José Luís Nunes Martins
Talvez ainda tenha oportunidade para me perguntar sobre o que andei a fazer durante tanto tempo. Por que razões fui adiando o importante e preferi distrair-me a tratar das urgências sem grande valor.
Quantos anos perdi eu à espera que a vida me desse aquilo que, sendo meu, devia ter sido eu a conquistar?
Alguma vez, sequer por um só minuto, fui grato por tudo o que estou prestes a perder? Não, claro que não. Quantas vezes achei que merecia tudo o que de bom tive, só por ter sofrido um pouco? As crises exigem heróis. Quantas vezes fiquei eu à espera que outros me viessem resgatar, como se eu fosse ou mais ou menos do que eles?
De que me servirão tantas coleções de coisas que fui acumulando?
Não foi por falta de inteligência que teimei em confundir o ter com o ser. Foi por falta de quê?
Que posso eu ainda fazer nas horas que faltam? Dar ou receber? Dizer o que já devia ter dito, mas que ainda não fui capaz?
A todas as vidas chegará um momento em que a verdade nos mostrará as nossas mentiras, os nossos enganos e os nossos silêncios cobardes ou maldosos…
De que boas obras fui responsável?
Se morrer amanhã, será que perderei o que sou? Não. Sei que não. Não sei de onde vim, nem para onde vou a seguir, mas sei, com certeza, que não sou um acaso sem sentido. Cada um de nós é muito mais do que um intervalo de tempo entre o início e o fim da vida neste mundo. Cada um de nós está inscrito na eternidade.
Quando alguém perde tudo, ainda lhe resta Deus. Sempre. Deus é o chão da minha alma e a mais alta, distante e luminosa estrela do firmamento acima da minha cabeça. Respeita-me ao ponto de me ter confiado vida – e uma vida livre. Quis que a minha existência fosse construída por mim, até ao fim… de onde me virá buscar. Não sei para onde.
Acredito, a cada vez que me deito, que acordarei na manhã seguinte. Porque temo a morte se não é mais do que uma entrega? Por ser única, definitiva e irreversível? Mas não é cada um dos dias único, definitivo e irreversível?
Esta vida que vivemos aqui e agora faz parte de outra vida maior. Assim, pode este mundo acabar amanhã, mas nem mundo é tudo, nem o amanhã será o fim dos tempos…