«O amor não se explica, vive-se e traduz-se em gestos»
Irmãos e irmãs
Nesta tarde de Quinta feira Santa entramos na celebração do Sagrado Tríduo Pascal, fazemos memória agradecida do dom da Eucaristia, do mandamento Novo do Amor e do dom do sacerdócio ministerial.
A Palavra de Deus que acabámos de escutar leva-nos à origem da celebração da Eucaristia, exatamente a Ceia do Senhor Jesus com os seus discípulos. É uma celebração íntima, sabendo Jesus que vai morrer no dia seguinte.
Como escutámos na primeira leitura, do Livro do Êxodo (Ex 12,1-8.11-14), a Páscoa era a principal festa dos judeus para celebrar a libertação do povo hebreu da escravidão do Egito. Uma festa a celebrar em honra do Senhor de geração em geração.
Desde criança, Jesus conhecia a festa da páscoa do seu povo. Desta vez, encarregou dois dos seus discípulos a encontrarem a sala onde deviam celebrar a Páscoa e a cuidarem de todos os preparativos necessários.
A Páscoa dos judeus era celebrada em família. Os discípulos são agora a nova família de Jesus; é com eles que vai celebrar a Páscoa. Recordemos o início do Evangelho: “Sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, Ele, que amara os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo 13,1). A celebração da Ceia de Jesus é para ser memorial da Sua Páscoa, isto é, da passagem deste mundo para o Pai, e do Amor de Deus que nos revela de forma extrema e surpreendente.
Começa a Ceia, conforme o previsto. Entretanto, de forma surpreendente e fora de tempo, em plena ceia, Jesus decidiu lavar os pés aos discípulos. O que justifica aquela iniciativa? Porque o não fez antes da ceia começar? Foi intencional. A sua Páscoa deve ser celebrada com propósitos de coerência. Jesus não quer uma liturgia pascal para lembrar como foi, sem nenhuma correspondência com a vida.
Várias vezes sentira-se incomodado porque os seus discípulos cultivavam a ilusão da importância dos lugares no grupo e no seu Reino. Com o lava-pés, Jesus deixa claro que a autoridade dos seus discípulos consistirá em amar e servir e não nos cargos sociais que ocupam. “Jesus incomodava-Se com pretensiosos mestres, muito exigentes com os outros, que ensinavam a Palavra de Deus mas não se deixavam iluminar por ela: «Atam fardos pesados e insuportáveis e colocam-nos aos ombros dos outros, mas eles não põem nem um dedo para os deslocar» (Mt 23, 4)” (EG 151). Não é isso que Jesus quer dos seus discípulos. Quer deles uma vida entregue por amor.
O apóstolo Pedro representa todos os que rejeitam o exemplo de Jesus. Com razão, parece-lhe escandaloso que Deus lave os pés aos homens. Pedro quer controlar a situação, não está de acordo com a decisão, mas Jesus não dá explicações do que está a fazer; é um gesto de humildade, amor e serviço que vale por si. O amor não se explica, vive-se e traduz-se em gestos. Pedro rejeita e depois aceita, mesmo sem entender, porque queria estar Jesus. E ouviu com os companheiros a recomendação do mestre: “Dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu fiz, vós façais também” (Jo 13,15).
Entretanto, outra gesto surpreendente: Jesus toma o pão e o vinho e torna-Se presente naquele alimento, oferece-O ao Pai em oração, afirma que é Nova e eterna Aliança que Deus agora estabelece com a humanidade, e entrega-O aos seus discípulos, “tomai e bebei”, com a responsabilidade de continuarem a celebrarem daquele modo aquela Ceia: “Fazei isto em memória de mim”.
“Ao instituir o sacramento da Eucaristia, Jesus antecipa e implica o sacrifício da cruz e a vitória da ressurreição; ao mesmo tempo, revela-se como o verdadeiro Cordeiro imolado” (SC 10). A morte de Jesus, violenta e injusta, havia de tornar-se num ato supremo de Amor, que os discípulos deveriam continuar a celebrar na Eucaristia em sua memória.
Meus irmãos, a Igreja nasce do Amor fiel de Jesus, que celebramos na Eucaristia. E como escutámos na segunda Leitura (1Cor 11,23-26), S. Paulo ensina como deve ser celebrada a Eucaristia por fidelidade ao Senhor.
Estamos perante o grande tesouro espiritual da Igreja que todos os cristãos são chamados a reconhecer, a aprofundar e a beneficiar. A este propósito referencio duas dimensões pastorais:
No passado ano pastoral os presbíteros da nossa Diocese promoveram uma formação e reflexão acerca do Batismo da qual resultou uma proposta que está prestes a ser implementada na preparação dos Batismos. Este ano pastoral, o sacramento que será motivo de reflexão será a Confirmação ou Crisma. Esta informação vem a propósito para salientar que os três sacramentos da iniciação cristã (Batismo, Crisma e Eucaristia), convergem na Eucaristia. Não faz sentido uma caminhada catequética para receber o Crisma com abandono da Eucaristia. O objetivo da catequese é que cada cristão seja enriquecido com os dons de Deus e apto para viver a vida exatamente como um cristão amado e empenhado com a vida, na família, na Igreja e na edificação da sociedade.
Entretanto, teve início o Ano da Família. Exorta-nos o Papa Francisco que neste ano os cristãos leiam a Exortação Apostólica Amoris Laetitia. É desse documento que passo a citar: “A Eucaristia é o sacramento da Nova Aliança, em que se atualiza a ação redentora de Cristo (cf. Lc 22, 20). Constatamos, assim, os laços íntimos que existem entre a vida conjugal e a Eucaristia. O alimento da Eucaristia é força e estímulo para viver cada dia a aliança matrimonial como «igreja doméstica». (AL 318). Isto é: os casais cristãos, ao participarem na Eucaristia encontram o mesmo Senhor que os abençoou no dia seu matrimónio. Para o casal, a celebração da Eucaristia, reforça semanalmente a graça necessária para a vida matrimonial.
Irmãos e irmãs, em tempo de pandemia, estivemos confinados, com as igrejas fechadas, com as celebrações da Eucaristia a serem transmitidas pelo meios de digitais. Foi o que foi possível. Muitos dias em oração me lembrei dos cristãos que estavam impossibilitados de participar na Eucaristia e de comungar. Cresceu a viva consciência de que a participação na Eucaristia não é apenas um rito de preceito dominical. A Eucaristia tem uma envolvência que nos transcende, é congregação (reunião) da comunidade, é escuta da Palavra de Deus, é evocação do Espírito Santo, , é participação na vida de Cristo. Na Eucaristia, a comunhão eclesial alarga-se aos céus, com os anjos e os santos, alarga-se na terra, lembrando o Papa, o Bispo e todos os que creem em Cristo, alarga-se até aos nossos irmãos defuntos por quem sempre rezamos. A Eucaristia alarga o nosso coração, ao mesmo tempo que reforça a nossa fraternidade cristã e a capacidade de servir e amar. Também o amor generoso para com os mais pobres, não se esgotará se tiver a sua fonte e inspiração na Eucaristia.
Irmãos e irmãs, Quinta feira Santa é dia de gratidão e de alegria no reconhecimento do grande Amor que o Senhor Jesus nos tem e pela beleza do dom da Eucaristia que nos alimenta e fortalece, para agirmos como seus enviados, como homens e mulheres de paz.
D. José Traquina
Bispo de Santarém