Sem Família não há Natal

Mensagem de Natal do Bispo de Beja 1.Natal e cultura Estamos a viver uma quadra ou fase do ano, que a nível comercial, social e cultural se exprime muito à volta de uma festa cristã, o Natal com maiúscula, que nos lembra, e muitos o celebram, o nascimento, há dois mil anos, de uma criança especial chamada Jesus. Milhões de pessoas através dos tempos aceitaram este Menino como manifestação de Deus à humanidade e seu Salvador. Há mais de mil e setecentos anos que este acontecimento se reveste de grande significado para o sentido da vida dos povos que habitaram este canto da Europa, tornando-o relevante na sua história. Disso nos falam os nossos costumes, tradições, hábitos de convivência, expressões literárias, arquitectónicas e artísticas. Para compreendermos a nossa rica história e a de muitos povos pelo mundo, temos de fazer referência a Jesus de Nazaré, ao seu Natal, à sua vida e mensagem, à sua influência na consciência e no estilo de vida dos seus discípulos através dos tempos. Querer explicar a transformação operada pela fé em Jesus Cristo, entre elas as maravilhas do testemunho fiel e generoso de tantos santos, a beleza de imensas obras de arte, a dedicação de tantas vidas ao serviço dos mais carenciados, etc., sem a força significativa da pessoa cujo nascimento celebramos no Natal, será um empreendimento condenado ao fracasso. 2. Sinais de Natal na cultura europeia Na tentativa de construirmos uma nova Europa, nos tornarmos espíritos universais, abertos e acolhedores de todos os homens, sem distinção de raças, línguas, culturas e religiões, o que é altamente louvável, corremos o risco de ocultarmos aquilo que somos e fomos, pensando com isso fomentar o acolhimento e integração de pessoas de outras culturas e religiões. Em nome da lei da liberdade religiosa banimos do nosso meio os sinais da nossa cultura, da nossa história e da identidade da maioria dos portugueses. Aceitar os outros implica respeitá-los em tudo o que perfaz a sua identidade, de que a dimensão religiosa, com a riqueza das suas expressões, é algo importante. A fé cristã implica um espírito universalista, respeitador das diferenças, pois a afirmação da pessoa humana, sem acepção, é fundamental à vivência da nossa fé, é factor de socialização, de convivência e de paz social. Por isso não compreendemos aqueles que propugnam a erradicação de todos os símbolos e sinais da nossa cultura. E não se trata apenas da cruz. Os nomes de muitas terras, as chagas de Cristo no nosso escudo, os nossos santuários e monumentos, as expressões da nossa língua e literatura, o substrato da nossa convivência e entendimento… No âmbito de homenagens prestadas nestes dias a um membro ilustre da Igreja católica, que portugueses de todos os quadrantes culturais, políticos e religiosos apelidam de maior personalidade da nossa cultura no século XX, o Padre Manuel Antunes SJ (1918-1985), li uns trechos significativos sobre o assunto desta mensagem, que passo a citar: Uma educação ou tem em conta todas as aspirações do homem ou não passa de um logro…Que se pretende fazer do homem? … O homem tem necessidade de valores em que possa acreditar, de modelos que possa seguir. Quando esses valores ou esses modelos faltam ou diminuem na sua incentividade, é o caos moral, a anarquia, a desorientação ( in Educação e Sociedade). 3.Natal e Família Um dos grandes modelos e valores que o Natal nos recorda é, sem dúvida, a importância da família. Quem foi ou é migrante, vive por um tempo separado da família e convive com outras pessoas nas mesmas condições, experimenta bem a força da família na vivência desta quadra. Quantos telefonemas, cartas, lágrimas, conversas, viagens e celebrações durante o tempo natalício! Na abordagem das motivações da emigração a quase totalidade das respostas contem a vontade de melhorar as condições de vida da família, de conseguir um melhor futuro para os filhos. Mas sabemos bem que a dimensão económica não resolve todos os problemas da família. Na dispersão do Alentejo encontro muitos pais idosos, alguns esquecidos em lares durante todo o ano, mas que aguardam a visita dos seus filhos, netos e familiares, sobretudo pelo Natal. Nas festas de Natal, promovidas por muitas instituições durante estes dias, pude constatar essa mesma realidade. Pena é que nem sempre se promova a coesão social da família. Nem seria preciso fazer muita coisa. Bastaria que se evitasse alguns exageros na legislação, se promovesse mais os investimentos criadores de emprego perto da residência das pessoas, nas decisões referentes aos direitos e horários laborais não se atendesse apenas aos interesses dos grandes grupos económicos, não fosse permitido o incentivo enganador ao consumismo desenfreado, etc. Ou protegemos e salvamos a família ou então destruímos a consistência da nossa sociedade! 4.Missão da Igreja, Natal e Família A Igreja tem de orientar a sua vida e missão para ajudar a família a ser célula da sociedade, geradora das energias que a regeneram e a lançam na construção de um futuro melhor para todos. A nossa diocese está empenhada neste ano pastoral a contribuir para o envolvimento de todos os membros da família na promoção do seu próprio bem estar, que reverte em benefício do bem comum de toda a nossa sociedade. Sem a família, sem a transmissão de todos os valores ligados à família, cuja raiz e fonte de todos está no amor de doação, não construiremos uma sociedade equilibrada e coesa, geradora do ambiente propício à paz, desenvolvimento e solidariedade. Todos estes valores estão implicados no Natal de Jesus, que para nós é caminho, verdade e vida. Deus visitou o seu povo, enviando-nos o seu Filho, que se fez um de nós no seio de Maria, nascendo em Belém, há dois mil anos, pobre para ser mais semelhante aos mais desfavorecidos do mundo, mas com a dignidade de todo o ser humano, que n’Ele é também Filho de Deus e que a todos quer fazer participantes da sua vida humana e divina. Consciente da simplicidade e grandeza do Natal de Jesus, cuja comemoração celebramos todos os anos, o Bispo de Beja deseja a todos os seus colaboradores, a todos os cristãos, mesmo àqueles que andam esquecidos da sua dignidade de filhos de Deus e membros da Igreja, a todos os homens e mulheres de boa vontade que habitam na área do Baixo Alentejo, a todos os que aqui trabalham provenientes de outros países e a todos os que nesta quadra ou durante o ano nos visitam alegres festas de Natal e um 2006 repleto de esperança. Que no Natal tudo isto comece a ser realidade no carinho e atenção que damos à nossa família e ao nosso próximo, porque um Menino nos foi dado, Jesus Cristo, Senhor e Salvador. Animado com esta realização da nossa esperança, apelo a todos os homens e mulheres de boa vontade, para que nos unamos na construção da grande família humana, onde não há senhores e escravos, mas irmãos que se amam e se entreajudam na luta por um mundo melhor. Assim, o Natal de há dois mil anos começou a ser o natal do mundo e da humanidade querida por Deus e que a Igreja, na sua vida e missão, celebra e para cuja realização quer contribuir. † António Vitalino, Bispo de Beja

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