontradas. Um dos objectivos era a constituição de Equipas que “animassem” o Laicado de cada Diocese na atenção aos problemas humanos e sociais locais e à proposta de soluções/compromisso, de acordo com a Doutrina Social da Igreja. Numa primeira fase, talvez se tenha conseguido um impacto mais forte, até por não serem ainda muitas as iniciativas pastorais neste domínio. Surgiram, entretanto, múltiplas actividades no âmbito da Pastoral Social da Igreja: iniciativas do Secretariado Nacional respectivo, da Cáritas Nacional, da Comissão Nacional Justiça e Paz, da Comissão Nacional da Pastoral Operária, da Associação Católica de Empresários e Gestores (ACEGE), da Pastoral dos Migrações, da Pastoral Familiar e de outras associações e movimentos de cristãos. Importa, agora, assegurar uma eficaz articulação entre todos, no respeito institucional e pastoral de cada organismo, mas de modo a conjugar esforços, evitar duplicações, abrir espaços para a inovação e a criatividade, assegurar uma reflexão e compromisso conjunto sobre temas de interesse comum. DM – Justificam-se, assim, ainda hoje, as “Semanas Sociais Portuguesas”, no seu sentido inicial? Ou com novas formas e novos objectivos? AC – Justificam-se, sem dúvida, dentro dos princípios que acabo de referir, ao apontar para a inovação e a criatividade, quanto às formas e processos, novos modelos a descobrir e pôr em prática, tendo em vista a aplicação da Doutrina Social da Igreja a situações de particular importância, em diálogo com os diversos agentes sociais. Como disse, as novas Semanas Sociais Nacionais apontam, assim, para temas de interesse geral e comum, capazes de mobilizar os agentes da acção social da Igreja e quantos têm especiais responsabilidades na vida social e política do nosso País. Um tema motivador e mobilizador pela sua actualidade e por toda a sua envolvência: que não se limite a questões pontuais e de menor importância, mas considere questões estruturais da nossa sociedade; e que possa contar com um número alargado de técnicos e especialistas das diversas áreas em questão. Como escreve o Papa Bento XVI, «na difícil situação em que hoje nos encontramos, também por causa da globalização da economia, a Doutrina Social da Igreja tornou-se uma indicação fundamental, que propõe válidas orientações muito para além das fronteiras eclesiais; tais orientações – face ao progresso em acto – devem ser analisadas em diálogo com todos aqueles que se preocupam seriamente com o ser humano e o seu mundo». DM – É o caso do tema desta próxima Semana Social… AC – Sim, sem dúvida! O tema “Uma Sociedade Criadora de Emprego” já tinha uma particular acuidade, quando foi escolhido há cerca de um ano; neste momento, porém, apresenta- se com uma urgência maior, uma verdadeira “emergência” nacional, perante os números que acabam de ser divulgados pelo INE: quase 500 mil desempregados, o número mais elevado desde há 20 anos e com tendência para aumentar. Há que congregar aqueles que maiores responsabilidades têm na definição de orientações e políticas sociais, os técnicos e estudiosos destas matérias, os que têm desenvolvido experiências significativas, que possam ser partilhadas – há que congregar todas estas pessoas e com elas promover um debate sério e aberto, sem preconceitos nem interesses que não sejam uma justa evolução da sociedade na perspectiva do bem comum. O problema do emprego/desemprego não é uma questão pontual: tem a ver com o modelo de sociedade que temos e a forma de integrar e relacionar os agentes económicos, tendo em atenção a dignidade humana, do homem e da mulher, e o valor da família, como célula base da Sociedade. Em todos estes domínios a Igreja aponta princípios e apresenta projectos, capazes de mobilizar e comprometer o Laicado. DM – Que mensagem gostaria de deixar para os nossos leitores, em vista desta Semana Social Nacional? AC – Em primeiro lugar gostaria de dizer que é uma oportunidade a não perder por aqueles que têm responsabilidades nas questões sociais ou se interessam por elas, pelo Laicado Católico em geral – oportunidade de debater um problema de grande dimensão na nossa sociedade, de aprofundar a Doutrina Social da Igreja, de esclarecer pontos de vista e partilhar experiências, em ordem a um maior compromisso de intervenção na vida pública, nas estruturas sociais e eclesiais. Conforme disse em recente entrevista, gostaria, por outro lado, que esta Semana Social tivesse impacto e consequências práticas na vida nacional, que se abrissem perspectivas e encontrassem propostas, no quadro da Doutrina Social da Igreja, para se criar uma dinâmica de “Sociedade criadora de emprego”. Aponta bem nesse sentido a qualidade e a competência do vasto elenco de oradores e moderadores de debates, pessoas públicas de diversos quadrantes e experiências. Entre eles se contam Jacques Delors e o Cardeal Renato Martino, presidente do Conselho Pontifício Justiça e Paz. A expectativa é grande e são muitas as razões de esperança, para que o debate possa conduzir à descoberta de novos caminhos e propostas no domínio empresarial e do trabalho.