Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Ninguém marca as horas para beber um copo de água. Ter sede indica ser o momento certo de beber água. Mas se tiver que combinar um encontro com alguém no dia 25 de maio, preciso de incluir as horas para além do dia, caso contrário, tirando as horas de sono, permanece vago o momento de nos encontrarmos. Se o relógio marca o tempo em horas, minutos e segundos, os eventos marcam o tempo certo para os viver.
Enquanto nós, na cultura mundial digital, usamos uma só palavra para tempo, os gregos de antigamente usavam duas: chronos e kairos. O chronos, como a própria palavra indica, refere-se ao tempo cronológico, uma sequência de momentos marcada em horas, minutos e segundos. O kairos refere-se ao tempo certo criado pelos eventos, não pelo ponteiro de um relógio.
O tempo cronológico produziu um impacte profundo sobre a cultura ocidental. O facto de ser inflexível, implacável, e uni-direcional, leva-nos a viver momento após momento, quantificando o gasto em tempo que sabemos não voltar atrás. Creio que o modo cronológico de viver o tempo expressa uma vida fraccionada que aumenta os nossos níveis de ansiedade e stress. Dizer — ”não tenho tempo” — acaba por ser o mesmo que dizer “não gozo o tempo.” É aqui que o kairos entra para renovar o nosso relacionamento com o tempo.
No tempo kairológico vivemos momentos de eternidade, memória, sentido de ser, presença e pertença. É muito semelhante à versão em Latim do kairos — ócio. Ou seja, um tempo de liberdade, escuta, interiorização e aprendizagem. E qual o contrário do ócio? O negócio que na cultura ocidental gerou a célebre frase — ”tempo é dinheiro.”
Se o kairos é o tempo certo, será que o chronos é o “tempo errado”? Nem por isso. São, muito simplesmente, duas perspectivas sobre o modo como a vida se desenrola aos nossos olhos. Por isso, rejeitar um dos tempos a favor do outro gera, também, um desequilíbrio. Nesse sentido, para que o tempo certo e sequencial se tornem parte transformativa da nossa vida, importa encontrar o justo equilíbrio entre as horas e os eventos.
Sugiro que esse equilíbrio se experimente num gesto simples.
Um silencioso minuto de gratidão.
Em 2002, Fred (Mr.) Rogers fez um discurso de início de ano lectivos aos estudantes da universidade americana de Dartmouth oferecendo-lhes um presente invisível. Um presente de experimentarem um minuto de silêncio em honra de todos aqueles que cuidaram deles até chegarem àquele momento. Silenciando-se, a plateia feita de estudantes e professores vive um momento sagrado. Por um lado, usa o tempo cronológico (um minuto), mas por outro usa-o com o sentido kairológico (fazer memória).
Com a azáfama da vida e daquilo que pensamos “ter” que fazer, gradualmente, afastamo-nos da vivência do tempo certo criado pelos eventos e acabamos por desperdiçar tempo com tarefa atrás de tarefa, sem nos darmos conta disso. Assim, recuperar a experiência do tempo poderia passar por dedicarmos, todos os dias, um minuto silencioso de gratidão em solitude. Uma pausa dedicada a alguém especial que nos ama ou que amamos.
Um minuto silencioso de gratidão em 1440 minutos que temos num dia. Parece ser irrelevante e pequeno, mas estou certo de que, algo tão simples, pode fazer uma grande diferença. Experimenta.