Santa Teresinha do Menino Jesus e o «Aggiornamento» Conciliar

D. António de Sousa Braga, Bispo de Angra Foi há 40 anos, precisamente no dia 8 de Dezembro de 1965, que o Papa Paulo VI encerrava o Concílio Vaticano II, o maior acontecimento eclesial do século do passado, a marcar ainda hoje a renovação da Igreja, com o movimento de «regresso às fontes» da Revelação – Bíblia e Tradição – e de abertura aos «sinais dos tempos». A Igreja não existe para si, mas para ser sinal e instrumento do Reino de Deus. Tudo o que faz e promove só tem sentido, se for anúncio e testemunho do Evangelho, no mundo em que vivemos. Para transmitir o que não muda, num mundo em mudança, a Igreja tem de se renovar em permanência, para responder adequadamente aos novos desafios que vão surgindo. É o «aggiornamento», na bela expressão do beato João XXIII, o Papa que convocou o Concílio. Passados que foram 40 anos do Vaticano II, há quem clame por um novo Concílio. A realidade, porém, é que ainda estamos a assimilar o Concílio Vaticano II, que já deu alguns frutos e muitos mais poderá dar, se for aplicado, não apenas com meras reformas exteriores, mas também e, sobretudo, com uma profunda renovação espiritual. «Não será, porventura, um «sinal dos tempos» que se verifique hoje, não obstante os vastos processos de secularização, uma generalizada exigência de espiritualidade» – perguntava João Paulo II, no dealbar do milénio (Carta Apostólica, Novo Millennio Ineunte, 6 de Janeiro de 2001, nº 33)? Há efectivamente um défice de espiritualidade, também na Igreja. Conhecemos a famosa frase de A. Malraux: O século XXI será místico ou não será. De algum modo, o mesmo se poderá dizer da Igreja. É verdade que temos a promessa de Cristo, que garante a perenidade da Igreja no tempo. Mas, nalguma circunstância ou lugar, poderá não ser totalmente fiel à sua missão, que é essencialmente espiritual. Este é o repto que nos lança a visita das relíquias de Santa Teresinha do Menino de Jesus às Dioceses portugueses, desde 28 de Outubro a 16 de Dezembro do corrente ano. Nos dias 11 e 12 será a vez de Angra. Que sentido poderá ter esta peregrinação das relíquias de uma santa, religiosa de clausura, pelo mundo inteiro? Venerar as relíquias de um santo não é algo de macabro, como alguém já insinuou. Não é nem sequer uma atitude arcaica e mágica, que procura um «talismã» de protecção. É uma forte interpelação, no sentido de se promover a edificação da Igreja, com uma autêntica renovação espiritual. As melhores relíquias de Santa Teresinha são os seus escritos, que nos descrevem «a pequena via» da «Infância Espiritual»: não ingenuidade de uma freira de clausura, mas testemunho de uma fé robusta, alicerçada na experiência pessoal do Deus-Amor, que muito contribuiu para ajudar a Igreja a se libertar do rigorismo jansenista. Por esta sua sabedoria evangélica, João Paulo II declarou-a Doutora da Igreja em 1997. A partir desta experiência espiritual, podemos compreender o seu anseio de ser missionária. «Quisera percorrer a terra. Quisera ser missionária, não só por um dia, mas até à consumação dos séculos… Passarei o meu céu, fazendo bem sobre a terra». É o que está acontecendo, com a deslocação permanente das suas relíquias pelo mundo, desde 1994. Aliás, mesmo sem nunca ter saído do Convento, já em 1927 fora declarada Padroeira das Missões e a sua autobiografia – «História de uma Alma» – é o livro religioso mais traduzido no mundo. Canonizada em 1925, a sua devoção chegou cedo à Diocese. É que, na cerimónia da canonização em Roma, participaram 300 peregrinos açorianos, guiados por D. António Meireles (cf. Pe. Xavier Madruga, Dos Açores a Roma, Impressões de Uma Viagem, Tip. União Gráfica, 1930). Não admira, pois, que sejam poucas as igrejas paroquias nos Açores, que não tenham uma imagem de Santa Teresinha do Menino Jesus. A Santa da «Infância Espiritual» não é, portanto, uma figura desconhecida e estranha no nosso meio. A presença das suas relíquias na Diocese é um momento de graça, que «evocando» o seu caminho espiritual, nos «provoca» para a «medida alta» da vida cristã, que é a santidade. Essa é a meta de toda a actuação pastoral, que não se pode reduzir a activismo dispersivo, obnubilando o primado da graça. «Quando não se respeita este primado – afirmava João Paulo II – não há que maravilhar-se se os projectos pastorais se destinam ao falimento e deixam na alma um deprimente sentido de frustração» (Ibid., nº 38). É precisamente este primado da graça, que a experiência de fé de Santa Teresinha do Menino Jesus evidencia e o seu caminho da «Infância Espiritual» concretiza. Nesse sentido, a visita das relíquias de Santa Teresinha do Menino Jesus constitui para nós uma advertência, indicando o caminho da verdadeira renovação da Igreja. + António, Bispo de Angra

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