Saúde mental: «Temos em mãos uma pandemia silenciosa e arriscamo-nos a perder esta geração» – João Ameal

Psicólogo educacional, que acompanha crianças e adolescentes, afirma que números de «ansiedade e depressão» são «galopantes»

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Lisboa, 29 mar 2023 (Ecclesia) – O psicólogo educacional João Ameal alertou hoje para uma “pandemia silenciosa” em curso, com “números exponenciais” de crianças e adolescentes com ataques de “ansiedade e pânico” e sublinha a necessidade de acompanhar para prevenir futuras incapacidades geracionais.

“Temos uma segunda pandemia em mãos, mas é muito silenciosa que é a pandemia da saúde mental. Os números têm sido exponenciais. Todos os dias acompanho mais um adolescente com um ataque de ansiedade, de pânico. Isto é uma doença que mata e muito, e tem de ser encarada de forma séria ou arriscamo-nos a perder esta geração. Estou preocupado com os números alarmantes de miúdos que estão deprimidos, ansiosos, medicados. Se a geração acima não se preocupar seriamente em abordar isto com cuidado, vai ser muito difícil com esta geração chegar a um mercado de trabalho, tornar-se autónoma”, alerta em entrevista à Agência ECCLESIA.

O profissional de saúde, que acompanha alunos num colégio em Lisboa, lamenta o “estigma acusatório” de quem procura ajuda psicológica: “Foi porque não foi forte o suficiente para ultrapassar os problemas; a culpa é pessoal, porque só os fracos é que vão ao psicólogo”, lamenta.

João Ameal explica que “a beleza” do seu trabalho concretiza-se na ajuda em “momentos chave” da vida dos pacientes.

“No curso percebi a importância do silêncio: as pessoas não estão à procura de respostas mas de ser ouvidas. Muitas vezes não há respostas, tantas vezes o que sei sobre a vida daquelas pessoas, é muito pouco e curto. O que é que eu sei? Muitas vezes calo-me e escuto, e descobrimos as respostas em conjunto”, valoriza.

O profissional observa a velocidade da vida quotidiana e lamenta que essa rapidez esteja a tirar qualidade e rumo às pessoas.

O nosso mundo é muito rápido, demasiado exigente e a maior parte das pessoas acaba por fazer coisas em piloto automático. A imagem que tenho é de estarmos a correr numa passadeira do ginásio sem ir a lado nenhum, porque na verdade não sabemos para onde corremos. Algumas pessoas que acompanho estão desenfreadas à procura da felicidade, mas não sabem o que é e não sabem onde encontra-la. Criam objetivos que acham que é o que precisam, e correm atrás; quando lá chegam compreendem que não era aquilo, e gastam-se no caminho. Acredito que a felicidade passa por desacelerar primeiro, olhar à volta, viver uma coisa de cada vez, no presente e não no futuro que não vai chegar e não vai ser o que pensávamos que iria ser”.

“Todos temos muitas muralhas e estas muralhas surgiram de traumas antigos – de vezes que procuramos amar e não fomos amados de volta- surgem para não voltarem a magoar-nos. Mas quem não deixa ninguém entrar para o magoar, não deixa ninguém entrar para amar. E isso eu vejo todos os dias”, acrescenta.

Nascido numa família ligada às artes, João Ameal afirma nunca ter sentido a pressão para continuar essa “linguagem familiar”, mas internamente sentiu “uma bifurcação” e teve de escolher.

A opção foi a Psicologia, que no fundo, admite, lhe permite continuar a manter a música no projeto «João Sem-Tempo», ou em outros que vão surgindo no seu caminho.

Em 2017, pouco depois de casar, João Ameal rumou com a sua esposa a Lesbos, onde estiveram cerca de quatro meses como voluntários num campo de refugiados em Karatepe, um local “muito desolador”.

A crise dos refugiados estava mais presente que nunca e sentíamo-nos muito impotentes e desinformados, na verdade. Envolvemo-nos com a Plataforma de Apoio aos Refugiados e fomos, como voluntários. Um campo de refugiados em termos de saúde mental é mais grave do que estar preso: ali não há previsão, é a vida em suspenso com adultos muito deprimidos, crianças aos Deus dará, muitos traumatizados com a guerra e a viagem e eu olhava e não sabia o que fazer”.

Hoje entende que o “sentimento de impotência” em Lesbos o ensinou muito: “Eu não sou parte da NATO, ACNUR, não sou poderoso, nem importante; o objetivo não era impactar a crise de refugiados. Mas tenho dois ouvidos e um coração e posso estar e ajudar no que me for pedido”.

João Ameal recorda em conversa com a Agência ECCLESIA, a “sagrada família” que conseguiu ajudar em Lesbos, também o rap que escreveu com um paciente seu que não conseguia comunicar de outra forma, e o que significou crescer com a “crise de fé” que os pais tiveram quando era criança.

A conversa com o psicólogo educacional é emitida esta noite na Antena 1, pouco depois da meia-noite, ficando disponível no portal de informação e no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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