Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
”Queridos jovens, não viemos ao mundo para «vegetar», para transcorrer comodamente os dias, para fazer da vida um sofá que nos adormeça; pelo contrário, viemos com outra finalidade, para deixar uma marca.” (Papa Francisco ao jovens na Polónia, 30 de julho de 2016)
Ultimamente estas palavras do Papa fazem muito sentido pelo que assistimos à nossa volta. Estima-se que uma pessoa, sobretudo um jovem, em média pegue no seu smartphone 85 vezes por dia. Enquanto pensamos estar a dar uso à potencialidade tecnológica que temos na mão, hoje – mais do que nunca – questionamos se não seremos nós os que são usados pela tecnologia e aqueles que dominam os conteúdos que consumimos. Um consumo que parece preencher-nos e deixar-nos felizes.
Paralisia
”aqui que existe uma grande paralisia: quando começamos a pensar que a felicidade é sinónimo de comodidade, que ser feliz é caminhar na vida adormentado ou narcotizado, que a única maneira de ser feliz é estar como que entorpecido.” (Papa Francisco, ibidem.)
Quando andamos pela rua vemos que a maior parte dos jovens têm um telemóvel na mão, não guardado no bolso, mochila ou bolsa. Depois, vemos ainda que fixam o seu olhar sobre o écran a maior parte do seu dia.
Este é o risco de surgir um novo tipo de adomercimento e comportamento narcotizado que nos aliena do mundo real onde a vida mostra a sua beleza e o risco do inesperado. Um risco que abrange também os adultos. Mas existem outros riscos que vale a pena correr.
Risco
”Amigos, Jesus é o Senhor do risco, o Senhor do sempre «mais além». Jesus não é o Senhor do conforto, da segurança e da comodidade. Para seguir a Jesus, é preciso ter uma boa dose de coragem, é preciso decidir-se a trocar o sofá por um par de sapatos que te ajudem a caminhar por estradas nunca sonhadas e nem mesmo pensadas, por estradas que podem abrir novos horizontes, capazes de contagiar-te a alegria, aquela alegria que nasce do amor de Deus, a alegria que deixa no teu coração cada gesto, cada atitude de misericórdia.” (Papa Francisco, ibidem.)
Para enfrentar a onda cultural que diminui o tempo que passamos juntos com os nossos pensamentos, através do qual damos espaço à Voz Interior para escutarmos Deus, é preciso coragem. Mas uma coragem analógica e real que envolve os relacionamentos face-a-face e reaprender o valor do desconforto da cultura do encontro. Essa cultura implica sairmos de nós mesmos e do nosso mundo virtual para nos encontrarmos a nós mesmos nos relacionamentos que estabelecemos no mundo real.
Este é o quinto artigo de opinião em que refiro os desafios que enfrentamos da vida virtualizada. Poderia parecer um exagero, mas o risco de nos passar ao lado a premência destas questões produz consequências mais graves do que nada dizer e fazer.
O maior risco de todos é o de uma vida feita no sofá do écran,
- onde a conferência proferida por alguém é menos interessante do que o smartphone ou portátil usado pelo moderado que está ali, mesmo ao lado da pessoa que faz a palestra;
- onde o outro com o qual fui almoçar ou jantar ao restaurante não merece o meu olhar, pois, esse está voltado para o pequeno écran;
- onde num momento de oração como a missa, o silêncio é interrompido por aquele toque de alguém que não sabe ou se lembrou de colocar o telemóvel no silêncio.
Superar o sofá
São inúmeros os exemplos de um novo sedentarismo cultural, aquele que aprisiona a nossa atenção e tempo ao que vale pouco mais (ou até menos) do que mero entertenimento. Foi a pensar nesta vida sedentária que me cruzei, inesperadamente, com o seguinte pensamento de um filósofo ateu,
“A vida sedentária é o grande pecado contra o Espírito Santo.” (Nietzsche em Twilight of the Idols)
O que está a acontecer pode ser positivo para nos ajudar a ter um relacionamento diferente com a tecnologia, de modo a que esta esteja ao serviço daquilo a que damos valor e não assistirmos à sua perda gradual. O que está em jogo é elevado, e quando Nietzsche refere pecado contra o Espírito Santo leva-me a pensar no, também gradual, esmorecimento da nossa relação com Deus.
O primeiro passo será sempre a tomada de consciência e pelo que tenho assistido nos últimos tempos, ainda há muito a fazer nesse campo.
Se o leitor aceitou o meu desafio de missa sem telemóvel, ou numa família, apenas um leva (o que sabe meter no silêncio), o Domingo passado seria a segunda semana dessa experiência. Tive algum feedback de que devo esperar poucos testemunhos, mas tive também quem me partilhasse pessoalmente que tem estado a fazer a experiência. Se pudesse contar com o testemunho daqueles que o sentirem de dar, fico grato e, se acharem bem, enviem-me a vossa experiência para miguel@miguelpanao.com.