Médica de saúde geral e familiar fala do seu sonho de «combater a injustiça» e acompanhar pessoas, desde que «são sonhos dos pais» até à sua morte
Lisboa, 20 de jul 2022 (Ecclesia) – Alexandra Fernandes, médica de saúde geral e familiar, deixou os pacientes que acompanhou durante 25 anos para iniciar um projeto que dá assistência médica a cerca de 39 mil utentes, no concelho do Seixal, sem médico de família.
“Com os médicos de família existentes, os internos de medicina familiar, os médicos reformados, o trabalho espetacular dos enfermeiros especialistas e os de cuidados gerais – com este conjunto bem orquestrado e organizado, num modelo não clássico e não sendo o modelo ideal, conseguimos prestar cuidados melhores do que os que tinham antes”, explica a médica de família à Agência ECCLESIA.
O modelo «Via Verde Saúde» está também a ser aplicado no concelho de Almada, onde serve 13 mil utentes na mesma situação.
Alexandra Fernandes indica que com a criação das unidades de saúde familiar (USF) os cuidados de saúde primários foram dignificados, acrescenta que esta estrutura tem um “potencial de funcionamento muito bom” e a capacidade de “servir de forma completa a população a que se destina”, mas lamenta que 25 anos depois, exista um milhão e 400 mil pessoas não cobertas por um médico ou qualquer equipa de cuidados de saúde.
Foi esta realidade que a fez abandonar o local onde esteve durante 25 anos para poder prestar cuidados de saúde a quem não está no sistema.
A médica recorda ainda que esta é uma realidade que “vai piorar” uma vez que “50% dos médicos de família se vão reformar” e a formação de novos profissionais não será suficiente perante as necessidades.
“A sociedade suspira por ocasiões de esperança, de concretização e amor ao próximo, que é uma vocação de todo o ser humano. Está-nos marcado geneticamente. Quando acontece e é genuína, as pessoas aderem”, sublinha.
Alexandra Fernandes escolheu ser médica porque tinha o desejo de combater a injustiça e aliviar o sofrimento: “Para mim o mais importante é combater a injustiça por isso, só posso ser médica num sítio onde posso tratar toda a gente. O meu sonho é ser boa médica e tratar aqueles que não têm acesso a cuidados. São esses os meus prediletos”.
Sempre tive mais vocação para combater a injustiça do que para aliviar o sofrimento, mas há muita injustiça no não alívio do sofrimento. Eu gosto muito de pessoas, de estar com pessoas, e gosto muito de fazer várias áreas da medicina. Prevenir a doença, tratar pessoas doentes, acompanhá-las ao longo da sua vida, tratar pessoas no final da vida. Eu acompanho as pessoas desde que elas são um desejo dos pais”.
A médica de família, recorda nesta entrevista emitida esta noite no programa Ecclesia na Antena 1, o seu crescimento na fé, e o testemunho dos pais que, “não sendo crentes”, quiseram que pertencesse à Igreja desde pequena.
“O meu pai não tinha a certeza absoluta, mas conversávamos muito sobre isso, e ele tinha uma ética, tal como Jesus nos propõe, onde não fazia aceção de pessoas”, evidencia.
Alexandra Fernandes reconhece as “muitas dúvidas” de fé que tem tido ao longo da vida mas indica que a vida é muito curta para se prender nas dúvidas.
“A primeira coisa que vou perguntar a Deus quando o encontrar diretamente, é sobre o sofrimento causado, em especial as doenças de crianças. As doenças que causam sofrimento é um mistério que não consigo resolver. Dá ideia de que Deus podia ter sido mais perfeito, nos meus critérios. Tenho dúvidas sobre normas e dogmas da Igreja, mas não me distancio porque aquilo em que eu tenho a certeza que acredito, já me dava para duas vidas”, sublinha.
A conversa com Alexandra Fernandes pode ser acompanhada esta madrugada, pouco depois da meia-noite, no programa Ecclesia na Antena 1, ficando disponível no portal de informação ou em formato podcast.
LS