Sacramentum Caritatis: «chave» para uma Leitura

Juan Ambrosio, professor de Teologia na UCP, contra as leituras redutoras e simplistas das mais variadas tonalidades As linhas que se seguem têm como objectivo propor uma chave que nos possa ajudar na leitura do texto que Bento XVI apresentou em Roma, no dia 22 de Fevereiro – festa da Cátedra de São Pedro – de 2007, no segundo ano do pontificado. As palavras com que começa esta Exortação Apostólica são bem evidentes do enquadramento que o Papa Bento XVI quis dar a este Documento: “Sacramento da Caridade, a Santíssima Eucaristia é a doação que Jesus Cristo faz de Si mesmo, revelando-nos o amor infinito de Deus por cada homem”. A partir delas somos imediatamente remetidos para a sua primeira Carta Encíclica “Deus Caritas Est. O próprio papa o afirma explicitamente no nº 5: “Consciente do vasto património doutrinal e disciplinar acumulado no decurso dos séculos à volta da Eucaristia, neste documento desejo sobretudo recomendar, acolhendo o voto dos padres sinodais, que o povo cristão aprofunde a relação entre o mistério eucarístico, a acção litúrgica e o novo culto espiritual que deriva da Eucaristia enquanto sacramento da caridade [fica aqui claramente indicada a finalidade da Exortação]. Com esta perspectiva, pretendo colocar esta Exortação na linha da minha primeira Carta Encíclica – a Deus Caritas Est -, na qual várias vezes falei do sacramento da Eucaristia pondo em evidência a sua relação com o amor cristão, tanto para com Deus como para com o próximo.” O pano de fundo, a chave de leitura desta exortação deve, pois, ser procurada nesse primeiro documento. Como é óbvio, tudo o que ali é dito tem de ser tido em conta, o que não nos deve, no entanto, impedir de procurar uma passagem, ou uma ideia, que nos possa orientar de uma maneira mais concreta no exercício de leitura e compreensão que se pretende ajudar a fazer. Neste sentido, encontro na introdução da Encíclica duas passagens que, no meu entender, podem ser preciosas para essa tarefa. Na primeira é dito de uma forma explícita que: “No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”. Não tenhamos dúvidas, muito mais do que um simples acreditar, ou mesmo de um simples proclamar, a experiência cristã exige a concretização deste encontro, sem o qual tudo poderá correr o risco de não passar de boa intenções, por mais importantes que elas se revelem, e/ou de gestos bonitos, por mais indispensáveis que estes sejam. As três partes em que se divide a Exortação: “Eucaristia Mistério Acreditado”, “Eucaristia Mistério Celebrado” e “Eucaristia Mistério Vivido” (os títulos são bem reveladores da intenção) sublinham como o acreditar não está verdadeiramente completo sem a celebração e a vida. A segunda vai na mesma linha, referindo que: “uma vez que foi Deus o primeiro a amar-nos, agora o amor já não é só um “mandamento”, mas é a resposta ao dom do amor com que Deus vem ao nosso encontro”. O cristianismo é, de facto, uma experiência relacional (experiência de encontro uma vez mais), a partir da qual ganham forma e sentido todas as práticas e atitudes. Os dogmas, ritos, celebrações e tudo o mais que vivemos na Igreja, só podem ter verdadeiro significado quando são expressão desta profunda realidade. São essencialmente estas referências, que aqui deixo a modo de proposta, que me ajudam a ler e a interpretar a Exortação Apostólica. A celebração da Eucaristia é a celebração do encontro com Jesus Cristo no qual Deus nos ama e interpela ao amor. Como é obvio e natural em toda a reflexão e vida da Igreja o Papa tem, também, presente neste documento toda a tradição, dando especial atenção aos momentos mais recentes que, a partir do grande Jubileu do ano 2000, fortemente insistiram na dimensão eucarística da experiência cristã. A referência explícita ao ano da Eucaristia (2004) e à carta Encíclica de João Paulo II “Ecclesia de Eucha-ristia”, são disso, entre outros, um testemunho evidente. De um modo muito especial são igualmente recolhidos nesta Exortação Apostólica, como também explicitamente se afirma, a multiforme riqueza de reflexões e propostas surgidas na recente Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos. Seja-me permitida ainda uma nota final muito breve. Tanto a Carta Encíclica “Deus Caritas Est”, como a Exortação Apostólica “Sacramentum Caritatis”, são bem reveladoras de que os documentos do actual Papa não podem ser só lidos, ou seja, na leitura destes documentos é necessário ter presente o exercício da reflexão teológica. Penso que a ausência desse exercício está na origem de leituras redutoras e simplistas das mais variadas tonalidades. Juan Francisco Ambrosio, Professor de Teologia

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Agência ECCLESIA

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