Santo Egídio, a pequena ONU

A Comunidade de Santo Egídio nasceu há 40 anos e ao longo destas quatro décadas consolidou a reputação de pequena ONU, a que muitos recorrem quando os esforços da diplomacia internacional parecem destinados ao fracasso. Este empenho em favor do diálogo, contra a via da guerra, é uma das marcas mais distintivas da comunidade católica, hoje uma das instituições de vanguarda da Igreja, que opta por trabalhar longe das luzes da ribalta. Por isso, mais do que nunca, é importante contar a sua história: foi no dia 7 de Fevereiro de 1968 que um grupo de estudantes se reuniu, em Roma, para ajudar as crianças dos imigrantes das barracas da periferia. Hoje, mais de 50 mil membros da Comunidade marcam presença em mais de 70 países, com uma página Web em 25 línguas. O seu compromisso nas periferias urbanas e no mundo, sempre numa base não-lucrativa, goza do reconhecimento da UE e do estatuto ECOSOG por parte da ONU, pelo trabalho em prol dos direitos humanos e da paz, a nível internacional. Este trabalho levou até à Comunidade os prémios Niwano, Balzan e UNESCo para a paz. Em 2007 foi conferida a Menorah de Ouro pelo trabalho mundial de amizade com o mundo hebraico e pelo compromisso contra o preconceito, o ódio racial e o anti-semitismo. As quatro décadas de trabalho iniciados na sequência do II Concílio do Vaticano, num tempo de transformações profundas, passaram pela queda de um sistema bipolar e da cortina de ferro, a afirmação do mercado na forma da globalização, o crescimento exponencial dos conflitos civis, étnicos e religiosos, a consolidação da descolonização e a desestabilização crónica de grande parte do Sul do mundo, a afirmação do liberalismo e da secularização, o crescimento do factor religioso em grande parte da vida pública e da linguagem política, o nascimento da UE e da União Africana, a urbanização e a concentração nas cidades de mais de metade dos habitantes do planeta, juntamente com o aumento da violência urbana até ao terrorismo endémico no mundo ocidental. Pobres e Ecumenismo Santo Egídio toma o nome do pequeno antigo mosteiro de clausura no coração do bairro de Trastevere, junto da Basílica romana de Santa Maria Maior, que acolhe todas as noites uma oração com membros da comunidade e todos aqueles que se lhe queiram juntar. Este centro espiritual está em continuidade com a amizade pelos pobres, os almoços que de Roma se espalharam por todo o mundo, envolvendo 120 mil pessoas marginalizadas, no Natal e não só. A Comunidade fala dos sacramentos dos pobres e da Eucaristia como seu fundamento, onde não falta a memória ecuménica das testemunhas da caridade, da fé e da justiça, com os mártires modernos dos séculos XX e XXI. A memória e a oração são fonte do compromisso quotidiano, de base e de aproximação entre as Igrejas e as grandes tradições religiosas mundiais, que tem o seu cume nos encontros internacionais “Homens e religiões”, que já passaram por Lisboa. A sua 21ª edição, que aconteceu no ano passado em Nápoles, contou com um momento especial, juntando Bento XVI aos grandes líderes religiosos mundiais, com a presença do Patriarca Bartolomeu I de Constantinopla, o Metropolita Kyrill de Moscovo, o Rabino chefe de Israel Yona Metzger, o Primaz Anglicano Rowan Williams e numerosas personalidades islâmicas. Estes encontros retomam o “espírito de Assis”, como centro de uma pedagogia de paz especialmente necessária num tempo de conflitos e instrumentalizações das religiões. As várias comunidades, espalhadas pelo mundo, partilham a mesma espiritualidade e os mesmos fundamentos que caracterizam o itinerário de Santo Egídio: a oração, que acompanha a vida de todas as comunidades em Roma e no mundo e que constitui um elemento essencial; a comunicação do Evangelho, coração da vida da Comunidade, que se estende a todos os que procuram e pedem um sentido para a vida; a solidariedade para com os pobres, como serviço voluntário e gratuito; o ecumenismo, como amizade, oração e procura da unidade entre os cristãos do mundo inteiro; o diálogo, indicado pelo Vaticano II como via da paz e da colaboração entre as religiões, mas também como modo de vida e como método para a reconciliação dos conflitos. Arte de conviver A Comunidade de Santo Egídio transformou a amizade numa chave de convivência entre as gerações, uma proposta de convivência urbana capaz de integração social e de enfrentar o alarme por causa das migrações, com propostas concretas de nova cidadania e direitos humanos. Este trabalho transformou-se, em diversos momentos da história recente, em propostas concretas na construção de uma “arte de conviver” que envolveu cidadãos europeus e imigrantes do Magreb, da África subsaariana, albaneses, europeus de Leste e outros. Nestes 40 anos cresceu a capacidade de intervenção, mediação e pacificação em diversos cenários do mundo, com sucesso visível em cenários de crise humana e de conflitos, de Moçambique ao Burundi, da Guatemala à Libéria, da Costa do Marfim ao Togo, da Colômbia aos Grandes Lagos, do Uganda aos Balcãs. A Comunidade sofreu mudanças, ao longo deste tempo, confirmando a escolha fundamental de intervir pelo bem comum e na vida pública, ficando na sociedade civil e sem identificar-se com sujeitos políticos ou, mais propriamente, com partidos, conservando a característica do voluntariado (profissionalismo na qualidade, mas não na burocracia nem nas carreiras), sem prejuízo na eficácia. Esta é a chave para uma intervenção livre, sem esquemas ideológicos, com meios “frágeis” para a intervenção nos grandes problemas do mundo, com a flexibilidade, capacidade de intervenção e de mudança que muitas instituições internacionais ou administrações locais com mais meios não mostram. Dossier AE • 40 anos de Santo Egídio

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