António Catana estuda tradições que considera únicas no país
Lisboa, 15 abr 2019 (Ecclesia) – As tradições da Semana Santa em Idanha-a-Nova constituem para o especialista António Catana um caso único em Portugal, apresentando um “conjunto admirável e diversificado” de celebrações que desafiam a noite e o frio, num cenário dominado pelo negro.
“Não é para teatralizar, é amor, é o amor popular a Cristo e à sua Mãe, Maria”, refere o autor à Agência ECCLESIA, em entrevista transmitida hoje na RTP2.
O afastamento dos centros urbanos, a iliteracia, a implantação cristã e o empenho de leigos e sacerdotes na transmissão da memória explicam a persistência destas tradições numa região desertificada.
Este concelho raiano do distrito de Castelo Branco (Diocese de Portalegre-Castelo Branco) “é de uma riqueza extraordinária” nas manifestações de piedade popular, assinala o autor do livro ‘Mistérios da Semana Santa em Idanha’.
As celebrações atingem o auge a partir de Quinta-feira Santa à noite, especialmente nas freguesias de Proença-a-Velha e Segura, com as cerimónias do encontro do Senhor e do lava-pés (com organização a cargo da Santa Casa da Misericórdia).
Idanha-a-Nova alberga, assim, um conjunto “admirável” de práticas e expressões religiosas no Ciclo da Páscoa, que contempla à volta de 90 dias, desde a Quarta-feira de Cinzas ao Domingo de Pentecostes, alimentadas por “nove irmandades” das Misericórdias.
Responsável por uma investigação de quatro anos nas 17 freguesias do concelho situado junto à fronteira com Espanha, António Catana sublinha uma proposta diferente em tempos de globalização, realçando que muitas pessoas “aproveitam esta época para estarem presentes” na sua terra.
“As pessoas não vêm para assistir”, precisa.
A temática da dor e do sofrimento domina os “cantares”, dos martírios ou da encomendação das almas; durante as semanas da Quaresma, o Ladoeiro tem a procissão dos homens que, em cada sexta-feira junta muitas pessoas; a procissão dos penitentes (Sexta-feira Santa) é reservada aos homens e as mulheres ficam em casa, por detrás das janelas, acendendo velas e candeias.
Cerimónias que António Catana acompanha desde criança, com “gente muito simples, muito humilde”, que nas suas tradições apresenta “a riqueza da sua humanidade, da sua fé”.
Em qualquer das 17 paróquias da região, a herança dos ritos e cantos religiosos tem sido preservada por “uma mão cheia de guardiões e guardiãs”, que a sabem transmitir com “amor, devoção e respeito, contagiando cada vez mais os visitantes”.
Quatro paróquias acolhem, por exemplo, a ‘Ceia dos 12’, na Quinta-feira Santa, com os donativos da população, evocando a Última Ceia, com o provedor a envergar uma opa roxa, servindo os irmãos, de opas negras; uma delas preserva elementos judaicos, como o consumo de nove ervas amargas, próprias dos preceitos do Judaísmo.
Em Alcafozes, são os homens da confraria e mulheres da povoação que conduzem as cerimónias, onde o padre se incorpora.
As melodias são entoadas em latim e português antigo, transmitidas oralmente de geração em geração.
Os tons negros mudam de cor coma chegada da Páscoa: no Sábado de Aleluia (Ressurreição), faz-se a “festa dos apitos”.
PR/OC