Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
O medo da compaixão tem um efeito universal no impacto negativo que a Covid-19 tem sobre a nossa saúde mental. Esta é a conclusão de uma investigação liderada por Marcela Matos, professora na Universidade de Coimbra. Nesse estudo;, compaixão define-se como a «sensibilidade ao nosso sofrimento e ao dos outros, sob o compromisso de tentar aliviá-lo e preveni-lo.» Em síntese, compaixão é sofrer com o outro, colocando-nos na sua pele. Chorar com quem chora e procurar estarmos próximos daquele que sofre. Jamais pensaria que as pessoas poderiam ter medo da compaixão, ou visto por outro prisma, que a compaixão fosse um modo de manter saudável a nossa mente. Mas não é este um convite intemporal de Jesus?
Há mais de 100 anos que Sigmund Freud escreveu como «as religiões da humanidade deve ser classificadas entre as ilusões em massa.» Ilusões de felicidade e protecção contra o sofrimento, apesar de Freud reconhecer que essas ilusões por via religiosa poupam as pessoas das neuroses. Para quem conhece a experiência de alguns santos do tempo presente como a jovem Chiara Badano, os argumentos de Freud demonstram ser uma distorção da realidade. A santidade de Badano está na vida virtuosa de uma total entrega a Deus com/através/pelo seu sofrimento. Curioso que muitos psiquiatras tivessem ficado presos a esta visão deturpada de Freud e excluam a espiritualidade como fonte terapêutica para uma saúde mental. Felizmente, alguns psiquiatras resistiram.
Ninguém é indiferente ao sofrimento gerado por esta pandemia. As situações mais graves devem-se às pessoas infectadas e às que tiveram necessidade de cuidados intensivos. Mas todo o sofrimento gerado pelo isolamento, ou a impossibilidade de nos despedirmos dos familiares que falecem, afecta os níveis de ansiedade, stress, a simples tristeza e frustração, ou seja, a nossa saúde mental. No meu caso, mesmo que não tivesse sido por Covid-19, tive dois familiares próximos que faleceram e não pude ir ao seu funeral. Parece que o último adeus fica por dar e que não houve resolução na nossa história, o que traz sempre algum sofrimento.
Não é que sinta a psique afectada, mas compreendi com podem haver situações em que as pessoas precisam de ajuda pela compaixão. Alguns conseguem encontrar em Deus a compaixão que os suporta, mas quem não crê em Deus, pode precisar da ajuda de um psiquiatra e não encontrará o elemento espiritual como parte da terapia. Algo pouco científico depois de sabermos como a espiritualidade é terapêutica.
Desde 2017 que o psiquiatra americano David Rosmarin explora a espiritualidade como um aspecto crítico dos cuidados da saúde mental. Num artigo; relativamente recente, dedicado aos resultados de um programa intitulado SPIRIT (Spiritual Psychotherapy for Inpatient, Residential, and Intensive Treatment), mostra que a psicoterapia espiritual não é só viável, como é desejável pelos pacientes, independentemente da sua experiência religiosa ou afiliação a alguma confissão em particular.
Infelizmente, o amor e a fé são excluídos como parte dos tratamentos para os distúrbios mentais, como o conhecido senador americano Patrick Kennedy (da família Kennedy) conta no seu livro Common Struggle. E este estudo não é o primeiro indício de como a espiritualidade afecta a nossa saúde física e mental no seu sentido mais geral.
Há muito tempo que o médico americano Herbert Benson MD reconhece o valor terapêutico da fé. Mais do que uma experiência subjectiva que induz uma cura física como se fosse um efeito placebo, reconheceu na sua experiência clínica como crer em Deus pode ser a forma mais influente de recordarmos os nossos melhores momentos de bem-estar que, posteriormente, levam-nos a reencontrar o equilíbrio do corpo e da mente. Chega mesmo a concluir dos seus estudos sintetizados no seu livro Timeless Healing (Cura Intemporal) que «a oração, em particular, parece ser terapêutica, cujas especificidades a ciência continuará a explorar.» Aliás, a um certo ponto afirma que «focar a nossa atenção longe dos nossos problemas ao ajudar os outros, podemos experimentar benefícios físicos». Em certa medida, Benson previu o que David Rosmarin concluiriam no estudo acima citado e que justifica o investimento no exercício da compaixão e espiritualidade terapêutica para enfrentar os perigos que a pandemia representa para a saúde mental no futuro próximo.
Porém, importa estarmos cientes de que Deus não é uma prescrição médica. Pois, reduziria, substancialmente, a realidade daquilo que a Sua presença faz na nossa vida. Por outro lado, muitas pessoas crentes pensam que a ausência de experiência religiosa nos não-crentes significa que não procuram a dimensão humana espiritual, o que não é verdade. Por fim, ao remetermos a espiritualidade para uma questão do foro pessoal, e com o olhar deturpado por uma visão ultrapassada freudiana de que as experiências espirituais são ilusões, acabamos por privar a nossa saúde mental dos efeitos terapêuticos da vida espiritual. Será por preconceito que a mente do psiquiatra se fecha à própria ciência?
O ser humano vive muitas crises, incluindo a da saúde mental. Não sabemos se Deus consegue resolvê-la porque não depende só d’Ele, mas também do modo como acolhemos o que Ele quer fazer em nós e por nós. Sabemos, sim, que a espiritualidade possui um potencial clínico inexplorado, e que os pacientes que experimentam o seu efeito terapêutico a desejam, independentemente da sua crença. Aliás, é uma experiência com efeitos de tal modo positivos que nela começam a encontrar razões para crer.
Uma das curiosidades na experiência de David Rosmarin é a de que os pacientes respondiam melhor à terapia SPIRIT feita por clínicos sem afiliação religiosa do que nos casos onde essa era explícita. Isso significa que qualquer pessoa leiga é particularmente efectiva na parte espiritual dos tratamentos providenciados a um doente. Claro que estas são boas notícias por se esperar que os psiquiatras sejam as pessoas menos prováveis de ser religiosas, o que pode ser estigmatizante para os psiquiatras que o são. Mas como diz o psiquiatra Joaquim Gago no seu texto no livro “Transformar os limites em possibilidades” — «as atitudes estigmatizantes criam barreiras ao tratamento, à reabilitação e à recuperação, e estas devem ser ultrapassadas de forma a criarem condições para promover a inclusão social.» Ou se adaptarmos ao argumento aqui explorado — promover a terapia espiritual.
Não quer isso dizer que se diminui o papel e a presença que os sacerdotes representa nos hospitais. Muito pelo contrário. A sua acção é, por natureza, terapêutica no ouvido que escuta, e no consolo do dar a mão que cura. Pois, dão a sua vida para serem a face visível da presença de Deus junto daquele que sofre e isso tem um valor incomensurável.
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